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Dono de carro com airbag fatal pode processar marcas? Especialistas opinam

Componentes de airbag da Takata mostrados durante audiência no Senado dos EUA, em 2015 - J. Scott Applewhite/AP
Componentes de airbag da Takata mostrados durante audiência no Senado dos EUA, em 2015
Imagem: J. Scott Applewhite/AP

Alessandro Reis

Colaboração para o UOL, em São Paulo (SP)

28/03/2018 04h00

Brasil tem 3,5 milhões de casos, boa parte sem solução; omissão e demora já levou a processos administrativos

Nos últimos dois dias, UOL Carros noticiou que o caso dos airbags defeituosos da japonesa Takata já afeta quase 3,5 milhões de carros vendidos no Brasil. No último ano, surgiram 900 mil novas ocorrências, no trimestre foram 100 mil novos casos e só na última semana, duas novas convocações. Também apontamos que o Ministério da Justiça, via Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), tem nove processos ativos contra montadoras por omissão ou demora na condução dos reparos. Mas será que o consumidor que se sentir lesado em alguma medida pode pedir reparações na Justiça por conta?

Apesar da demora na convocação dos carros para reparo e dos processos administrativos já existentes aqui no Brasil, os especialistas divergem. Associações de defesa do consumidor acreditam que há condições para processo individuais. Advogado consultado por UOL Carros, porém, é mais realista e aponta: o Código de Defesa do Consumidor dá condições, mas isso não significa vitória no processo.

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Demora pode estimular processo?

Nos Estados Unidos, a Justiça local tem aceitado processos de donos de carros e garantido indenizações. Por lá, diversos consumidores defendem em suas ações que as fabricantes de carros sabiam dos defeitos nas peças da Takata, mas continuavam usando os componentes. Acordos bilionários já foram fechados em processos contra Honda, Toyota, BMW, Nissan, Mazda e Subaru -- a Ford tem processo pendente. Já a Takata foi obrigada a pedir concordata e pagar mais de US$ 1 bilhão. 

Pelo menos 22 mortes -- bem como centenas de feridos -- estão ligadas diretamente aos defeitos de insufladores de airbags da Takata, em todo o mundo. As peças podem explodir e lançar estilhaços metálicos contra os ocupantes. Nenhum caso de ferimento ou morte, porém, foi apontado no Brasil até hoje.

Apenas no primeiro trimestre deste ano já foram anunciadas três campanhas do tipo, envolvendo quase 100 mil veículos de quatro marcas diferentes. Os mais recentes, por exemplo, envolvem 2.316 unidades da picape Ford Ranger fabricada entre 2005 e 2006, portanto produzida há 13 anos, e com defeito comunicado apenas agora. O reparo, nesse caso, somente estará disponível a partir de maio -- a Ford recomenda levar os veículos à concessionária para desativar os airbags defeituosos até o reparo definitivo.

Em 2015, UOL Carros já tinha relatado que este tem sido o procedimento padrão no caso dos carros afetados pelo defeito da Takata. Na última semana, por exemplo, um dos nossos leitores, identificado como Alexandre, apontou que o quadro segue semelhante em seu comentário: "Concessionárias da Toyota em Brasília-DF desativavam o airbag e colocavam o adesivo que avisava do não funcionamento do equipamento de segurança, não tinham sequer a peça para troca ou reposição".E a espera por peças pode levar seis meses.

Essa demora na comunicação de um problema grave, associada à indisponibilidade imediata de peças para proceder com o reparo, são considerados motivos suficientes para os clientes buscarem ressarcimento na Justiça por danos morais e materiais, na opinião de alguns especialistas ouvidos pela reportagem.

"O Código de Defesa do Consumidor estabelece que a fabricante não pode colocar no mercado produtos e serviços dos quais tem ciência da periculosidade. Essa situação se agrava com o fato desses veículos com airbags da Takata estarem circulando há muito tempo, com risco de morte", avalia Livia Coelho, advogada e representante da Proteste, órgão independente de defesa do consumidor.

Para a especialista, o próprio recall já justificaria o ingresso de uma ação contra as fabricantes do veículo e do airbag problemático. "Mesmo atendendo os prazos determinados para a realização do reparo, o consumidor precisa se deslocar até a concessionária, muitas vezes tendo de deixar o veículo na oficina. Isso tudo deve ser levado em conta para o cálculo de prejuízo material. Isso sem mencionar eventuais demoras em disponibilizar peças para o conserto e a possível desvalorização do automóvel por conta do problema", completa a advogada.

