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Por que dá tranco? Veja essa e outras verdades sobre o câmbio automatizado

Comandos do câmbio automatizado GSR-Comfort, da Fiat, são os mesmos do Dualogic Plus do Uno: por botões - Divulgação
Comandos do câmbio automatizado GSR-Comfort, da Fiat, são os mesmos do Dualogic Plus do Uno: por botões Imagem: Divulgação

Alessandro Reis

Colaboração para o UOL

27/04/2017 04h00

Má-fama e comparação errada com sistema automático convencional destruíram chance de sucesso da caixa automatizada no Brasil

Você é dono de um carro com câmbio automatizado de embreagem simples? Se for, provavelmente vai dizer que comprou o veículo com esse sistema de transmissão seduzido pelo preço mais acessível.

Mas também, certamente, vai relatar que o câmbio automatizado está longe de entregar a suavidade de uso de um automático de verdade, com eventuais hesitações nas passagens de marchas e uma demora mais que desejável nas trocas. Ainda assim, dirá que, após um período de adaptação, ele dá conta do recado e cumpre bem o papel de trazer mais conforto e folga ao pé esquerdo no dia a dia.

Tudo isso admitindo que, da próxima vez, se o orçamento permitir, você irá comprar um veículo com câmbio automático convencional. Não é mesmo?

Você está certo!

Este foi exatamente o relato concedido a UOL Carros pelo captador de recursos Roberto Patressi, de 30 anos, dono de um Fiat Bravo Dualogic 2013/2014, adquirido seminovo em 2015, quando tinha cerca de 10 mil km rodados. "Foi meu primeiro automatizado, nunca tive carro automático. Não teve motivo especial para comprar com essa transmissão, foi mais pelo preço e pelo bom estado. Comprei apesar de ter ouvido falarem mal do câmbio, dizendo que dava problema. Quanto à manutenção, não tive surpresa desagradável até agora, com 60 mil km", conta.

Para ele, o que mais incomoda é a "indecisão" do câmbio em determinadas situações. "Em ultrapassagens, às vezes ele sobe a marcha quando preciso de aceleração. No trânsito, ele também reduz sem necessidade ou demora para trocar, ficando muitas vezes acelerado sem necessidade", avisa.

Para compensar, Patressi diz que, em situações como essa, compensa as "bobeadas" da transmissão fazendo trocas manualmente, por meio da alavanca (seu Bravo não tem borboletas atrás do volante), ou, no modo automático, dá uma "aliviada" no acelerador para torná-las mais suaves. "Já estou adaptado, mas meu próximo carro será um automático", garante.

Chevrolet Onix Activ Câmbio automático - Murilo Góes/UOL - Murilo Góes/UOL
Chevrolet foi uma das marcas que trocou câmbio automatizado por caixas automáticas convencionais
Imagem: Murilo Góes/UOL

Tecnologia vem evoluindo

O relato acima é um sinal de como está a situação dos carros automatizados no Brasil. É verdade que a tecnologia, que estreou no país em 2007 com o Chevrolet Meriva como uma opção mais simples e acessível ao câmbio automático, ainda tem mercado no Brasil, onde mais de dez modelos de diferentes marcas têm esse tipo de transmissão disponível. Só que cada vez mais o automatizado fica restrito a modelos de entrada nas fabricantes nas quais ele resiste -- hoje, considerando apenas os de embreagem simples, são três: Fiat (Dualogic/GSR), Volkswagen (I-Motion) e Renault (Easy R).

O preço mais acessível segue sendo o maior apelo. Para equipar um Volkswagen up! com essa transmissão, por exemplo, é preciso gastar cerca de R$ 2,4 mil, enquanto um câmbio CVT no Nissan March sai pelo dobro desse valor.

Algumas fabricantes, como a pioneira Chevrolet, desistiram dessa tecnologia e hoje oferecem transmissão automática, com conversor de torque, desde seu modelo mais barato (o campeão de vendas Onix) até mais sofisticados, como o Cruze.

Em breve, a Fiat deve restringir o automatizado Dualogic, rebatizado como GSR, aos compactos Mobi e Uno. No caso da Volks, a nova geração do Polo, que chega nos próximos meses, pode seguir o mesmo caminho.

Marcas como Hyundai e Toyota não apostaram no automatizado e oferecem câmbio automático mesmo nos seus modelos mais acessíveis, caso do HB20 na primeira e do Etios na segunda. Para ficar só nos compactos, Nissan, com o já citado March e Versa, e Honda, com City e Fit, se renderam ao CVT, uma relação que não tem marchas, sobretudo pela economia de combustível que ele proporciona.

Nissan Versa Xtronic CVT - Divulgação - Divulgação
A Nissan optou por equipar os compactos March e Versa com câmbio CVT (sem relação de marchas)
Imagem: Divulgação

Fama ruim

Fato é que os automatizados de embreagem simples, ainda bastante populares na Europa (lá eles equipam modelos de marcas variadas, como Opel e Renault), no Brasil não têm das melhores imagens -- nos EUA, eles também não engrenaram.

