Carros de Senna

Nos 25 anos da morte de Ayrton, testamos as máquinas do tricampeão

Eugênio Augusto Brito, João Anacleto Do UOL, em São Paulo (SP) Murilo Góes/UOL
Divulgação/McLaren

Senna Day

Data da morte é convertida em dia de memória

Domingo, 1º de maio de 1994. Talvez um dos dias mais tristes da história do esporte, com a morte de Ayrton Senna da Silva. Mas, 25 anos depois, a data virou um dia para celebrar a memória do piloto que o Brasil aprendeu a reverenciar a cada alegria nos domingos de vitórias e títulos.

Esta data tornou-se o "Senna Day", com direito a festival que dura o dia todo na pista do Autódromo de Interlagos, em São Paulo (SP), com música, mini-eventos esportivos, venda de lembrancinhas e, claro, muita troca de informação sobre campeonatos de corrida e sobre automóveis.

UOL Carros aproveita este dia, uma quarta-feira em 2019, para falar não de tristeza, mas do legado deixado pelo tricampeão de Fórmula 1. E da melhor forma possível: vamos mostrar e acelerar os carros de uso pessoal, peças raríssimas deixadas na garagem por nosso Ayrton Senna... do Brasil.

Legado do tricampeão

UOL Carros, S4 Avant, NSX-R e McLaren Senna em Interlagos

Toni Pires/Folhapress

Senna, um amante de carros

Ayrton desenvolveu, usou e ainda inspira ícones automotivos

Considerado um piloto de essência refinada, Senna era arrojado não apenas nos circuitos de corrida, mas também quando o assunto era carro de passeio. Vidrado em máquinas potentes para seu uso pessoal na Europa, o piloto também dirigia modelos poderosos nas ruas brasileiras. Em sua garagem, dois ícones: Honda NSX Type R e Audi S4.

UOL Carros teve acesso aos modelos após cinco meses de negociação, iniciada ainda às vésperas do Salão do Automóvel de São Paulo 2018, que aconteceu em novembro do ano passado, e encerrada apenas há duas semanas. Durante aquele evento, a McLaren Brasil apresentou o Senna, supercarro de R$ 8,5 milhões (o valor original em euros segue tendo seu câmbio ampliado pela perda de poder do real), 800 cavalos de potência e força equivalente a mais de 10 Chevrolet Onix Joy somados, em ação coordenada com o Instituto Ayrton Senna.

Essa foi a ponte para que tivéssemos, finalmente, o aval de Leonardo Senna, irmão do piloto e guardião legal dos carros de Ayrton. A partir daí, foi tentar colocar os carros para rodar em local digno: conseguimos um espaço no autódromo de Interlagos, passando por trechos do antigo traçado, que curiosamente foi deixado de lado por conta das reformas pedidas por Senna (com a construção do "S" da curva que leva o nome do piloto) para o retorno da Fórmula 1 nos anos 1990.

Murilo Góes/UOL

Uma luz que volta a se acender

Desenvolvido na Inglaterra, o McLaren Senna (que já tem duas versões) contou com participação pontual do piloto Bruno Senna, sobrinho do tricampeão, no acerto de detalhes dinâmicos durante seu desenvolvimento. Bruno, aliás, tornou-se dono de uma unidade do bólido. Apesar de dar nome ao carro, honraria inédita entre os campeões de Fórmula 1, Ayrton Senna nunca soube ou participou de qualquer ação da McLaren para o desenvolvimento de algum carro de passeio.

Mas fez isso, no final dos anos 1980 para a Honda, que era fornecedora dos motores para a equipe de Fórmula 1 da McLaren, time pelo qual o brasileiro conquistou três títulos e as principais de suas 65 pole positions (a primeira posição no grid de largada de uma corrida) e 41 vitórias. Sim, Senna ajudou a desenvolver o Honda NSX. E uma unidade da versão mais potente, a NSX Type R (ou NSX-R), virou carro pessoal do piloto em São Paulo. Outra unidade estava à disposição na Europa, mas acabou leiloada com o passar dos anos.