Livia Coelho também destaca que o consumidor pode também processar as empresas por danos morais, pela exposição ao risco de ferimentos graves e até morte: "A demora em realizar a campanha preventiva é um agravante a ser levado em consideração, considerando o potencial de risco, para o cálculo de uma indenização".

O próprio recall é prova?

Segundo o Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), o consumidor que se sentir desatendido ou encontrar algum problema na realização do recall pode protocolar denúncia junto ao DPC (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor), ao Procon ou ao Ministério Público cobrando providências.

O órgão também aponta que "caso o defeito apontado tenha gerado um acidente, o consumidor pode solicitar, na Justiça, reparação por danos morais e patrimoniais sofridos".

Não é preciso que o dono do carro envolvido no recall da Takata comprove que seu veículo esteja com airbags degradados -- cabe à montadora fazer isso e o próprio anúncio do recall poderia ser entendido como prova, entendem alguns profissionais. 

"A montadora e a fornecedora do equipamento não têm como se isentar do problema. As empresas têm responsabilidade objetiva, assumem o risco inerente da sua atividade, que no caso é fabricar veículos", destaca Vinícius Zwarg, especialista em Direito do Consumidor e sócio do escritório Emerenciano, Baggio e Associados e que também foi diretor do Procon-SP.

"O consumidor não tem de provar que o defeito existe, esse ônus é da fabricante", afirma Zwarg.

Esta disposto a abrir processo?

- Como começar: reúna comunicado do recall, CPF e documento do veículo e procure a orientação de um advogado ou órgão de defesa do consumidor, como Procon, Proteste e Idec. Essas entidades podem intermediar a tentativa de um acordo extrajudicial com a montadora e a Takata, fornecedora do airbag, e até auxiliar a montar uma ação judicial, caso o acordo não tenha êxito.

Vale destacar que esses órgãos não podem ingressar com a ação individual propriamente dita, isso tem de ser feito pelo próprio cidadão. Mas Procon, Porteste, Idec e Ministério Público podem abrir ação civil pública, de caráter coletivo.

- O que pedir: de acordo com o advogado Vinícius Zwarg, especialista em Direito do Consumidor e sócio do escritório Emerenciano, Baggio e Associados, o simples fato de a fabricante colocar em risco a saúde do cliente gera dever de indenização por danos morais e materiais, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. O cálculo do pedido de indenização varia de caso a caso e requer o auxílio de um advogado. Caso o cidadão tenha sofrido alguma lesão por conta da falha no airbag, o valor a ser requisitado aumenta.

Se o pedido de indenização for de até 20 salários mínimos (atualmente, algo como R$ 18.740), a ação pode ser aberta no Juizado Especial, que dispensa a necessidade de pagar um advogado, tampouco os custos processuais. De 21 a 40 salários (até R$ 37.480), já é necessário contratar um advogado, ainda que também não seja preciso arcar com os custos do processo, apenas os honorários do profissional. Se o cidadão perder a ação e recorrer, aí terá de pagar as taxas processuais.

No entanto, o advogado Zwarg recomenda ingressar diretamente na Justiça comum porque nessa esfera é possível apresentar provas, como laudo técnico do veículo, que possam deixar mais robusta a demanda. "O ideal é contratar um especialista para fazer um laudo técnico preliminar no veículo e também para responder questionamentos em juízo", diz o especialista, ressaltando que, mesmo que o Código de Defesa do Consumidor preveja o direito à indenização, isso não é garantia de ganho de causa.

- Quanto custa: não é possível aferir valor antecipado dos gastos, mas dá para adiantar que apenas a abertura do processo na Justiça comum já exige pagar 1% do valor reivindicado como indenização, sem contar outros gastos referentes ao processo. Somam-se a isso os gastos com laudos técnicos e o pagamento de honorários advocatícios, que podem representar de 20% a 30% do valor da ação.

- Quanto tempo leva: segundo Vinícius Zwarg, um processo com laudos periciais leva de quatro a cinco anos até ter sua sentença divulgada. O prazo pode variar de caso a caso.

- E se perder: é bom lembrar que, se o cidadão tiver a ação indeferida (traduzindo, se perder a ação), após esgotados os recursos, terá de arcar com todos os custos do processo da parte vencedora, inclusive gastos com advogado, além de ter de arcar com indenização de até 20% do valor que foi pedido.