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Quem comprou carro elétrico em SP fica sem devolução do IPVA

Toyota Prius é único "carro verde" novo a se enquadrar de fato na regra paulistana de isenção - Murilo Góes/UOL
Toyota Prius é único "carro verde" novo a se enquadrar de fato na regra paulistana de isenção
Imagem: Murilo Góes/UOL

Alessandro Reis, Eugênio Augusto Brito

Do UOL, em São Paulo (SP)

20/11/2017 08h00

Carro "verde" é algo caro em todo o mundo, mas no Brasil segue sendo "luxo": custa caro e ainda se tem a ideia de que é algo de "status", não de consciência. Por aqui, híbridos começam sempre acima dos R$ 100 mil, enquanto qualquer elétrico colocado no mercado flerta com os R$ 200 mil. Pior: incentivos são raros e complicados de se obter. E, desde maio, a cidade de São Paulo atrasa o repasse de um desses incentivos aos compradores, aponta a ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico).

De acordo com Ricardo Guggisberg, presidente da ABVE, existem atualmente 333 solicitações de reembolso de IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) paradas Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, repartição responsável pelo tema na capital paulista.

Desde 2014, lei sancionada pelo então então prefeito Fernando Haddad prevê que proprietários de veículos híbridos, elétricos ou movidos a célula de hidrogênio emplacados na cidade devam ficar isentos do rodízio municipal. Além disso, unidades que custem até R$ 150 mil têm direito ao reembolso de 40% do IPVA recolhido -- são os 50% do imposto que cabem à Prefeitura, menos o desconto da parte que deve ser destinada ao Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica). Esse reembolso pode ser pedido por cinco anos a partir da data da compra. Os 50% destinados ao Estado de São Paulo não dão direito a qualquer benefício.

Acontece que a atual administração da cidade modificou a burocracia para obter o reembolso do IPVA municipal: em maio, decidiu encerrar o recebimento dos pedidos por formulário, para realizar todo o processo por meio de uma plataforma online. E mais nenhum benefício saiu. Primeiro, foi o prazo para o sistema entrar totalmente em operação; depois acertos pontuais; nos últimos dois meses, a informação para quem tenta o reembolso é de que "falta dotação orçamentária", ou seja, não há dinheiro.

Guggisberg diz estar em contato frequente com a Prefeitura e que, em reunião realizada há cerca de duas semanas, ouviu da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente que a questão será solucionada até o fim deste ano. "Acredito que, pelo fato de ser uma nova administração, com muitas coisas a serem ajustadas, acabou levando mais tempo que o desejável para fazer a transição para o novo modelo eletrônico", afirmou.

Já Edgar Escobar, presidente da Abravei (Associação Brasileira de Proprietários de Veículos Elétricos Inovadores), avalia que dinheiro não deveria ser problema para a Prefeitura. "Se analisarmos a pequena quantidade de veículos que têm direito à devolução dos 40% do IPVA, o valor a ser reembolsado é irrisório para uma das maiores cidades da América Latina", disse.

UOL Carros procurou tanto a assessoria geral da Prefeitura de São Paulo, quanto as secretarias do Verde e Meio Ambiente e da Fazenda. A única resposta obtida foi a de que "as informações [de que há atraso no reembolso] procedem". Houve também a promessa de que os pagamentos voltarão a ser realizados até o final do mês de novembro.

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Reembolso para poucos

Principal questão da lei paulistana do reembolso de IPVA não esteve no formato do formulário (se tradicional ou online), mas na imitação: longe dos microfones, diversas montadoras reclamam que o teto de R$ 150 mil só "beneficia" a Toyota, que consegue vender os híbridos Toyota Prius (R$ 126 mil) e Lexus CT200h (R$ 136 mil) neste patamar. Todos os outros híbridos do mercado, assim como o elétrico BMW i3 (único com essa motorização vendido ao cliente pessoa física no país) custam mais do que R$ 150 mil. 

Procurada por UOL Carros, a Toyota disse receber "periodicamente" reclamação de clientes que não conseguem o reembolso. A marca diz tudo o que pode fazer é informar, via SAC, como clientes podem efetuar o pedido de ressarcimento em São Paulo.

Já a BMW, importadora do i3, ressaltou que o modelo no momento está fora do teto de isenção, mas que "já solicitou a revisão do limite junto à Prefeitura, que se mostrou favorável à medida". Segundo a montadora alemã, porém, ainda não foi efetuada qualquer alteração na portaria.

