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Supercarros do futuro serão mais fortes, mais limpos... e sem ronco

Conceito "Mission E" virou Taycan: modelo chega em 2019 e traduz filosofia da Porsche para um futuro elétrico - Divulgação
Conceito "Mission E" virou Taycan: modelo chega em 2019 e traduz filosofia da Porsche para um futuro elétrico
Imagem: Divulgação

Vitor Matsubara

Do UOL, em São Paulo (SP)

28/06/2018 04h00

Fabricantes já sinalizam que vão usar motores elétricos nos carrões; e garantem que vai ser melhor (de alguma forma)

Foi-se o tempo em que carros elétricos eram modelos sem graça ou meros meios de transporte feitos por empresas pouco conhecidas. É cada vez maior o número de grandes fabricantes que se renderam (ou foram obrigadas a se render) ao poder da eletricidade.

Não é só por benevolência da indústria automotiva: várias nações já determinaram prazo de validade para os carros movidos a combustão. França e Reino Unido proibirão a venda de veículos novos a partir de 2040 --- mesmo ano em que a ECF (European Climate Foundation, organização fundada para discutir a redução dos níveis de emissões de poluentes na Europa) estima que os veículos novos movidos a gasolina ou diesel desapareçam completamente das garagens europeias, principalmente porque os carros elétricos se tornarão mais acessíveis.

Mais do que uma corrida para melhorar o ar do mundo -- e tirar um pouco o peso de ser vilã dos ombros da indústria de carros --, temos aqui também uma guerra comercial velada.

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Onde tudo começa (de verdade)

"Quem iniciou tudo foi a China, que desencadeou um programa de eletrificação gigante por conta da situação insustentável do ar poluído em suas grandes cidades. Só que tudo na China tem uma escala gigantesca e o desequilíbrio para a indústria global seria grande, se todos não seguissem para o mesmo lado. Isso ajudou governos e fabricantes europeus a chegarem a acordos sobre datas e metas de implantação de carros elétricos nos principais países", afirmou Johannes Roscheck, presidente da Audi do Brasil.

"Com as datas na mesa, podemos dizer que estamos prontos não apenas para o desafio do carro elétrico, mas com inúmeras soluções de carros limpos que se adequam a diferentes usos em diferentes mercados", complementa Roscheck.

Como a China estabeleceu o veto para 2030, outros países trataram de estabelecer seu próprios limites. Alemanha e Índia seguiram a mesma data da China. Já a Noruega se mostrou mais ambiciosa, estabelecendo o veto para 2025 -- uma meta plenamente factível considerando que mais da metade da frota norueguesa já é composta por automóveis elétricos.

Diante disso, muitas fabricantes preparam o lançamento de vários modelos elétricos para os próximos anos -- inclusive esportivos.

A BMW saiu na frente entre as gigantes da indústria com os modelos da submarca "i" (de i3 e i8), e já sinalizou que terá uma versão elétrica do X3 revelada na forma do conceito iX3, previsto para estrear em 2020. Movido por um motor elétrico de 273 cv, o veículo pode rodar até 400 km sem precisar recarregar as baterias. A fabricante afirma que bastam 30 minutos em um carregador rápido para atingir a carga completa.

Até lá, o segmento de SUVs elétricos realmente globais deve ter pelo menos dois representantes: o Jaguar I-Pace e o Audi e-tron SUV, primeiro modelo 100% elétrico a ser fabricado em série pela marca das quatro argolas. Movido por dois motores elétricos que entregam uma potência de 394 cv e 71 kgfm de torque, o I-Pace precisa de 4,8 segundos para acelerar de 0 a 100 km/h.

Já o e-tron SUV promete ter desempenho de esportivo: com três motores elétricos (um no eixo dianteiro e dois no traseiro), ele tem 435 cv e 81,6 kgfm. Chega aos 503 cv no modo Overboost, suficientes para fazê-lo ir de 0 a 100 km/h em 4,6 segundos, atingindo a velocidade final de 210 km/h.

Ambos prometem dar opção do consumidor para gerar um fluxo de oferta-demanda real, diferente que que ocorre com a linha instável da Tesla e de seu Model X.

A Porsche prepara a chegada do sedã Mission E a partir de 2020, e a Mercedes-Benz também trabalha para “eletrificar” sua linha de produtos até 2022, quando espera ter 10 novos modelos movidos a eletricidade.