Mas é uma tecnologia em constante evolução, independentemente da marca. O sistema vive sendo recalibrado para ter operação mais suave e funções mais parecidas com a de câmbios automáticos, como o modo "creeping" -- que faz o carro se mover suavemente ao tirar o pé do freio --, mas ainda não chegou perto do "original". Também pesa contra o histórico de defeitos, a falta de conhecimento técnico das concessionárias e reclamações de clientes que, inclusive, motivaram recalls e contribuíram para esta má fama, por vezes até exagerada, diga-se.

Parte da culpa também veio da maneira como algumas montadoras "venderam" esse tipo de câmbio, usando nas suas propagandas e nos showrooms a palavra "automático", confundindo o consumidor.

O que ele é, afinal?

Por isso mesmo, cabe entender como um automatizado funciona e saber suas diferenças para um realmente automático. Eles nunca serão iguais e isso é básico e precisa ser compreendido. Na verdade, ele é um câmbio manual, em que braços robotizados, chamados de atuadores, fazem a passagem das marchas e acionam a embreagem -- resumidamente, como se robôs pisassem no pedal de embreagem para o motorista.

Tudo é gerenciado por uma central eletrônica, encarregada de decidir a hora ideal das trocas. Enquanto o automatizado, como o manual, utiliza uma embreagem para transferir o torque do motor para o câmbio e depois para as rodas, o automático utiliza o tal conversor de torque para cumprir esse papel -- neste caso, trata-se de um sistema hidráulico que funciona como um "amortecedor" da transferência da força do motor para a transmissão, daí a (muito) maior suavidade no funcionamento.

"Uma desvantagem do automatizado é que ele é mais lento para trocar as marchas e isso afeta o conforto. Não é como dirigir um automático, no qual você se preocupa apenas em acelerar e frear. É necessário um período de adaptação", explica Claudio Castro, engenheiro da Schaeffler do Brasil e membro da comissão técnica de transmissões da SAE Brasil.

E o de dupla embreagem?

Até agora falamos de transmissão automatizada de embreagem simples. Também existem os automatizados de dupla embreagem, que são diferentes, mais ágeis e complexos, com suas vantagens e também defeitos.

Esse tipo de câmbio utiliza os tais atuadores para trocas, mas a principal diferença é que ele, literalmente, conta com dois sistemas de embreagens -- uma para as marchas pares e outra para as ímpares. Na prática, é como se houvesse duas transmissões operando em paralelo, cada uma com sua embreagem própria, e a grande vantagem são as passagens de marcha muito rápidas, além do baixo peso e da economia de combustível. Diferentemente do automatizado simples, o de dupla embreagem é mais caro, por vezes custando o mesmo ou até mais que um automático convencional.

O automatizado com duas embreagens costuma equipar carros esportivos de alto desempenho, como o PDK da Porsche, mas também modelos intermediários, como o Volkswagen Jetta 2.0 TSI. A Ford inovou ao introduzir essa tecnologia em 2012 em modelos mais acessíveis, a começar pelo EcoSport e depois pelo Fiesta, estendendo a oferta para carros maiores, como Focus.

Chamada de Powershift, com seis marchas, essa caixa tinha tudo para ser um sucesso, mas acabou gerando muita dor de cabeça por conta de problemas como travamentos, trepidações, ruídos e superaquecimento, especialmente em veículos com motor 1.6 -- o caso foi tão grave e afetou tantas pessoas que motivou um pedido de esclarecimentos do Procon e uma espécie de recall informal da marca para resolver problemas no módulo de controle da transmissão, substituído em garantia, e de infiltração de óleo da transmissão em uma das embreagens. Dependendo do caso, a garantia do câmbio foi ampliada dos três anos para até dez anos. Na época, a fabricante explicou que não faria recall porque os defeitos não colocavam os ocupantes em risco...

Engenheiro mecânico Thiago Secco, de 30 anos, passou perrengue com seu Fiesta 1.6 Titanium Powershift, adquirido zero-quilômetro em junho de 2013 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Engenheiro mecânico Thiago Secco, de 30 anos, passou perrengue com seu Fiesta 1.6 Titanium Powershift, adquirido zero-quilômetro em junho de 2013
Imagem: Arquivo pessoal

Power... o quê?

O barulho foi literalmente tão grande que a Ford deixou de anunciar esse câmbio como Powershift, referindo-se a ele simplesmente (e erroneamente) como automático sequencial. No próximo EcoSport, por exemplo, ela irá substituí-lo por um automático propriamente dito, com conversor de torque -- ao menos em outros mercados, como o norte-americano, o suvinho repaginado vai abandonar o antigo sistema de transmissão.

O polêmico Powershift, que popularmente ganhou o apelido de "Powershit", é um automatizado com embreagens secas, enquanto também existem no mercado opções com embreagens banhadas a óleo, mais eficientes.

O engenheiro mecânico Thiago Secco, 30 anos, enfrentou um perrengue com seu Fiesta 1.6 Powershift, comprado zero-quilômetro em junho de 2013. "As primeiras impressões do carro foram excelentes. Um ano depois da compra, o câmbio começou a trepidar em baixas velocidades", revelou.

