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Tesla? Jaguar I-Pace se torna referência global em veículo elétrico

Rodrigo Mora

Colaboração para o UOL, em Algarve (Portugal)

22/06/2018 04h00

Quem fizer algo semelhante por um terço do preço, enterrará de vez o motor a combustão; leia avaliação

Filmes de ficção científica não precisarão mais vislumbrar como será o carro do futuro. Aos cineastas, bastará colocar um Jaguar I-Pace em cena.

Não que o último lançamento da Jaguar seja o primeiro carro elétrico real do mundo. Longe disso. Mas o modelo austríaco (ele é produzido pela Magna Steyr, em Graz) de ascendência inglesa se torna um marco não só na história da Jaguar, mas da própria indústria, pelo modo como executa a mobilidade elétrica -- como refinamento.

Refinamento, aliás, construtivo, sensorial e prático. O alemão BMW i3 é ótimo, mas tem autonomia no modo puramente elétrico de apenas 180 km e é pequeno. A família Tesla tem boa autonomia, alto desempenho (sobretudo no Model S, mas também no X e no futuro Roadster), mas ainda se metem em encrencas por conta do sistema pretensamente autônomo (e totalmente deficiente) da fabricante americana. Na prática, o Jaguar consegue superar seus concorrentes e ainda apresnetar um nível de luxo jamais visto em nenhum deles.

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Passo adiante em luxo e tecnologia

Para começar, porém, a concepção do I-Pace é até simples. Baseado em plataforma própria, tem carroceria quase inteira em alumínio; bateria de íon-lítio de 36 módulos e 430 células, que está enxertada no assoalho; e dois motores, um em cada eixo, produzindo 200 cv e 35,5 kgfm de torque cada, o que faz do I-Pace um carro de tração integral. Apenas as suspensões são compartilhadas com outros carros do grupo, no caso, Jaguar F-Type e Land Rover Velar.

Diz a Jaguar que a recarga completa em tomada comum leva cerca de 12 horas. Quem espetá-lo num carregador de 100 kW, terá 80% de energia em até 40 minutos -- a fabricante recomenda, porém, a instalação de wallbox AC de 7 kW para fluxos perfeitos de recarga.

Por menor que seja, um motor a combustão ocupa espaço considerável, e sua ausência no I-Pace permitiu que se avançasse a cabine para frente, ampliando a área do habitáculo. Resultado: comprimento total (4,68 m) pouco superior ao de um sedã médio e entre-eixos (2,99 m) pouco menor do que o de uma picape grande. E isso não elimina um ótimo bagageiro: são 656 litros ali.

Bônus 1: sob o capô, no lugar do motor, outro compartimento de 27 litros. Bônus 2: há um espaço para tabletes e laptops sob os bancos traseiros. Bônus 3: se quiser usar seus equipsamentos, basta aproveitar desse recorde: são três plugues 12V e seis saídas USB de alta capacidade ao longo da cabine.

Ainda falando do interior, esqueça o visual sisudo dos demais Jaguar. Há uma ousadia jamais vista em seus 84 anos de vida, a começar pelo volante de miolo afundado e ótima pegada. Não tenha dúvidas de que estará nos próximos carros da marca -- mais: merecia ser enquadrado e pregado na parede.

O painel de instrumentos encanta, mas o console central hipnotiza. A grande sacada foi digitalizar quase tudo, dando um passo adiante daquele dado com o Range Rover Velar e suas "blades".

Ainda assim, operações essenciais -- partida do motor, volume do som e ajustes do ar-condicionado -- seguem no bom e velho botão. Quanto à seleção de marchas, o I-Pace mostra aos modelos automatizados da Fiat que não há problema em apertar botões para selecionar P, R, N, D. Basta alinhá-los numa sequência como em qualquer manopla convencional e assim tornar a operação realmente intuitiva.

Impressionado? Vamos então dar a partida. 