“A empresa inteira está trabalhando em prol de um mesmo objetivo: oferecer um Porsche 100% elétrico que seja aprovado por nossos clientes e honre as tradições da marca”, afirmou Stefan Weckbach, vice-presidente de veículos elétricos da Porsche.

A Porsche, aliás, foi a primeira grande fabricante de esportivos a sinalizar que a eletricidade seria o futuro de seus carros. O Mission E Concept se tornou Porsche Taycan e chegará em 2019.

Aproveita as tecnologias desenvolvidas no 919 Hybrid (o protótipo tricampeão das 24h de Le Mans) nos dois motores síncronos de ímã permanente, que têm funcionamento parecido com as de um turbocompressor, transformando energia elétrica em tração sem gerar calor excessivo.

Segundo a Porsche, autonomia pode chega a 500 km, sendo que são necessários 15 minutos de recarga para rodar 400 km. E isso sem abrir mão da esportividade latente até no nome -- "Taycan" faz menção ao cavalo do emblema da marca de Stuttgart. São mais de 600 cv para fazê-lo partir do zero e chegar aos 100 km/h em 3,5 segundos, e aos 200 km/h em menos de 12 segundos. 

Das pistas para as ruas

A eletricidade também já provou ser uma importante aliada das fabricantes de superesportivos. Basta olhar os números de desempenho de McLaren P1 e LaFerrari.

Lançado em 2012, o P1 tem um motor 4.0 V8 biturbo de 737 cv e outro elétrico de 178 cv. Já a LaFerrari tem 963 cv somando a potência dos dois motores -- um 6.3 V12 de 800 cv e o restante vindo do motor elétrico, que não funciona de forma autônoma para impulsionar o carro.

Mesmo assim, uma das maiores virtudes dos motores elétricos está no torque instantâneo, enquanto os motores a combustão se prendem a uma faixa de rotação específica.

Assim como ocorre há décadas com os superesportivos movidos a combustão, o automobilismo é um precioso laboratório de novas tecnologias para os futuros carrões elétricos. Foi o que UOL Carros constatou após acompanhar a etapa uruguaia da Fórmula E.

"Nosso lema é 'correr para inovar', e trabalhamos constantemente para levar as tecnologias das pistas para as ruas. Vários componentes eletrônicos são exatamente os mesmos aplicados nos automóveis de passeio. Extraímos informações valiosas sobre duração das baterias, uso de componentes mais leves e controle da parte eletrônica dos carros. Todas essas informações podem ser aplicadas em veículos de rua, especialmente carros esportivos -- como um futuro F-Type", analisou James Barclay, diretor da equipe Jaguar Racing.

A durabilidade das baterias é uma das principais preocupações na Fórmula E. Os problemas não são tão distantes do que podemos ver nas ruas: além da autonomia limitada (cada piloto precisa trocar de veículo durante a prova por conta da duração das baterias, problema que será resolvido na próxima temporada, quando os componentes terão maior autonomia), a alta temperatura dos componentes causa dor de cabeça nas equipes.

"A Fórmula E é importante para Audi e Schaeffler desenvolverem tecnologias para veículos de rua. Uma das nossas maiores preocupações é a temperatura da bateria, já que toda a energia pode ser desperdiçada caso ela passe dos 60 graus. Precisamos estar sempre atentos ao clima e à temperatura dos componentes para evitar problemas, e acho que isso será um aprendizado e tanto para ser aplicado nos futuros carros esportivos da Audi", afirmou Roger Köhler, engenheiro da Audi Sport ABT Scheffler, atual vice campeã do Mundial de Construtores e time do atual campeão Lucas di Grassi.

Carro da Audi ABT Schaeffler na Fórmula E - Divulgação - Divulgação
Audi é uma das fabricantes com equipe oficial na Fórmula E
Imagem: Divulgação

Não é só a Fórmula E que serve de laboratório para moldar o esportivo do futuro. A Volkswagen usa as "credenciais" da Pikes  Peak  Hill  Climb, tradicional prova de subida de montanha realizada anualmente nos Estados Unidos, para assegurar que seus futuros modelos elétricos serão... chocantes, com o perdão de qualquer trocadilho.

