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Chefão da Mercedes faz piada, serve chope a convidados e renova marca

Zetsche com Lewis Hamilton e Valtteri Bottas: bigode virou sua marca registrada - Divulgação
Zetsche com Lewis Hamilton e Valtteri Bottas: bigode virou sua marca registrada
Imagem: Divulgação

Vitor Matsubara

Do UOL, em São Paulo (SP)

19/05/2019 07h00

Resumo da notícia

  • Executivo está no comando da Mercedes-Benz desde 2006
  • Figura carimbada nos eventos da empresa, Zetsche é conhecido pelo carisma
  • CEO rejuvenesceu marca, mas sofreu baque com "dieselgate"

Quem viu o Grande Prêmio da Espanha de Fórmula 1 pode ter estranhado quando a equipe da Mercedes apareceu de bigodes brancos para celebrar mais uma vitória de Lewis Hamilton.

Por trás da brincadeira estava uma homenagem a Dieter Zetsche. Chefão da Daimler AG desde 2006, o alemão tem um carisma incomum para um CEO, que certamente será sentido quando o manda-chuva deixar o comando da empresa neste ano. Mas não é só a irreverência que faz dele um grande nome da indústria automotiva.

Zetsche fala Português do Brasil

Nascido em Istambul, na Turquia, Zetsche se mudou para a Alemanha durante a infância, onde estudou em Frankfurt. Graduado em engenharia pela Universidade de Karlsruhe, ele começou a trabalhar no departamento de pesquisa da Mercedes-Benz em 1976. Dez anos depois ele assumiu a área de veículos cross-country antes de vir para o Brasil em 1987.

Por aqui, Zetsche foi chefe do departamento de desenvolvimento e engenharia e membro do conselho administrativo. Apesar da breve estadia no país (ele foi para a Argentina em 1989), ele entende a língua portuguesa -- como alguns jornalistas brasileiros constataram no Salão de Detroit de 2018., quando Zetsche reagiu com uma tímida risada a uma piadinha em bom português.

O episódio aconteceu em um tradicional evento da Daimler na qual os executivos serviam canecas de chope à imprensa após um dia estafante na cobertura do Salão de Detroit. Sim, o chefão da Mercedes também servia a bebida aos jornalistas -- imagem que, aliás, se repete de tempos em tempos, ao redor do mundo --, quando um dos convidados indagou a outro se ainda havia bebida. Reza a lenda que, em vez de responder, o interlocutor fez logo um pedido extra... e informal ao extremo a Zetsche: "Bigoda, desce mais uma aí!".

Recebeu os chopes e a risadinha de um executivo que havia entendido tudo.

Dieter Zetsche no Brasil - Divulgação - Divulgação
Zetsche já trabalhou no país, mas não costuma vir muito para cá
Imagem: Divulgação

Comediante de stand-up?

O bom humor é marca registrada de Zetsche e está presente em várias apresentações à imprensa e até em comunicados de fim de ano da empresa. Diferente de boa parte dos executivos de ponta, ele não tem pudor ao desconstruir a própria imagem, seja se fantasiando (já usou recurso de realidade virtual em apresentação para ficar mais "sarado"), seja fazendo piada com a careca e o próprio bigode.

Foi assim que ele já se vestiu de caubói para revelar o novo Classe G em Detroit e participou de uma entrevista de emprego na própria Daimler recheada de momentos hilários. Virou até personagem de desenho animado com seu indefectível bigodão em uma campanha da extinta DaimlerChrysler chamada "Pergunte ao Dr. Z".

Pessoas próximas afirmam que ele é uma pessoa muito acessível e é frequentemente visto em conversas com funcionários no refeitório da empresa. Foi com esse jeito cativante que Zetsche driblou alguns problemas sérios dentro da companhia. Resolveu problemas financeiros da Chrysler durante a extinta joint-venture, restaurou a imagem do Classe A (manchada após o fatídico "teste do alce" no qual o veículo capotou) e conduziu a empresa ao topo do segmento premium no mundo -- posto que ocupa há três anos.

Desde 2010 a Mercedes registra crescimentos consecutivos nas vendas anuais. Em 2018 foram comercializados mais de 2,3 milhões de veículos no planeta. E o bom desempenho na China, onde foram vendidos 652.996 carros, ajuda a explicar o crescimento.

