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"Motor Mercosul" não surge com Chevrolet Spin 2019: faltou ação do governo

Motor 1.8 4-cilindros deveria ter especificação "Mercosul", mas tropeçou na morosidade do governo - Murilo Góes/UOL
Motor 1.8 4-cilindros deveria ter especificação "Mercosul", mas tropeçou na morosidade do governo
Imagem: Murilo Góes/UOL

Fernando Miragaya; Eugênio Augusto Brito

Colaboração para o UOL, em Foz do Iguaçu (PR); do UOL, em São Paulo (SP)

07/07/2018 08h00

Solução de engenharia está pronta, mas falta acordo de regulação entre Planalto e demais países

Não basta assinar o "Rota 2030", é preciso de fato tecer políticas que viabilizem carros mais eficientes, mais seguros e modernos no Brasil -- seja com regulamentação local, seja com incentivo à troca por modelos mais econômicos (o mero incentivo à fabricação ou importação não se mostra tão eficiente), seja com acordos com outros mercados. E o Planalto ainda falha nestas medidas, como mostra a história que contaremos agora.

Em fevereiro de 2018, após anunciar mais de R$ 3 bilhões em investimentos no Brasil, a General Motors estava confiante de que seria a primeira fabricante automotiva a colocar um entregar um modelo capaz de rodar tanto no Brasil (ou seja, com motor flex, sendo movido a gasolina E27 e/ou etanol E95), quanto no restante do Mercosul, principalmente na Argentina (onde os motores são abastecidos com gasolina E10 (com mais ou menos 10% de etanol adicionado). A "mágica" estava na reprogramação da central eletrônica (para aceitar qualquer variação de combustível dentro dos intervalos mínimo e máximo de etanol) e em recalibragem mínima do motor em si (em alguns casos, nem isso). UOL Carros contou isso com exclusividade: o novo Spin seria o primeiro modelo com este motor. 

Não estava só: simultaneamente, a Volkswagen acreditava que também poderia ter solução semelhante.

Para ambas e para qualquer fabricante instalada no Mercosul, ter motores capazes de "ler" e aceitar qualquer uma das misturas de combustível disponíveis nos países significaria viver no melhor dos cenários: redução de custos de produção/aumento da lucratividade (uma só linha atendendo a diferentes clientes); redução dos gargalos de produção (não é preciso parar de fazer o carro com  motor do Brasil para fazer o carro com motor da Argentina); ampliação da oferta/ganho em escala, com uma linha produtiva servindo, com pouquíssimos ajustes tanto à venda local, quanto à exportação.

Tudo lindo. Só faltou combinar com o governo. Ou o nosso governo combinar com o de outros países: esta semana, a GM apresentou a linha 2019 do monovolume Chevrolet Spin sem fazer qualquer menção à atualização -- o "motor Mercosul". A Volkswagen, por sua vez, já havia calado há tempos sobre o assunto. Por quê?

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3 medidas em conjunto

UOL Carros foi atrás dos motivos para o silêncio da GM sobre o "motor Mercosul". Obtivemos resposta clara.

"Esse motor vem, mas talvez não agora, pois tem um trabalho não só de engenharia, mas com o governo [federal] sobre emissões", afirmou Marcelo Bertocchi, diretor da engenharia de produtos da GM.

De acordo com Bertocchi, "é preciso combinar diferentes especificações, diferentes regulações e diferentes emissões", num tripé de atuações no qual fabricantes, órgãos ambientais e o setor de relações internacionais do governo precisam, cada um, fazer sua parte. "A GM, assim como outros membros da indústria, está fazendo esforços nesse sentido junto aos governos", concluiu.

Segundo o engenheiro, a solução (do lado da fabricante) é simples, tem implantação rápida e não depende do lançamento de um novo motor, exatamente como apontamos na abertura deste texto. O que é complicado é a regulamentação ambiental e a vontade política, tanto que isso não aconteceu. 

Diferentes padrões

UOL Carros lembra que as diferenças entre carros que rodam no Brasil para os que rodam na Argentina e nos demais países do Mercosul não estão apenas na capacidade de consumir combustível mais ou menos puro.

A principal está no nível de poluição emitido: isso mexe não só com acordos internacionais, mas com regras sanitárias, ambientais e até econômicos, com padrões que perpassam diferentes níveis institucionais.

No Brasil, seguimos o padrão de emissões Proconve-7, que define níveis de emissões para diferentes veículos automotores e combustíveis. O padrão mais avançado do mundo (ou seja, que cobra menores emissões e consumo) é o Euro-6 (definido para União Europeia e países signatários). A Argentina tem padrão equivalente ao Euro-6. No Brasil, adoção de regimes semelhantes ao Euro-6 está em negociação, mas sem data clara para implementação (fala-se, mas sem certeza, em intervalo que vai de 2023 a 2026).

Traduzindo: embora o Brasil afirme que abastecer carros com etanol ou com gasolina contendo alguma mistura de etanol semelhante à atual melhore níveis de emissões, a Argentina segue um padrão geral mais "limpo" que o nosso. E a negociação para motores comuns passa pela equalização dessa diferença pelo governo.

Bertocchi confirma que a indústria automotiva nacional discute há tempos a "regulação única que atenda às emissões para ambos mercados", tanto com o governo do Brasil, quanto com o governo da Argentina.

No começo do ano, o presidente da GM para América do Sul, o argentino Carlos Zarlenga, já havia indicado "conversas em estado muito avançado". Pena que, na prática, nada ou muito pouco tenha mudado, mesmo com o "Rota 2030". 

Resta a ideia de que as discussões possam seguir e evoluir -- ainda que o período eleitoral no Brasil vá emperrar, de fato, qualquer negociação que envolva acordos políticos. Para a GM, como a solução de engenharia pronta, fica fácil aplicá-la a qualquer novo modelo. Se não foi com a Spin, pode ser com novidades da linha Onix, Cobalt e mesmo Cruze (que terá remodelação de meia vida lançada em breve e é fabricado na Argentina). Mas só se o governo quiser.

Viagem a convite da General Motors do Brasil