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Kia põe alemão na presidência e pode iniciar 'era do carro-iPhone'

Peter Schreyer, designer-estrela e agora presidente da Kia, posa com esboço do sedã Quoris (K9 na Coreia) - Newsis/Reuters
Peter Schreyer, designer-estrela e agora presidente da Kia, posa com esboço do sedã Quoris (K9 na Coreia) Imagem: Newsis/Reuters

Eugênio Augusto Brito

Do UOL, em São Paulo (SP)

28/12/2012 17h51

A coreana Kia Motors anunciou nesta sexta-feira (28) a promoção do alemão Peter Schreyer, designer-chefe da marca, à co-presidência da companhia, o primeiro executivo de fora da Coreia do Sul a comandar a empresa. A decisão é simbólica não apenas para a Kia, mas para toda a indústria automotiva, por praticamente encerrar o ano de 2012 indicando o rumo a ser seguido pelo setor no futuro: carros tecnológicos e atraentes deverão ter tanto (ou mais) sucesso quanto modelos eficientes e de baixo custo. Prepare-se para a era do "carro iPhone".

Schreyer, que foi pinçado da Volkswagen pela Kia em 2006 e agora divide seu tempo entre a Coreia do Sul e o escritório mantido em Frankfurt (Alemanha), acumulará a chefia de design com a presidência executiva da companhia. Acima dele estarão apenas Chung Mong Koo, presidente do grupo Hyundai-Kia, e seu filho Chung Eui Sun, que desempenha a mesma função, com status mais focado na política, na Kia.

Analistas de diferentes partes do mundo concordam que a ascensão de Peter Schreyer indica a mudança de rumo da Kia. Segundo a agência Automotive News, haverá troca da produção em escala de produtos rentáveis (fortes na famosa "relação custo/benefício"), ainda considerada importante em mercados emergentes, pelo desenvolvimento de modelos de ponta, com mais design e tecnologia.

Para fontes coreanas, a decisão indica ainda o desejo da Kia em se firmar como uma das fabricantes de ponta no novo cenário automotivo mundial. Nesta nova ordem global -- acelerada pela crise econômica de 2009, ainda presente nos mercados desenvolvidos (Europa, Estados Unidos e Japão) -- marcas tradicionais como Toyota, General Motors e Ford têm cada vez mais dificuldade em manter a liderança e devem ser substituídas por grupos como Volkswagen e BMW... e, na visão dos coreanos, pela Hyundai-Kia. 

"Colocar um estrangeiro (Schreyer) em posição de destaque pode colocá-la (Kia Motors) em posição chave neste cenário", afirmou Shin Chung Kwan, analista da KB Investment & Securities, de Seul, em declaração à Automotive News.

HYUNDAI MAIS GERMÂNICA

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    Se a Kia terá a função de vanguarda, como uma marca premium dentre as coreanas, a empresa-mãe Hyundai promete não ficar muito atrás.

    De olho na influência cada vez maior das marcas alemãs no mercado americano, a empresa anunciou a chegada do designer Cristopher Chapman, ex-BMW (onde criou a geração anterior do Série 1, por exemplo), para a chefia do departamento americano, na California.

    Chapman (na primeira foto) deve dividir as funções com o gerente de design Andre Hudson, ex-GM, criador do best seller Sonata (abaixo).

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CARRO-IPHONE
Para muitos, a crise enfrentada pelas marcas tradicionais é característica do fim de um modelo comercial, baseado na produção massificada de modo a atender a diferentes mercados com o mínimo de variação e o máximo de lucro. A líder mundial Toyota está envolvida até o pescoço em indenizações e multas bilionárias decorrentes dos recalls gigantescos, que começaram em 2009 e 2010, mas insistem em se repetir nos últimos meses.

A General Motors quebrou ao final do biênio 2008-09 e foi salva do limbo com ajuda financeira do governo de Barack Obama para emergir como uma empresa voltada à produção de carros mais simples e, portanto, baratos. No mesmo barco entraram as outras duas gigantes americanas, a Chrysler, que acabou na mão do grupo europeu Fiat, e a Ford, que dispensou ajuda externa, mas encolheu drasticamente.

Cresceram a Volkswagen, a BMW e marcas que têm se esforçado para mesclar o modelo da Toyota -- unificar linhas de produção e design para reduzir custos internos, expandir vendas e ampliar os lucros -- com o toque europeu -- onde marcas e clientes diferenciados ainda têm seu valor.

O grande problema do grupo Volks, que escancara seus planos de chegar à liderança mundial até 2016, está na forte percepção de que seus carros são pouco atrativos, sobretudo para pessoas mais jovens e menos conservadoras.

E é nesta brecha que trabalham rivais como a BMW e as marcas sul-coreanas, sobretudo a Kia, criadora do mote do "carro-design" (apelido comercial que a marca deu ao hatch Soul). Liberadas da necessidade de vender a qualquer custo para qualquer público, estas marcas se voltaram à criação de modelos que atraem mais pelo pacote tecnológico e pelo visual, algo semelhante ao que a Apple de Steve Jobs fez com seus produtos de informática e telefonia entre os anos 1990 e 2000 e que culminou na era do iPhone.

PETER XI-O-QUÊ?
O alemão Peter Schreyer, de 59 anos, tornou-se talvez o primeiro designer automotivo a alcançar o status de estrela: ter seu nome (de pronúncia complicada, convenhamos) lembrado fora do meio a ponto de servir de gancho para propagandas, como uma que chegou à TV brasileira no começo deste ano. Em 2006, foi eleito "um dos mais influentes designers automotivos de todos os tempos" pela inglesa Car Design; em 2011, foi escolhido "homem do ano" pela Car and Driver.

Formado em Desenho Industrial pela Universidade de Ciências Aplicadas de Munique, na Alemanha, e depois em Desenho de Transportes pelo Royal College of Art, de Londres (Inglaterra), Schreyer trabalhou para a Audi nos anos 1980 na Europa e nos Estados Unidos, até assumir o departamento de design exterior da Volkswagen em 1993.

No grupo alemão, participou do grupo que criou o cult-retrô Volkswagen Beetle e foi o responsável por carros icônicos como a quarta geração do Volkswagen Golf e também o cupê esportivo Audi TT e os sedãs A4 e A6.

Em 2006, foi contratado pela Kia com a missão de modernizar a imagem da marca. Comprada em 1998 pela Hyundai, a Kia era conhecida até então por modelos totalmente sem-graça -- exemplos típicos da defasagem da marca são o sedã grande Opirus (substituído pelo Cadenza, criação de Schreyer) e a geração anterior do médio Cerato.

Com a mão de Schreyer, a empresa tornou-se atrativa o suficiente para vender bem na Europa e nos Estados Unidos. E o estilo criado pelo alemão -- chamado de "focinho de tigre" e representado pela grade frontal em forma de trapézio recortado e por faróis espichados, quase sempre dotados de LEDs -- tornou-se característica dos carros da marca (além de Soul e Cadenza, os novos Picanto, CeratoOptima, SportageSorento e o ainda inédito Quoris, entre outros), sem no entanto engessar seu visual, defeito que ocorre na Volkswagen, por exemplo.

"Não deveríamos tê-lo deixado sair", afirmou Ferdinand Piech, presidente da Volkswagen, em entrevista concedida em novembro à imprensa americana.

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  • Eugênio Augusto Brito

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