Sob seu comando é que a empresa estabeleceu importantes alianças estratégicas. A fabricante se juntou à aliança Renault-Nissan em 2009, resultando em desenvolvimento de plataformas (como as dos atuais Smart Fortwo/Forfour e Renault Twingo) e motorizações, além da Classe X, derivada da Nissan Frontier. Recentemente, a Daimler fez o impensável ao firmar um acordo com a arquirrival BMW, o qual pode resultar nas futuras gerações de Classe A e Série 1.

Dieter Zetsche ao lado de Arnold Schwarzenegger - Scott Olson/Getty Images/AFP - Scott Olson/Getty Images/AFP
Estilo caubói para revelar o novo Classe G com Arnold Schwarzenegger
Imagem: Scott Olson/Getty Images/AFP

Carro de velho? Nada disso!

"Rejuvenescimento" foi uma das palavras de ordem da gestão Zetsche. Sob seu comando a Mercedes-Benz não mediu esforços para derrubar a imagem de uma marca envelhecida que só faz "carro de tiozão".

Nascia aí uma campanha publicitária mundial chamada "Grow Up" (ou "cresça", em português) com foco na linha de veículos compactos e protagonizada por figuras influentes entre os jovens -- no Brasil a escolhida foi a cantora Karol Conka.

Por aqui a marca também buscou uma aproximação com o público feminino ao patrocinar a São Paulo Fashion Week, seguindo uma tendência da Daimler de apoiar eventos ligados à moda em 60 países nos últimos 25 anos.

Mas nada disso adiantaria se a marca não oferecesse produtos adequados a um público mais jovem. Daí vieram modelos menores e mais adequados a clientes que até então nunca haviam adquirido um Mercedes-Benz, como os novos Classe A (com a sofisticada central multimídia MBUX com assistente pessoal) e CLA.

A iniciativa surtiu efeito: a fabricante afirma que um em cada quatro veículos vendidos em 2018 foi um modelo compacto. "Vamos continuar renovando sistematicamente nosso portfólio em 2019", declarou.

Dieter Zetsche em apresentação da Mercedes-Benz - Uli Deck/EFE - Uli Deck/EFE
Carisma nota 10: o "joinha" do CEO já virou tradição
Imagem: Uli Deck/EFE

Dieselgate abalou "era Zetsche"

O mandato de Dieter, porém, não teve só bons momentos. Assim como a Volkswagen, a Daimler foi descoberta em um esquema de fraude de testes de emissões de poluentes, popularmente conhecido como "Dieselgate". Resultado: além da reputação manchada, a empresa foi obrigada pelas autoridades alemãs a reparar 774 mil veículos em toda a Europa.

Zetsche também participou ativamente do processo de transição da Mercedes-Benz para a era dos veículos elétricos e compartilhados. O problema é que a empresa está longe da vanguarda em todas essas áreas.

Apenas no fim de 2018 é que a marca revelou seu primeiro modelo elétrico, o EQC, enquanto rivais como Audi, VW e até a Porsche já aceleram rumo ao futuro da eletricidade. Já o programa de carsharing chamado "Car2go" ainda não foi difundido em várias partes do mundo e só funciona em algumas cidades da Europa e EUA.

O último episódio negativo aconteceu no mês passado. Até então com produção confirmada para a Argentina, a Classe X não será mais fabricada em Córboba, onde seria feita ao lado das "irmãs" Nissan Frontier e Renault Alaskan (que também não deve ser fabricada por lá). A Daimler alega que a decisão surpreendente foi tomada pelas "particulares condições econômicas" do país.

Porém, discordâncias entre as partes (Nissan e Mercedes) teriam resultado na decisão. O cancelamento afetou principalmente os planos da Nissan na fábrica argentina, uma vez que 60% da capacidade produtiva era da Classe X, sendo que metade das 21 mil unidades produzidas seria destinada para o Brasil.

Apesar dos recentes problemas, o balanço do longo mandato de Zetsche é positivo. Até o fim do mês o alemão de 65 anos passará o bastão para Ola Kaellenius. Atual líder da área de pesquisa da Daimler, o sueco de 49 anos será o primeiro presidente não alemão da empresa. Mas engana-se quem pensa que o executivo do "bigodão" curtirá sua aposentadoria em alguma cidade do interior da Alemanha. O executivo deve assumir o comando do conselho administrativo em 2021, após merecidas férias de dois anos. Nada mais justo.