Na garantia, ele levou o carro para a concessionária. "Passaram-se alguns dias e o pessoal não retornava com uma posição sobre o que estava errado, e quando eu ligava me falavam que entrariam em contato assim que tivessem algo. Até que, por fim, após uma semana, me informaram que seria necessário trocar o câmbio e já haviam feito a encomenda com a fábrica", relatou Secco.

Ford EcoSport 1.6 Freestyle Powershift 2016 - Divulgação - Divulgação
Câmbio Powershift da Ford ganhou popularmente o apelido de "Powershit"
Imagem: Divulgação

Com isso, o hatch ficou cerca de um mês parado na oficina até ficar pronto, inicialmente com tudo funcionando a contento e sem os problemas de trepidação. Só que, de acordo com o cliente, o problema voltou a se manifestar após cerca de oito meses. "Levei de novo na concessionária, só que em outra. Pude perceber que já sabiam do problema, mas não tinham solução. Alegaram que se tratava de uma característica do projeto, dentro das especificações de fábrica. E a trepidação prosseguiu", enfatizou.

Após certo tempo, ele diz ter recebido uma carta da Ford admitindo o defeito e estendendo a garantia do câmbio. A cada revisão, Seco afirma ter solicitado a verificação do problema, recebendo como resposta a alegação de que se tratava de algo "normal". Insatisfeito, acabou vendendo o Fiesta em julho de 2016.

O câmbio de dupla embreagem a "seco" é usado não apenas pela Ford, mas também por outras fabricantes (como a Volkswagen) como uma solução mais compacta e simples, adequada para modelos menores e menos torcudos. Além do Powershift, esse tipo de câmbio foi usado no Volkswagen Golf e no Audi A3 1.4, antes de ambos serem nacionalizados, em 2015, e mudarem para uma transmissão automática com conversor de torque convencional. Classe A, GLA e e CLA, os modelos de entrada da Mercedes-Benz, também contam com câmbio de duas embreagens a seco.

No caso da Volks, a substituição pelo câmbio automático aconteceu provavelmente por corte de custos, mas também devem ter pesado as reclamações de ruídos metálicos ao passar por buracos e lombadas, uma característica de projeto dos automatizados a seco. Os câmbios multiembreagem banhados a óleo, por sua vez, são maiores, mas compensam isso suportando mais torque. O VW Golf GTI, por exemplo, utiliza esse tipo de transmissão, bem como o Passat.

Segundo o engenheiro Claudio Castro, ainda falta uma evolução no uso da tecnologia de dupla embreagem, sobretudo em carros mais acessíveis, de alto volume, para entregar o conforto esperado pelos clientes. Ele destaca que em veículos mais sofisticados, mesmo aqueles com embreagens secas, existem medidas adotadas para evitar ruídos e vibrações, como o uso de amortecedores e sistema de molas e graxa na conexão entre as embreagens e o motor. "Na Europa, um mercado mais maduro, a tendência é o câmbio de dupla embreagem equipar cada vez mais carros no segmento de compactos e médios, já que lá essa tecnologia é mais consolidada", explica.

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Em uma escala de custos de manutenção, o câmbio manual é o mais barato, seguido pelo automatizado simples, de dupla embreagem e pelo automático
Imagem: Getty Images/iStockphoto

E a manutenção?

De acordo com Castro, em uma escala de custos de manutenção, caso haja algum defeito, o câmbio manual é de longe o mais barato para reparar, seguido pelo automatizado de embreagem simples, automatizado de dupla embreagem e, por fim, o automático. O detalhe é que o câmbio automático realmente dá prejuízo dos grandes em caso de falha, mas é o que menos exige manutenção. "Tem poucas peças de desgaste, geralmente os componentes duram toda a vida útil do veículo, bastando fazer a substituição do óleo nos intervalos recomendados no manual", aponta o especialista.

Quanto ao automatizado de embreagem simples, a tendência é de que a embreagem dure mais na comparação com um modelo manual, mas tudo depende, como sempre, da forma como o automóvel é utilizado. "Na média, o desgaste é o mesmo, Os automatizados também permitem maus hábitos, como segurar o carro na rampa, modulando no pedal do acelerador, sem acionar os freios. A pessoa nem percebe, mas está desgastando a embreagem e, com isso, reduzindo sua vida útil".

Castro alerta que, no caso do automatizado monoembreagem, a manutenção não se restringe a simplesmente a trocar o platô e o disco, mas também que o módulo do controle eletrônico seja reajustado, o que requer mais tempo de serviço -- e que também fica mais caro. Por isso, recomenda que seja feito em oficina especializada.

No caso do câmbio de dupla embreagem, como o desgaste é dividido em dois, a tendência é o par de embreagens durar o dobro do tempo. Em relação aos reparos e troca de peças de desgaste natural, o conserto costuma sair ainda mais caro por exigir um ferramental específico, reprogramação de software de controle eletrônico e ajuste de eventuais folgas entre os componentes.