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Análise: Dilma coleciona carrinhos e cacife político com regime automotivo

Dilma e suas miniaturas de modelos BMW, Volkswagen, Mercedes-Benz e Audi - Xinhua, Divulgação/PR, Pedro Ladeira/Folhapress
Dilma e suas miniaturas de modelos BMW, Volkswagen, Mercedes-Benz e Audi Imagem: Xinhua, Divulgação/PR, Pedro Ladeira/Folhapress

Claudio Luís de Souza

Do UOL, em São Paulo (SP)

03/10/2013 19h45

A presidente Dilma Rousseff ganhou nesta quinta-feira (3) mais uma miniatura de carro para sua coleção -- caso mantenha uma. Foi a vez de um Golf 7, entregue à mandatária pelo chefão da Volkswagen no Brasil, Thomas Schmall, em Brasília (DF).

Dois dias antes, Dilma ganhara um pequeno Mercedes-Benz CLA das mãos de Andreas Renschler, executivo da marca alemã. Nas duas ocasiões, foram anunciados novos investimentos no Brasil -- cerca de R$ 510 milhões da Mercedes para erguer fábrica no interior de São Paulo, e R$ 520 milhões da Volks para produzir o hatch no Paraná.

Em meados de setembro último, o carrinho adicionado pela presidente à (provável) coleção foi da Audi, presenteado por Rupert Stadler, CEO global da marca das quatro argolas. Em outubro de 2012, o executivo Ian Robertson, da BMW, deu à presidente miniatura de um modelo de pista da grife bávara. 

O tema foi abordado por UOL Carros num post no Blog da Redação. Depois dele, surgiu mais uma história saborosa a respeito de Dilma e fabricantes de carros.

Após o anúncio da fábrica da Mercedes em Iracemápolis (SP), feito na terça-feira (1) no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, Renschler contou a alguns jornalistas que, durante o Salão do Automóvel de 2012, recebeu a visita de Dilma Rousseff no estande da marca, no Anhembi.

"Convidei-a para entrar e sentar em um dos nossos carros, mas Dilma respondeu: 'Faço isso quando vocês tiverem produção no Brasil'. E nós levamos isso muito a serio", disse Renschler. "Voltamos à Alemanha e intensificamos o planejamento para abrir uma fábrica de automóveis no país, e agora esperamos uma visita ilustre a nossos carros no Salão de São Paulo de 2014", disse o executivo.

  • Jorge Araújo/Folhapress

    Em 2012, Dilma deu só uma passadinha pelo estande da Mercedes; em 2014, como será?

É tradição mundial que presidentes e premiês visitem o salão automotivo de seus países; por exemplo, desde 2008 UOL Carros acompanhou as infalíveis passagens de Nicolas Sarkozy e François Hollande pelo Salão de Paris. Ambos prestigiaram especialmente os estandes das marcas locais (Renault e PSA Peugeot Citroën).

No ano passado, em São Paulo, e na falta de uma fabricante genuinamente brasileira para visitar, Dilma posou a bordo até de um Chevrolet Onix -- mas ficou do lado de fora dos carros da Mercedes.

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A coleção de miniaturas de Dilma tem uma dimensão política. Que presidente não gostaria de disputar a reeleição em 2014 gabando-se de ter forçado (a palavra correta é exatamente essa) nada menos que as três marcas mais desejadas e tecnológicas do mundo (excetuando Ferrari e outras grifes) a abrir fábricas de carros no Brasil?

Provavelmente nem sequer um único modelo Audi, BMW e Mercedes ficará mais barato por ser feito aqui, e esse é um ponto fraco do eventual argumento eleitoral -- mas são eloquentes os R$ 2 bilhões de investimentos anunciados pelas três alemãs premium, mais a Volkswagen.

Isso sem falar nas chinesas JAC e Chery, que se viram obrigadas a fazer carros aqui para manter a competitividade num mercado tão promissor, e nas novas unidades e/ou ampliações de marcas mais tradicionais, como a Toyota.

O primeiro passo do Inovar-Auto, o regime automotivo responsável pela corrida por fábricas locais, foi o mega-aumento do IPI para carros importados, em setembro de 2011, que pegou de surpresa as associadas da Abeiva (marcas sem produção no Brasil) e, durante algumas semanas, pareceu significar o enterro de empresas como Kia e as recém-chegadas chinesas. Executivos com vocação para celebridade, como Sérgio Habib (JAC) e José Luiz Gandini (Kia), fizeram discursos apocalípticos, e a mão furtiva da Anfavea (associação das fabricantes) chegou a ser vista por alguns dando aquela "ajudazinha" na redação das novas medidas.

No ano passado, porém, as regras do jogo automotivo ficaram mais claras para todo mundo, inclusive quanto às complicadíssimas cotas proporcionais de importação, e agora já se pode dizer que o Inovar-Auto está consolidado como símbolo de um projeto desenvolvimentista do governo federal para o setor.

Sua marca é o pragmatismo: é certo que não temos uma indústria de veículos genuinamente brasileira, mas temos dezenas de fábricas a todo vapor, muitas delas tão adaptadas a peculiaridades (como os motores flex, por exemplo) que acabam ganhando uma espécie de verniz verde-amarelo.

A administração pública tira alegremente as suas casquinhas: veículos são produtos convenientes para taxar nos níveis federal, estadual e municipal. Prefeitos e governadores fazem lobby para receber as novas fábricas. 

Quanto às vozes que, aqui e ali, desafinam o coro e denunciam a insânia de anabolizar a indústria automotiva num país de cidades congestionadas e poluídas (como São Paulo), uma dura resposta está nos preços de modelos recentes e globais, como Golf 7, Focus 3 e Tracker: eles continuam custando imensamente mais no Brasil do que em outros mercados.

Por quê? Entre outras razões, porque há quem pague.

Ainda falta muito para o trânsito engarrafar na mesa de Dilma Rousseff. O próximo carrinho, aliás, será um Land Rover.

Com reportagem de Ricardo Ribeiro