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Carros autônomos precisam "falar" uns com os outros para nossa segurança

Se os sistemas forem diferentes, como eles vão se comunicar? Mas como fazer para não haver um monopólio sobre o software autônomo? - Eric Risberg/AP
Se os sistemas forem diferentes, como eles vão se comunicar? Mas como fazer para não haver um monopólio sobre o software autônomo?
Imagem: Eric Risberg/AP

Noah Smith

18/02/2018 04h00

Governos já começam a discutir como regular tecnologias diferentes de veículos que andam sozinhos antes da adoção dessa nova "era"

Os fãs dos futuros carros autônomos devem ter respirado aliviados com a notícia de que duas gigantes do setor, a Uber e a Waymo (divisão do Google), chegaram a um acordo em seu processo judicial sobre propriedade intelectual. O trato elimina uma grande distração para as empresas e as libera para se concentrarem em suas próprias pesquisas.

Carros autônomos serão incrivelmente benéficos para a sociedade. Poderiam (ou poderão?) salvar dezenas de milhares de vidas e evitar milhões de lesões todos os anos. Poderiam também economizar centenas de horas das pessoas a cada ano -- pessoas estas que poderão trabalhar ou descansar enquanto estão em trânsito. E poderiam ainda eliminar o estresse de dirigir, melhorando a saúde e a qualidade de vida de bilhões de pessoas.

É impossível enfatizar o potencial benéfico e transformador do carro autônomo. Por isso, é ótimo ver o governo dos EUA, por exemplo, imaginando como regular os veículos autônomos muito antes da adoção ampla dessa tecnologia.

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Essa legislação bipartidária foi introduzida tanto na Câmara de Representantes quanto no Senado norte-americano para harmonizar regras na esfera federal, enquanto a Administração Nacional de Segurança Rodoviária dos EUA tenta remover obstáculos regulatórios desnecessários. Enquanto isso, os senadores Bill Nelson, Gary Peters e John Thune apresentaram um conjunto de princípios que planejam usar para regular os carros autônomos.

A maioria dos princípios é razoável -- promover a segurança, a cibersegurança e a educação, e impulsionar a inovação o mais rapidamente possível.

Mas um dos princípios -- segundo o qual o governo permanece neutro em relação a tecnologias alternativas de veículos autônomos -- merece uma análise mais aprofundada: Ao contrário dos veículos comuns, os carros autônomos funcionam melhor em rede. Quando se comunicam entre si, podem evitar batidas com mais eficácia. Mas se os carros da Waymo não se comunicarem com os da General Motors, por exemplo, a segurança de todos nas ruas será menor.

Isso significa que empresas diferentes têm bons motivos para conectar seus carros uns com os outros para que eles se comuniquem, certo? Talvez não. Com a falta de comunicação entre as marcas, cada consumidor tenderia a comprar um veículo da marca mais dominante ou popular, porque esse carro teria o maior número de carros para se comunicar (e evitar batidas). Em outras palavras, existe um perigo real de as empresas tentarem ser como a Apple, limitando a interconectividade para tentar transformar o mercado automotivo em um ecossistema fechado e monopolizado.

A possibilidade de lucro com a monopolização do mercado automotivo -- ou até mesmo do componente de software desse mercado -- é enorme. Vamos supor que as pessoas estarão dispostas a pagar US$ 10 mil (ou R$ 33 mil) apenas pelo software que controla um carro autônomo. São vendidos cerca de 17 milhões de carros novos por ano nos EUA. A simples multiplicação desses dois números se traduziria em uma receita de US$ 170 bilhões por ano, ou quase o montante ganho pela Amazon no ano passado.

Mas se houvesse um verdadeiro monopólio -- se o cliente tivesse que comprar o software de direção autônoma de uma empresa para não correr um risco muito maior de se machucar ou morrer --, ela tentaria maximizar os lucros, porque assim agem os monopólios. Aumentaria os preços, restringiria a produção e tornaria a compra do carro mais difícil para a classe média.

Isso seria ruim não só para consumidores, mas também para trabalhadores do setor. Segundo pesquisas recentes, os empregadores dominantes poderiam usar seu poder para pagar salários mais baixos. Ou seja, por uma série de razões, o governo deve agir para evitar que este setor seja dominado por uma única empresa.

Uber suspende testes com carro autônomo após acidente no Arizona - Reprodução - Reprodução
Carros autônomos precisam conversar entre si, independentemente de qual seja o software ou a montadora, pois funcionam melhor em rede -- quando se comunicam, podem evitar acidentes com mais eficácia
Imagem: Reprodução

Como fazer?

A forma tradicional de lidar com um monopólio é dividi-lo, como a AT&T foi obrigada a fazer em 1982. Mas no caso dos carros autônomos, uma atitude assim deixaria as ruas menos seguras no geral, porque restariam algumas marcas menores cujos carros não se comunicam entre si.

Uma ideia melhor é que o governo ordene que todos os carros autônomos se comuniquem uns com os outros. A maneira mais fácil de fazer isso é exigir que as empresas do software autônomo tornem públicos todos os softwares e protocolos usados para as comunicações entre os carros. Talvez isso não resolva completamente o problema, já que esses protocolos e esse código podem funcionar muito melhor com o sistema de uma só empresa do que de outra. Mas se os órgãos reguladores promulgarem essa regra nos estágios iniciais, as empresas poderiam desenvolver seus sistemas em torno de um sistema de comunicação interveicular universal e compartilhado desde o começo. Haveria uma verdadeira neutralidade tecnológica, sem vantagem de mercado para nenhuma delas.

Esse tipo de regra impediria a monopolização da frota de automóveis por motivos de segurança. Mas no fundo é realmente mais parecida com algo que o governo tem feito há séculos -- harmonização de pesos e medidas. Essa é uma função essencial e útil que, aliás, está prevista na Constituição dos EUA.

*Esta coluna não reflete necessariamente a opinião da Bloomberg ou do UOL