Jaguar I-Pace - Divulgação - Divulgação
Seletor de marchas até faz falta, mas torque brutal ajuda a dar conta de momentos como esse
Imagem: Divulgação

Elétrico em autódromo? Nem é mentira

Com estas credenciais, a Jaguar fez o primeiro teste global do I-Pace na região litorânea do Algarve, em Portugal. Tudo igual a qualquer outro elétrico ou híbrido: nada de barulho na "largada", apenas um Ready (pronto) no painel indica que o carro está ligado e você já pode acelerar.

Nos primeiros quilômetros, o crossover (que parece um hatch  anabolizado) deixa a cidade para trás manso, transpondo lombadas e valetas como se vencesse almofadas. A direção é leve, os bancos com ajuste elétrico e memória carinhosamente abraçam motorista e passageiro. O sistema de som Meridian é cristalino, como nos demais modelos de topo da Jaguar Land Rover.

Entramos na estrada e a primeira reação é afundar o pé no acelerador. Tão instantânea quanto à entrega do torque é a combinação de gargalhadas, frio na barriga e cabeças lançadas contra o encosto do banco. Não há conta-giros, apenas um indicador do quanto de eletricidade você está esbanjando. O mostrador vizinho indica 150 km/h, 160 km/h, 170 km/h...e ainda há mais fôlego para ir adiante.

Daí você brinca com o sistema regenerativo, que desacelera o veículo quando o acelerador é aliviado (há um modo que permite guiar usando apenas o pedal do acelerador, esquecendo do freio). É hora de avisar para o carona se segurar e socar o pé no acelerador de novo. Ainda assim, dá-lhe cabeçada no encosto do banco, tamanha é a patada dos 394 cv combinados, mas principalmente dos 71 kgfm de torque produzidos pelo combinado dos dois motores elétricos.

Curioso é que a Jaguar deixou a classe de lado e decidiu provocar os jornalistas. Primeiro na pista do Autódromo Internacional do Algarve, que é um habitat tão natural para um elétrico quanto o tráfego urbano às seis da tarde para um carro de corrida.

Ali, foi possível sobreviver após beliscar os 200 km/h no final da reta, frear dando patadas e atacar curvas quase como se o carro tivesse de fato nascido para as pistas. Relembramos, ele é um crossover e não dá para dizer que seus 2.208 kg são imperceptíveis. Nessa situação, aliás, a falta de marchas faz falta. Mas você sai do carro feliz, ao mesmo tempo que tentando entender o que acaba de acontecer.

A segunda esnobada foi levar o I-Pace para um breve trecho off-road, como teria sido feito com qualquer crossover, diga-se de passagem. Logo de cara, enfiamos o carro num pequeno córrego, certamente com a intenção de contar que toda a parte elétrica é blindada. Na sequência, um subidão que o carro venceu tão bem, ou até melhor, do que os primos da Land Rover, menos por conta da tração e mais pelo torque instantâneo do motor elétrico.

Mais um trecho de estrada para, de novo, brincar de acelerar e deixar o sistema regenerativo desacelerar o veículo. Chega a dar um certo enjoo, tamanha a veemência do sistema em reduzir aceleração para ganhar autonomia. Se incomodar demais, mesmo desligá-lo.

No fim do trajeto (descontadas as voltas no autódromo, feitas em outros exemplares), o odômetro marca 300 km percorridos, com autonomia para 50 km. Menos do que os 480 km calculados no início da jornada. Nada mais natural: como em um carro convencional, se você pisar mais, gastará mais; se for gentil com o acelerador, mais combustível terá.

Mas tudo isso foi feito sem gastar uma gota de combustível, sem emissões diretas produzidas pelo carro. E sem estar a bordo de uma lata insossa, pelo contrário, com muita força, muita emoção e doses gigantescas de tecnologia e luxo.

O carro do futuro, enfim, é coisa do presente, inclusive para o Brasil. Diferente dos modelos da Tesla, chegará oficialmente ainda este ano, devendo ser a estrela no Salão do Automóvel de São Paulo. Claro, custará caro, cerca de R$ 400 mil. Mas pensando bem, dentro do patamar do mercado de luxo e ainda oferecendo o que nenhum outro oferece. De fato, virou referência.