Não é exagero dizer, porém, que a chegada do McLaren Senna ao Brasil reacendeu uma curiosidade sobre essa história de paixão do piloto pelos carros de rua, bem como o interesse de muita gente sobre o que piloto guardou durante a vida em sua garagem.

Murilo Góes/UOL

Perfeccionista

Falar do legado do Senna para os carro de passeio é falar de sua obsessão pela perfeição -- algo emocionanante para os apaixonados por carros, e claro, apaixonados por Senna. Basta olhar para os dois carros que Ayrton mantinha aqui no Brasil, em ótimo estado de conservação até hoje.

Deixa para falarmos de novo do Honda NSX 1991, modelo 1992, a lendária "Ferrari japonesa" que Ayrton ajudou a desenvolver. Melhor: ajudou a salvar de um possível fracasso. Foi Senna quem fez os ajustes finais do NSX. Mas a primeira parte do desenvolvimento teve participação ativa de Satoru Nakajima, piloto japonês de Fórmula 1, companheiro de Senna nos tempos de Lotus, e que em cinco anos de competição a categoria máxima ficou conhecido por não somar pontos e colecionar trapalhadas.

Não tinha como dar assim tão certo para quem conhece a história.

Com protótipo pronto, Senna pegou o carro para acelerar alguns dias na lendária pista de Nürburgring (Alemanha), área preferencial para testes de supercarros, e deu as dicas para o sucesso. Deu tão certo, que a marca japonesa guardou as indicações passadas pelo brasileiro e as utilizou, acredite você ou não, na segunda geração do NSX, que só ganhou vida 22 anos após a morte do piloto.

Foi o primeiro esportivo de verdade da marca, com motor central traseiro e tração traseira, por coincidência a mesma concepção do McLaren Senna hoje. O motor V6 de 3 litros gerava 270 cv e 30 kgfm de torque só em 5.500 rpm, rotações bem altas e dignas de carros feitos para a pista.

Com isso, era mais rápido que a Ferrari 328, custando a metade do preço. Ia de 0 a 100 em 5,9 segundos e chegava aos 272 km/h de máxima, um absurdo para um carro japonês da época.

Esse carro tinha uma posição de guiar espetacular, controle de tração que era algo bem raro na época, faróis escamoteáveis, um câmbio manual magnífico e algumas coisas especiais que nos anos 1990, só gente com a grana e a importância do Ayrton Senna poderiam exigir.

Caso do sistema de som Bose, com equalizador Kenwood e som tridimensional padrão Dolby (em dobradinha nipo-americana), bem como do... telefone celular onboard. Sim, um telefone móvel no carro, que tinha sinal via antena colocada no alto do cockpit.

Carro pronto, Senna recebeu uma unidade para uso em São Paulo em 1991, ano de seu terceiro e último título com a imbatível dupla McLaren-Honda na F-1, e na placa tratou de homenagear sua mais importante conquista, a do primeiro mundial, em 1988.

Na placa cinza do carro estão as letras BSS. Elas significam "Beco", apelido de família, "Senna" e "Silva". O numeral 8888 faz referência à primeira conquista e também ao apreço de Senna pelo número 8. Só isso já tornaria o exemplar único e especial, na raridade sem preço que é. Aliás, Senna também usou padrão parecido em outro modelo, este com a placa BSS-8855.

Murilo Góes/UOL

Negócio com os alemães

Visionário, Senna parecia antever a onda de utilitários esportivos que hoje unem todo tipo de comprador de carros no Brasil e no mundo. Seu outro carro era a perua Audi S4 Avant 1993, um dos primeiros Audi importados para o Brasil, ainda da linha 100.

Senna e seu irmão Leonardo decidiram, após conversa com um executivo alemão ligado ao Grupo Volkswagen, apostar na vendas de carros: iriam iniciar a importação de modelos da Audi, mas só com exemplares "completões" de série. Com a morte de Senna, o irmão tocou o negócio primeiro total, depois parcialmente, até devolver as últimas ações de controle aos alemães em 2005.