Com o protótipo I.D.R Pikes Peak, a marca estraçalhou recordes e apresentou "o primeiro passo em uma colaboração mais próxima entre as divisões Volkswagen R e Volkswagen Motorsport".

"Queremos estar na vanguarda da eletromobilidade com a Volkswagen e a família I.D. Competir na mais famosa prova de subida de montanha do mundo com o I.D. R Pikes Peak não só tem significado simbólico, mas também é um teste valioso para o desenvolvimento de carros elétricos", explicou o membro do Board da Volkswagen responsável por Desenvolvimento, Frank Welsch.

Disposta a limpar sua barra após o escândalo dos motores a diesel, a VW é uma das marcas que mais apostam nos carros elétricos, programando-se para lançar mais de 20 modelos até 2025. O pontapé inicial acontecerá já no fim de 2019, quando as primeiras unidades da família I.D sairão da fábrica de Zwickau, na Alemanha.

Volkswagen I.D R Pikes Peak - Divulgação - Divulgação
I.D R Pikes Peak nasceu apenas para correr a prova de subida de montanha
Imagem: Divulgação

Prazer elétrico, até no 4x4

Além da possibilidade de rodar sem emitir poluentes (e solidificar uma imagem de socialmente preocupada com o meio ambiente), a propulsão elétrica seduz os fabricantes pelo comportamento mais intenso do que um motor a combustão. E isso pode ser interessante, veja só, até no ambiente 4x4.

"Um carro elétrico é muito mais linear e suave, entregando reações mais rápidas porque não há componentes mecânicos, apenas fios", afirmou Fabio  Maggion, supervisor de planejamento estratégico da Mitsubishi, que cita o exemplo do e-Evolution, conceito revelado no Salão de Tóquio de 2017 que antecipa um futuro crossover esportivo da marca.

"O e-Evolution é um estudo de esportivo de rua elétrico sem perder a identidade da Mitsubishi. Este conceito tem três motores elétricos, sendo dois deles instalados na parte traseira do carro. O sistema é muito mais robusto, e entrega muito mais torque a todo momento. Todo o funcionamento costuma ser automático, mas em carros de competição (e esportivos) pode haver ajustes específicos dependendo da necessidade e do piloto, como se fossem modos de condução pré-programados", explicou.

Mas essa inovação toda não mata o DNA desse tipo de veículo? Pelo visto, não, aposta a Mitsubishi: "Nossa marca é lembrada por desempenho, capacidade off-road e carros elétricos -- e queremos entregar tudo isso sem matar o prazer ao dirigir", declarou Maggion.

Mitsubishi e-Evolution - Divulgação - Divulgação
Mitsubishi e-Evolution: "Evo" do amanhã é um crossover com muita força, sem abrir mão dos preceiros 4x4
Imagem: Divulgação

Até tu, Ferrari?

Até quem se mostrava extremamente resistente parece ter se rendido aos encantos da eletricidade. Prova disso é que a Ferrari admitiu a possibilidade de lançar o primeiro superesportivo puramente elétrico de sua história nos próximos anos.

"Se existe a chance de termos um superesportivo elétrico rodando por aí, então a Ferrari será a primeira a construí-lo. As pessoas se impressionaram com a Tesla, mas, sem querer menosprezar o que Elon [Musk, fundador da Tesla] fez, acho que é uma ideia viável para todos nós", analisou Sergio Marchionne, CEO da marca italiana.

Horacio Pagani, fundador da empresa que leva seu sobrenome, já admitiu recentemente que é impossível ignorar os carros elétricos. O construtor revelou também que criará um departamento dentro da empresa para cuidar de futuros projetos de superesportivos elétricos -- que, assim como os modelos atuais da Pagani, aproveitarão motores fabricados pela Mercedes-Benz.

Até a Pininfarina, famosa por assinar alguns dos mais belos projetos da história da indústria automotiva, vai embarcar na ideia com o PF-Zero. O hiperesportivo será capaz de acelerar de 0 a 96 km/h em menos de dois segundos, precisando de meros 11 segundos para atingir os 300 km/h. Tudo isso com uma autonomia de 482 km.

Aparentemente ninguém quer ficar de fora da onda de "eletrificação" que tomará a indústria nos próximos anos. E vai ter, sim, superesportivos 100% elétricos.