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Marcas apostam em test drive e até em "comprador espião" para vender bem

Não basta vender carro: é preciso explicar todo o funcionamento quando o modelo é de luxo - Divulgação
Não basta vender carro: é preciso explicar todo o funcionamento quando o modelo é de luxo
Imagem: Divulgação

Eugênio Augusto Brito

Do UOL, em São Paulo (SP)

06/06/2018 04h00

Além do bom e velho "test drive", treinamento de rede e novas tecnologias explicam sucesso de Toyota e BMW

Toyota (entre marcas generalistas -- que vendem carros "comuns") e BMW (entre as marcas de carro de luxo) são as duas empresas com os clientes mais satisfeitos, quando o assunto é venda de automóveis zero-quilômetro no Brasil, segundo levantamento divulgado há uma semana. Mas por que essas duas fabricantes são melhores que outras no agrado ao comprador? UOL Carros indagou executivos e equipes das duas para descobrir. 

De cara, um ponto em comum para as marcas com melhor avaliação no ranking "Sales Satisfaction Index (SSI) StudySM Brasil 2018", da consultoria global J. D. Power: ambas aprenderam a valorizar o carro usado do comprador, que é envolvido na negociação pelo carro novo sem ter o valor "derrubado". Mais do que avaliar o usado, o importante é fazer isso de modo "profissional" e "transparente". 

Desse ponto em diante, cada uma aposta tem apostas diferentes e compatíveis com os respectivos segmentos de atuação. Mas ambas são regradas:

+ O atendimento não é algo aleatório, feito no feeling como muitos ainda supõem;

+ Há um manual interno que define como o ponto de venda deve proceder; 

+ A avaliação dos resultados é constante: tudo que dá certo vira procedimento, enquanto falhas são estudadas e corrigidas; 

+ Por fim, há um caráter de inovação, que diferencia estas marcas do restante do mercado.

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Etios ensinou Toyota a importância do teste

Segundo o estudo da J.D. Power Brasil, a Toyota é a marca que mais deixa o consumidor satisfeito desde o início do estudo há quatro anos -- nesta edição, a nota foi de 845 pontos de um total de 1.000 possíveis. A fabricante japonesa está sempre entre no topo desse ranking: foi líder também nos anos de 2014, 2015, e 2016. Em 2017, ficou em segundo lugar, atrás da Hyundai-Caoa, por pequena margem. Depois do "tropeço", melhorou 31 pontos na comparação do ano passado para este ano, sendo uma das marcas que mais evoluíram, segundo a consultoria.

É um resultado que pode não se traduzir em vendas absolutas (a Toyota é sexta no geral), mas que representa o quanto o comprador acredita ser bem tratado. E cliente satisfeito se mantém leal e ainda incentiva outras pessoas a experimentarem a marca.

Segundo o diretor de vendas Vladimir Calvo Centurião, é tudo "culpa" do Etios, que recebeu fortes críticas quanto a estilo, nível de equipamentos e acabamento no seu lançamento, em 2012. Isso ensinou a então vendedora de Corolla, RAV4 e Hilux -- todos modelos mais caros -- a "sair da zona de conforto".

Como? Prezando algo que parece óbvio, mas ainda representa um tropeço para muitas marcas: o test drive.  

"[O Etios] Não tinha visual atraente, o nível de equipamentos era menor, mas sabíamos que era forte na dirigibilidade, então a gente precisava colocar o comprador no teste", afirmou Centurião a UOL Carros. "Definimos uma rotina de test drive que acaba ressaltando os pontos fortes do carro. O comprador sai conhecendo o carro e sem dúvidas de que fará um bom negócio".

Segundo o executivo, a tal "rotina de test drive" indica que nada é feito de modo aleatório, de acordo com o humor do vendedor. Há treinamento forte e uma cartilha: teste para uso urbano, teste de estrada e até testes de reforço de tecnologias. Um carro com câmbio automático, por exemplo, precisa ter suas diferenças e vantagens para um carro com câmbio automático esclarecidas não no banco da loja, mas no banco do carro, na rua. 

De fato, as vendas do Etios melhoraram ano após ano. Mais: o Corolla é líder disparado na categoria, tanto no período quando tinha menos equipamentos que os rivais, quanto agora, com pacote similar (e alinhado com o que há de mais moderno no segmento).

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Usado não é avaliado "no olho"

Outro ponto-chave da boa avaliação do cliente, segundo a Toyota está no fato da marca ter um padrão para avaliar carros usados. Nada é feito no "olhômetro", segundo a opinião de um profissional qualquer. Pelo contrário: há um aplicativo que lista prós e contras do modelo ofertado para negociação e define o preço final de modo transparente.
Esse serviço foi apresentado pela Toyota no Salão do Automóvel de São Paulo de 2016 e está implantado nas mais de 200 concessionárias da marca desde então. Com o uso do aplicativo, o cliente não precisa acreditar na "palavra" do avaliador ou do vendedor: o programa informa claramente quais avarias desvalorizam o carro, o quanto elas "tiram" de seu valor de revenda e o quanto custa para repará-las e tentar melhorar o preço.