Daí a maior curiosidade sobre a S4 Avant: Ayrton Senna a escolheu para ser o carro de imagem da marca porque era o primeiro modelo com motor V8 para o Brasil; e a unidade de Ayrton, que também era levada a eventos de divulgação, tinha rodas exclusivas, modelo "Avus", com seis raios, aro de 16 polegadas, que faziam alusão ao protótipo Avus, que muito tempo depois daria vida ao R8.

Mas Senna também a escolheu porque era um dos poucos veículos que o permitiam levar os aeromodelos que tanto gostava no porta-malas. Naquela época não tinha essa onda SUV por aqui, né? Carro bom de porta-malas era perua e essa tinha 390 litros. Não só espaço para bagagem: o compartimento escondia ainda, sob o assoalho, dois bancos extras, voltados para trás, de forma "invertida", somando espaço para sete pessoas.

Falando do poderio, o motor V8 de 280 cv era pareado a câmbio manual de seis marchas e tração interal, com bloqueio de diferencial traseiro. Esportividade que era a cara de Senna, seja para se deslocar em São Paulo, seja para viajar com a família quando esteve de férias no Brasil entre o fim de 1993 e o começo de 1994.

Essa station wagon podia ir de 0 a 100 km/h em apenas 6,6 segundos, mas não se pode duvidar que nas mãos do Senna poderia até fazer menos. Certamente, quando viajava sozinho, Ayrton aproveitava para desfrutar o som de fitas K7 no sistema Bose ou então algum de seus CDs na disquteira para 10 discos instalada em um nicho no porta-malas.

Murilo Góes/UOL

Fonte de inspiração

Nessa viagem pelo legado de Ayrton Senna, retornamos ao presente e ao McLaren Senna. Praticamente feito à mão, tem chassi e carroceria de fibra de carbono, 1.198 kg, 42 kg mais leve do que um Audi A3 Sedan, modelo fabricado pela Audi no Brasil.

Feito para acelerar nas pistas, o Senna tem aparência até meio estranha, e aquela asa de apenas 5 kg ali atrás suporta nada menos do que 500 kg de peso. Com tudo isso, faz o 0 a 100 kmh em 2,8 segundos e chegar aos 200 km/h antes que você termine esta frase: só 6,3 segundos. O motorzaço V8 de 4 litros biturbo gera 800 cv e 81,6 kgfm de torque.

Tudo transmitido para as rodas traseiras por um câmbio automatizado de 7 marchas, de embreagem única e não dupla. Sim, monoembreagem, mas desse automatizado ninguém ousará falar mal. Nunca!

Fichas técnicas

  • Audi 100 S4 Plus Avant

    Ano/modelo: 1992/1993. Motor: V8, 4.2. Potência: 280 cv. Torque: 40,8 kgfm. Câmbio: 6 marchas, manual. Velocidade máxima: 250 km/h. 0-100 km/h: 6,6 s. Comprimento: 4,79 m. Entre-eixos: 2,69 m. Porta-malas: 390 litros. Preço: ND

    Imagem: Murilo Góes/UOL
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  • Honda NSX Type R

    Ano/modelo: 1991/1992. Motor: V6, 3.0, aspirado. Potência: 270 cv. Torque: 30 kgfm. Câmbio: 5 marchas, manual. Velocidade máxima: 272 km/h. 0-100 km/h: 5,1 s. Comprimento: 4,43 m. Entre-eixos: 2,53 m. Porta-malas: 157 litros. Preço: ND

    Imagem: Murilo Góes/UOL
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  • McLaren Senna

    Ano/modelo: 2018/2018. Motor: V8, 4.0, biturbo. Potência: 800 cv. Torque: 81,6 kgfm. Câmbio: 7 marchas, automatizado. Velocidade máxima: 340 km/h. 0-100 km/h: 2,8 s. Comprimento: 4,74 m. Entre-eixos: 2,67 m. Porta-malas: "dois capacetes, dois macacões e, talvez, dois sanduíches". Preço: R$ 8,5 milhões

    Imagem: Murilo Góes/UOL
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