BMW i3 - Murilo Góes/UOL - Murilo Góes/UOL
BMW i3 novo nunca é caro demais para o reembolso paulistano e deixou de ser importado nos últimos meses; fabricante quer definição de benefícios antes de trazer a nova variante, o i3S, lançado no último Salão de Frankfurt
Imagem: Murilo Góes/UOL

"É pouco, está atrasado, mas eu quero"

Por conta, mesmo sem ter direito ainda e apesar do atraso no pagamento por parte da Prefeitura, alguns compradores de i3 tentam alternativas para poder pedir o reembolso do IPVA em São Paulo.

É o caso do administrador de empresas Leonardo Celli Coelho, dono de um BMW i3 adquirido em abril de 2016. Coelho contou ter barganhado desconto na concessionária para que o i3 ficasse dentro do teto de R$ 150 mil e pudesse pleitear o desconto (um i3 parte, atualmente, de R$ 159.950).

Até o momento, ele pagou cerca de R$ 2,7 mil entre IPVA, licenciamento e seguro obrigatório no período. E, desde maio, espera que o pedido de reembolso seja atendido. "Por enquanto estou aguardando uma definição, não deram previsão de quando ele será disponibilizado", relatou.

Já Edgard Escobar, o presidente da Abravei, é outro dono de BMW i3 a aguardar que os processos pedindo a devolução de 40% do IPVA destravem na secretaria. Ele comprou o modelo em setembro do ano passado, mas ainda não solicitou o reembolso. "Como paguei R$ 160 mil pelo carro, o valor passou do teto de R$ 150 mil e este ano paguei cerca de R$ 3,6 mil integrais de imposto. No ano que vem já vou requerer a devolução de parte do IPVA referente a 2017, quando meu i3 já desvalorizou e passou a custar menos de R$ 150 mil, estando elegível ao benefício", explicou.

Como é (ou deveria ser) a lei de benefícios no Brasil

A lei sancionada por Fernando Haddad, em 2014, prevê que proprietários de veículos elétricos, híbridos ou movidos a célula de hidrogênio emplacados na capital paulista devem receber de volta 40% do IPVA recolhido (50% que cabem à prefeitura, menos o desconto do Fundeb).

A regra, que também libera esses carros do rodízio municipal, permite o reembolso para veículos com valor de até R$ 150 mil registrados na base de cálculo do tributo e vale somente para os cinco primeiros anos de tributação. A solicitação deve ser feita à Secretaria Municipal do Meio Ambiente, sempre a partir de maio de cada ano. É possível receber de uma vez valores acumulados em mais de um ano, desde que respeitado o limite de cinco anos. 

Para tanto é necessário apresentar um formulário junto com cópia de RG, CPF ou CNH do proprietário ou arrendatário, cópia do CRLV (Certificado de registro e licenciamento de veículo), código de verificação da nota fiscal eletrônica emitida pela concessionária e dados da conta bancária do proprietário. O veículo deve estar sem nenhuma pendência relativa ao ano de recolhimento do IPVA.

Na alçada da União, elétricos e veículos movidos a célula de hidrogênio têm isenção total do IPI (Imposto de Importação) desde 2015. Da mesma forma, híbridos pagam menos IPI, proporcionalmente à eficiência. Há também maior redução caso o híbrido seja fabricado localmente, mas isso não foi o suficiente para que qualquer projeto vingasse até hoje. Vale lembrar que a regra federal beneficia mais fabricantes que compradores.

Localmente, além da cidade de São Paulo, há regras de desconto parcial no imposto nos Estados do Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul. Outros sete Estados também concedem algum tipo de isenção: Piauí, Maranhão, Ceará, Sergipe, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Pernambuco.

Ainda assim, o Brasil vende menos de 2 mil unidades de carros/verde por temporada, número alcançado este ano e que já é considerado recorde (e grifamos para realçar o disparate). Isso dá 0,1% do esperado para o mercado total de carros de passeio.

Noruega, Suécia, Alemanha, Japão, França e Reino Unido -- não apenas grandes mercados, como também grandes produtores de automóveis -- têm projetos de banir total ou parcialmente a fabricação de carros convencionais em prazos que vão de três a 13 anos. Isso pode deixar o Brasil, que ainda não conta com um programa sólido de motorização ambientalmente correta (nem mesmo o programa do etanol, que muitos especialistas defendem, roda de forma sustentável), isolado tecnologicamente e comercialmente.