"Antes, o cliente vendia seu Corolla a outro cliente, porque sabia que era um carro bem valorizado no boca a boca. Hoje, ele sabe que terá o carro bem cotado na loja, com avaliação correta, uma vez que é transparente e eletrônica. E isso facilita a negociação por outro modelo", apontou Centurião. 

Conheça "Mr. Shopper" e "Product Genius"

Uso da tecnologia, treinamento constante de vendedores, verificação periódica sobre o aprendizado da equipe, além de uma maior valorização do carro usado do comprador, que entra como parte da negociação, também são ferramentas empregadas pela BMW, a mais bem avaliada entre as marcas de luxo (818 pontos dos 1.000 possíveis).

Assim como a Toyota, a alemã BMW não foi a marca premium que mais vendeu na última temporada (ficou atrás da Mercedes-Benz, que curiosamente foi a última das cinco avaliadas), mas é sempre uma marca muito lembrada quando o assunto é "carro de luxo", potente e com tecnologia de ponta. Tudo vem da satisfação dos clientes, segundo a empresa.

"O principal foco do BMW Group e suas marcas BMW, MINI e BMW Motorrad é a satisfação do cliente e, sendo assim, é uma honra sermos reconhecidos como a empresa que melhor satisfaz os seus clientes no Brasil", declarou Helder Boavida, chefão do grupo para o Brasil.

Além do test drive e da negociação, o estudo da J. D. Power compreende a experiência do processo de compra quanto à estrutura da concessionária, ao processo de entrega e à ação do vendedor. E é nessas duas últimas características que a BMW centra seus esforços.

Segundo fontes ligadas à BMW, uma figura fundamental para manter alto o nível de atendimento da equipe de loja é o "Mr. Shopper". Esse nome em inglês esconde uma figura que age como se fosse um "comprador espião" da BMW-fábrica: ele é contratado pela fabricante para ir à loja da BMW e se passar por um comprador interessado. O vendedor não sabe, mas ao atender àquele cliente está, de fato, sendo avaliado.

Depois, o "Mr. Shopper" terá de preencher relatórios detalhados sobre a "experiência de compra". Com a tabulação desses relatórios feitos por dezenas de "compradores espiões" Brasil afora, a marca sabe se seu treinamento está dando certo ou se algo precisa ser revisto.

Se o "Mr. Shopper" é externo às concessionárias, há também uma avaliação feita internamente, por cada equipe das concessionárias, uma espécie de contra-prova do treinamento. 

Outra figura com nome gringo que ajuda a marca a atender bem ao cliente é o "Product Genius", um especialista na tecnologia dos carros da BMW, que vai ensinar o potencial comprador a usar cada um dos muitos recursos -- do câmbio de oito marchas aos sistemas semi-autônomos, passando por faróis de laser e até mesmo pelo pareamento do celular com o sistema multimídia.

"Ele não é um vendedor, não vai concretizar a entrega de um carro da BMW, mas está na loja para explicar tecnicamente tudo o que existe no carro", explicou o gerente de comunicação, João Veloso Jr, a UOL Carros.

Ainda não é uma figura onipresente nas lojas. Por ora, apenas as principais revendas da BMW contam com um "Product Genius", mas a ideia é ampliar o corpo de especialistas, já que os carros têm cada vez mais recursos. Cabe ao especialista identificar o cliente na loja e abordá-lo para sanar qualquer dúvida que tenha sobre os equipamentos. Depois disso, entrega um possível comprador mais esclarecido -- e convencido a assinar o cheque -- ao vendedor. 

Com isso, a BMW se coloca na elite do processo de venda global. Segundo a J. D. Power, de 83% a quase 90% das vendas de marcas "premium" ocorrem graças ao diferencial do atendimento: o cliente sai da loja não só com o carro na mão, mas com o agendamento da primeira revisão feito e o celular pareado. 

"O ponto mais interessante dessa pesquisa, acredita a BMW, é que o retorno do comprador aparece de forma espontânea", afirmou Veloso Jr.

Como disse Fabio Braga, diretor de operações da J.D. Power, a crise fez as marcas aprenderem, às vezes na marra, a deixar o consumidor mais satisfeito. "O mercado brasileiro vem evoluindo, boa parte por conta do esforço das concessionárias para melhorar o atendimento, em conjunto com as montadoras".