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Análise: governo receita às montadoras o mesmo remédio da crise de 2008

Ministro da Fazenda, Guido Mantega, anuncia medidas que incluem o setor automotivo - André Borges/Folhapress
Ministro da Fazenda, Guido Mantega, anuncia medidas que incluem o setor automotivo Imagem: André Borges/Folhapress

Claudio Luis de Souza

Do UOL, em São Paulo (SP)

21/05/2012 20h42Atualizada em 21/05/2012 22h07

O governo Dilma Rousseff anunciou nesta segunda-feira (21) medidas econômicas para estimular e economia, entre elas, drástica redução no IPI (imposto sobre produtos industrializados) dos automóveis. Os carros com motor 1.0 terão alíquota cortada de 7% para zero, caso se enquadrem nas regras do novo regime automotivo -- basicamente, que sejam feitos no Mercosul. Modelos com esse motor, mas importados, também terão corte de sete pontos percentuais, indo de 37% para 30%.

Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a medida é temporária e vigora até 31 de agosto. Como contrapartida ao corte no imposto, que deve estimular as vendas de carros novos (que estão em queda já de dois dígitos), as fabricantes se comprometeram a não demitir funcionários.

O governo anunciou ainda um compromisso de as montadoras oferecerem descontos adicionais sobre suas atuais tabelas de preços, de 2,5% no caso dos 1-litro, 1,5% para carros até 2 litros, e 1% para utilitários. Bancos e financeiras devem facilitar o crédito e diminuir o pagamento inicial (entrada).

Os carros de motor 1.0 representaram em março, segundo dados da Anfavea (associação das montadoras com fábrica no Brasil), 40% das vendas de zero-quilômetro no Brasil, com tendência de queda -- tema já abordado em UOL Carros. Mesmo que o IPI zerado resulte em descontos baixos na hora de fechar a compra, a possibilidade de rechear melhor o "carro mil", que normalmente oferece apenas equipamentos básicos, deve resultar na anabolização desse índice.

Somando o corte no IPI como desconto adicional, o ministro Mantega afirmou que um carro 1.0 novo deve ficar até 10% mais barato. A conta é simples: um modelo de R$ 25 mil vai a R$ 22,5 mil; um de R$ 30 mil baixa a R$ 27 mil etc.

Carros com motores entre 1 e 2 litros também serão beneficiados com o corte no IPI. De modo geral, os bicombustíveis oriundos do Mercosul ou incluídos na cota de importação do México terão a alíquota reduzida à metade: de 11% para 5,5%. Os demais carros flex importados (como os de Hyundai e Kia) terão redução de 41% para 35,5%. Os números são diferentes para carros a gasolina: de 13% a 6,5%; e de 43% para 36,5%.

QUEM GANHA
À primeira vista, as medidas anunciadas pelo governo nesta segunda parecem customizadas (usando um termo em voga no mercado automotivo) para as necessidadas das grandes montadoras reunidas na Anfavea, especialmente General Motors, Fiat, Volkswagen e Ford, que ainda vendem carros com motor de 1 litro em quantidade importante. Outra montadora muito beneficiada, e pelo mesmo motivo, é a Renault -- subitamente, ganham relevância as versões 1.0 de carros em que motores maiores (no caso, 1.6) são muito mais eficientes. Vale dizer, Sandero e Logan.

Fabricantes como Toyota, Honda, Peugeot e Citroën ficam numa espécie de zero a zero, porque seus produtos são mais caros e terão redução menor no IPI -- ou seja, os descontos tendem a ser magros. E, mais uma vez, quem perde mais -- ou deixa de ganhar mais -- são importadoras como Hyundai e Kia, além das chinesas JAC e Chery. Sem falar nas premium, como a trinca alemã Audi, BMW e Mercedes-Benz.

Um primeiro indício de que haveria uma mexida na indústria veio no começo deste mês, quando a Anfavea, entidade que congrega as montadoras com fábrica no Brasil, divulgou alarmante aumento nos estoques de veículos novos. Na ocasião, havia carro de sobra para atender a 43 dias de demanda. Em março, era de 35 dias -- no limite do aceitável.

Mas o que chama atenção nas medidas, para além de seu impacto imediato nas vendas de veículos, é o fato de que elas praticamente repetem o que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, com o mesmo Mantega à frente da economia, fez em dezembro de 2008 (um mês antes, os estoques davam para 56 dias). Na ocasião, o IPI dos carros novos foi zerado por cerca de quatro meses, e depois, ao longo dos seguintes 11 meses, foi se recompondo gradualmente.

Tratou-se de uma ação emergencial, encetada sob a sombra da crise financeira global que explodiu em setembro daquele ano, e que logo levaria gigantes americanas como GM e Chrysler à lona -- e que, quase quatro anos depois, ainda é sentida em fabricantes europeias como a italiana Fiat e as francesas Peugeot e Citroën, que parecem cada vez mais debilitadas em seu continente de origem.

Naquele dezembro de 2008, por exemplo, as vendas de automóveis (carros de passeio) e comerciais leves (SUVs e picapes) no Brasil experimentariam uma queda de 20,49% em relação ao mesmo mês em 2007. Um dado desastroso.

DEU CERTO
Goste-se ou não da indústria automotiva e dos governos petistas, a redução do IPI no final de 2008 cumpriu seu papel. Em março de 2009, quando a alíquota zero se extinguiu e deu lugar a uma lenta recomposição até os antigos 7% (no caso dos 1.0), as vendas totais de autos e comerciais leves cresceram robustos 18,14% ante março de 2008. Vale notar que a recuperação se deu em todas as faixas de motorização.

A pergunta que cabe é: estamos vivendo uma crise econômica tão grave (já, ou potencialmente) quanto a de 2008?

A resposta é: talvez.

Os números da indústria automotiva não são tão assustadores como os de quatro anos atrás. Um dos melhores analistas do setor, o jornalista Fernando Calmon, colunista de UOL Carros, previu -- no máximo -- uma situação de estagnação.

Só que 2010 e 2011 foram tão gordos que provavelmente as montadoras ficaram mais intolerantes a dados negativos, por mais passageiros que possam ser. A queda nos emplacamentos de automóveis e comerciais leves no último mês cheio, abril de 2012, foi de 13,82% ante março, e de 10,27% na comparação com abril de 2011.

Em cima dos números de abril, a Fenabrave (federação das concessionárias), que mensalmente oferece a melhor contabilidade das vendas de veículos no Brasil, revisou para baixo sua previsão de crescimento (sim, crescimento, e antes do IPI zerado) para o setor automotivo este ano: de 4,5% para 3,4%. Em valor absoluto, o emplacamento total de carros de passeio e comerciais leves prognosticado pela Fenabrave para este ano agora é de 3,545 milhões de unidades.

Nem por isso o ministro Mantega escapou, nesta segunda, de um curioso ato falho, ao dizer que as medidas vigoram até 31 de agosto de 2009 -- como se ainda estivéssemos (ou estivéssemos de novo) no difícil dezembro de 2008.   

Uma coisa é certíssima: as vendas de veículos vão experimentar uma retomada após as medidas anunciadas pelo governo federal. Para o Planalto, pouco importa que o carro 1.0, candidato a estrela nesse filme já conhecido, estivesse fadado ao declínio, num sinal de que o consumidor brasileiro ficou mais sofisticado e exigente. Os números que interessam são outros.