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Renault e Nissan juntas? Ideia é ser líder de elétricos e compartilhados

Carlos Ghosn, ex-chefão da Renault-Nissan, atualmente no topo do conselho, pode voltar como líder da nova empresa - Divulgação
Carlos Ghosn, ex-chefão da Renault-Nissan, atualmente no topo do conselho, pode voltar como líder da nova empresa
Imagem: Divulgação

Eugênio Augusto Brito

Do UOL, em São Paulo (SP)

29/03/2018 13h45Atualizada em 30/03/2018 15h17

Marcas vão unir estratégia para encarar Volkswagen, Toyota e um futuro com menos carros vendidos

ATUALIZADO COM POSICIONAMENTO OFICIAL DA RENAULT DO BRASIL E MAIS DETALHES DO ACORDO

Notícia que abala o noticiário econômico-automotivo na Europa e no Japão, nesta quinta-feira (29), diz respeito à proposta de fusão entre a francesa Renault e a japonesa Nissan. "Mas já não é assim?", você pode estar pensando. Calma: elas são parceiras em aliança global há dez anos, mas a nova ideia é juntar as estruturas das duas marcas principais (bem como das dez marcas do grupo) em uma só, economizando recursos, "acelerando a sinergia no uso de plataformas, motores, engenharias e tecnologias comuns" para enfrentar os desafios futuros, apontam fontes ligadas à marca ouvidas por UOL Carros

Oficialmente, porém, as marcas se recusam a "comentar rumores ou especulações". 

Agências como "Bloomberg", quem primeiro noticiou a possibilidade da fusão, e "Reuters" apontam que a atual aliança acabaria, dando lugar a uma única marca global, mas fontes internas à aliança apontam a UOL Carros que isso não é interessante do ponto de vista de produtos (cada carro tem sua força por ser daquela marca específica, não valendo a pena ter um único rótulo), de marketing (cada marca fala de um jeito a um público específico) e de design (cada marca tem a sua identidade). 

Assim, Renault, Nissan, Mitsubishi, Samsung Automóveis, Avtovaz/Lada, Dacia, Infiniti, Datsun e Alpine seguirão usando seus próprios nomes nos mercados onde são fortes, mas a estrutura financeira e cadeia de comando serão unificadas para valer -- espera-se que o brasileiro Carlos Ghosn seja o chefão do grupo automotivo.

Objetivo é encarar com força adequada as gigantes Volkswagen e Toyota, líderes globais em vendas de carros, e ainda ter fôlego para liderar o cenário de carros elétricos (forte da Renault europeia) e de veículos conectados e compartilhados (chave, no qual muita gente vai usar, mas poucos vão comprar automóveis.

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E o Brasil com isso?

Ainda é cedo para saber o que qualquer notícia deste tipo significa para o Brasil. Por aqui, a marca mais avançada em termos de distribuição e planejamento é a Renault, que tem 7%¨de participação e, inclusive, amplo plano de consolidação do mercado em andamento. Esse plano de ação visa ocupar uma das primeiras posições, com linha de motores nacionais avançados, reforço da gama de SUVs, principalmente, ainda que também contemple modelos para segmentos inéditos, como o de picapes. A Nissan, por sua vez, detém 4% do mercado, já contabilizando um crescimento acelerado nos últimos três anos. 

De fato, a sinergia profunda já é vista quando se olha, por exemplo, para a base de lançamentos: a futura picape Alaskan, que é um projeto compartilhado entre Nissan (Frontier) e Mercedes-Benz (Classe X). Juntas, as marcas teriam portfólio e base de vendas para incomodar as quatro grandes marcas e até brigar pelo pódio. Isso vai se intensificar no futuro.

Haverá uma mesma engenharia, o que significa plataformas comuns (como a Volkswagen tem a MQB e a Toyota tem a TNGA), motorizações comuns e projetos comuns. Isso desmistifica, por exemplo, rumores de que a marca Datsun poderia chegar ao Brasil, ou de que a Lada poderia voltar. Na prática, o que pode acontecer é ver projetos populares dessas duas marcas sendo vendidos aqui, se for interessante, com marcas fortes por aqui, como Renault e Nissan. Ou então ver projetos híbridos/elétricos saindo tanto com a marca Renault, como com o escudo da Nissan ou o diamante da Mitsubishi.

Recentemente, a francesa PSA (Peugeot-Citröen, que também é dona da Opel na Europa) ampliou para a América do Sul a ação de centralização do comando das marcas existente na Europa. Assim, tanto Peugeot, quanto Citroën têm presidentes e cadeia de comando em comum, ainda que as marcas em si não sejam uma só. Mas, segundo fontes ligadas a Renault e Nissan, isso não interessa ao contexto local das marcas.

De onde vem a ideia de juntar tudo 

Desde 1999, a Renault tem 43% da Nissan, quando houve a tomada de controle para reorganização da marca japonesa. Desde 2003, quando foi fundada a Aliança Renault-Nissan, a Nissan passou a deter 15% das ações da Renault, também. A Aliança em si, porém, tem controle comum, com cada uma das duas grandes empresas tendo 50% da força e das decisões. Acontece que a aliança nunca foi muito ativa em termos de projetos e modelos: cada marca tinha ampla liberdade de ação e poucas obrigações para o grupo.

Tanto é assim que a Renault fazia seus movimentos (como ser dona da Dacia, da Samsung e da Lada), enquanto a Nissan também ficava atenta ao seu lado do mercado (Infiniti, a popular Datsun e, recentemente, a Mitsubishi são de sua responsabilidade).

Desde 2016 isso começou a mudar e eclode neste momento: com o controle de 34% da Mitsubishi e a possibilidade de incorporá-la no balanço de vendas, as marcas do grupo perceberam que podem lutar pela liderança global. Mas, para isso, é preciso ser inteligente: unir forças de verdade, ter projetos globais de fato e parar de gastar dinheiro com pesquisas paralelas. 

"Para enfrentar os desafios futuros é preciso ser grande, não importando muito a liderança, mas sim o perfil de liderança, tendo escala de produtos, poder de investimento e potencial de crescimento", apontou fonte ligada às marcas à nossa reportagem.

Se, atualmente, a Renault é forte em design e projetos elétricos, enquanto Dacia, Lada e Datsun fazem modelos populares, a Nissan foca em modelos mais conectados e com visual instigante e a Mitsubishi é forte no motorsport e em utilitários 4x4, o futuro terá projetos únicos espalhados por diferentes marcas, ainda que cada uma mantenha sua faceta pública.

Juntas, Renault e Nissan esperam vender 14 milhões de automóveis até 2022, contra 10,6 milhões no ano passado -- o grupo já conta vendas da Mitsubishi para se colocar como líder global de vendas, ainda que essa contabilidade só vá fazer sentido a partir de abril. 

Na prática, a liderança ainda é do Grupo Volkswagen: entregou 10,7 milhões de veículos em 2017 -- as vendas atualizadas de 2018 podem ser vistas ao final do texto. 

Estar tão perto do líder é interessante, mas em um mundo onde o total de vendas pode cair, é ainda mais interessante ter condições de liderar e esse é o foco de um novo grupo unificando as forças. As empresas poderiam dobrar sua margem operacional, indo a US$ 10 bilhões de euros (R$ 40 bilhões) até 2022

Afastado da presidência ativa das marcas, o executivo brasileiro Carlos Ghosn ainda é o chefe do conselho administrativo da Aliança Renault-Nissan e estaria conduzindo pessoalmente as negociações. Tido como centralizador e ainda uma figura extremamente influente na indústria automotiva global, aos 64 anos, Ghosn poderia ser o nome para presidir a nova marca.

Sede seria dividida entre Japão e França, mantendo as estruturas de controle das duas empresas. Outra opção seria basear a empresa na Inglaterra ou na Holanda -- fontes indicaram a UOL Carros que a Holanda é o destino preferido. É onde está a sede corporativa da FCA (Fiat-Chrysler), por exemplo, ainda que as estruturas de comando fiquem na Itália e nos EUA.

Tanto o governo da França, quanto o governo do Japão, podem atrapalhar e até brecar totalmente a negociação, se avaliarem que isso pode ser prejudicial para as economias nacionais. O governo francês ainda possui 15% de ações da Renault e, segundo as agências, estaria relutante em abrir mão de sua participação.

Elétricos e compartilhados

Atualmente, a Renault tem planos ambiciosos em termos de carros elétricos e unificação de plataformas, ao passo em que a Nissan se vira melhor em modelos utilitários (SUVs e picapes) e aponta ao futuro com importantes desenvolvimentos de carros autônomos, tendo campo de pesquisa no Vale do Silício, além de parcerias com Microsoft e com a Nasa.

Com a junção, ambas podem focar no desenvolvimento de carros elétricos e na plataforma de carros conectados e compartilhados. E combater os maiores grupos do mundo em busca de vendas que podem se tornar cada vez mais raras.

Atualmente, os maiores grupos-alianças automotivas, considerando vendas em 2018 (e listando só as principais marcas), são:

1. Volkswagen (VW Carros, VW Caminhões, Audi, Skoda, Seat, Lamborghini, Bugatti, Bentley, Porsche, Scania, MAN e Ducati: 960.483 unidades vendidas no mundo; 

2. Renault-Nissan (Renault, Nissan, Samsung Automóveis, Avtovaz/Lada, Dacia, Infiniti, Datsun, Alpine e Mitsubishi): 813.571; 

3. Toyota (Toyota, Lexus, Daihatsu): 809.903; 

4. General Motors (Chevrolet, GMC, Buick, Cadillac, Holden, Baojun, FAW, Wuling): 538 mil;  

5. Hyundai (Hyundai, Kia): 533 mil; 

6. Ford (Ford, Lincoln): 433 mil;

7. Honda (Honda, Honda Motos, Acura): 420 mil; 

8. PSA (Peugeot, Citroën, DS, Opel, Vauxhall, Dongfeng): 354 mil;

9. FCA (Fiat, Chrysler, Jeep, Dodge, Ram, Mopar, Alfa Romeo, Abarth, Lancia, Maserati -- não inclui a Ferrari): 342 mil;

10. Suzuki (Suzuki, Suzuki Motos, Maruti): 262 mil. 

A fonte dos dados acima é a consultoria Focus2Move.