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Idosos ao guidão mostram que não há limites para andar de moto

Cicero Lima

Colaboração para o UOL

25/04/2014 20h39

Muitos idosos brasileiros passam a vida ouvindo a frase "o futuro a Deus pertence". Mesmo com um fundo de verdade, por conta dos mandos e desmandos do destino, ser um homem saudável e independente está mais ligado aos hábitos e herança genética do que à vontade divina.

Quem superou os 60 anos é considerado idoso de acordo com a Lei 8.842, assinada em janeiro de 1994. O decreto tem o objetivo "assegurar os direitos sociais das pessoas mais vividos, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade”. Quando se fala em autonomia associamos à liberdade de ir e vir. Para isso, nada melhor que pilotar sua moto ou dirigir seu carro.

CUIDADO, IDOSO AO GUIDÃO
Há pouco mais de um ano, a notícia de que um senhor de 85 anos comprou uma moto esportiva gerou polêmica na internet. As opiniões divergiam sobre a capacidade de um senhor octogenário dominar a máquina.

Para alguns ele representa risco para si mesmo e para a sociedade, já que exemplos de acidentes com motos e idosos não faltam: no dia 22 de março, em Concórdia (SC), um senhor de 67 anos perdeu o controle de seu triciclo, subiu na calçada, atropelou uma pessoa e só parou ao colidir com uma vitrine.

Situações assim aumentam nossa dúvida: como saber quando o corpo ou a mente já perderam os reflexos e não estamos aptos para controlar uma máquina, seja ela de duas ou quatro rodas?

IDOSOS OU EXPERIENTES?
Conheço pilotos idosos, aos quais chamo de veteranos, que provam o contrário. Um deles é o aposentado Tiago Rocha Westphalen, que mora em São Roque (SP). A bordo de sua Honda ML 125 1985, ele já percorreu mais de meio milhão de quilômetros. Conhecido como Profeta, Westphalen diz que aos 70 anos ele conta com sua experiência para superar os desafios. "A idade traz sabedoria. Não abuso na estrada e evito situações de risco, como viajar à noite". A receita adotada parece dar resultado: recentemente ele fez uma viagem de 32 mil quilômetros e 118 dias em que conheceu 10 países da América Latina.

Thiago Rocha Westphalen, conhecido como Profeta, com sua Honda ML 125 cc 1985 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Thiago Rocha Westphalen, o "Profeta", já percorreu mais de 500 mil quilômetros
Imagem: Arquivo pessoal
Com fala mansa e sotaque do interior paulista, o Profeta confessou que ainda pretende rodar muito. "Não fumo, não bebo, como carne de vez em quando e vou ao médico para conferir a saúde". E decreta: "é a moto que me mantém jovem de espírito. Se parar de pilotar, posso falar sobre velhice, mas por enquanto não sei o que é isso".

Opinião ainda mais importante tem o motociclista Guillermo Godoy. Para este argentino naturalizado brasileiro não existe regra para saber quando a pessoa deve parar. "O importante é o piloto reconhecer os limites e aceitar se os reflexos e sua resistência física já não o permitem mais dominar uma moto."

Guillermo Godoy posa com sua Suzuki DL 1000 V-Strom - Reprodução - Reprodução
Guillermo Godoy, 80, foi do Alasca ao Peru com sua Suzuki DL 1000 V-Strom
Imagem: Reprodução

Godoy fala com propriedade. Com 80 anos, ele tem muita estrada em seu currículo -- há dois anos veio do Alasca ao Peru com sua Suzuki DL 1000 V-Strom. Aventureiro por opção, o médico quer viajar ainda mais no segundo semestre. "Parto para uma volta ao mundo que começará em Lisboa", diz. Em seu site (www.guillermogodoy.com.br) estão os relatos de suas viagens e os livros que escreveu sobre suas experiências ao redor do planeta.

ESPECIALISTAS
Ao ouvir estes relatos me pergunto qual é a receita para passar dos 70 anos com tanta vitalidade e em condições de dominar uma moto. Segundo o médico Remi Toscano, "tudo é uma questão de dar condições ao corpo de executar o que prepusemos". Ele recomenda exercícios físicos, alimentação balanceada, dormir bem e evitar estresse (quando possível). E também reitera a importância da hidratação. Álcool e fumo são venenos que cobrarão seu preço quando o piloto for idoso.

"Para mim não existe questão de limite de idade, existe a capacidade do corpo e da mente para dominar a moto", afirma Toscano, que tem 72 anos. Quem lê seus conselhos pode até achar que ele é um motociclista pacato. Longe disso: Toscano é um piloto arrojado que participa do Campeonato Moto 1000GP, na categoria Master. Na pista, aliás, é conhecido como Dr. Remi.

Remi Toscano, 72 anos, acelera sua esportiva na pista - Sérgio Sanderson/UOL - Sérgio Sanderson/UOL
Remi Toscano tem 72 anos e disputa o Moto 1000GP na categoria Master
Imagem: Sérgio Sanderson/UOL
Tantas pessoas saudáveis e o aumento da longevidade já inspiram estudos para alterar a definição de idoso. Se aprovados, o limite subiria de 60 para 65 anos.

NEM TUDO SÃO FLORES
A julgar pelos motociclistas que conheci, o estudo está no caminho certo. Afinal, senhores com mais de 70 anos se mostram dispostos a andar de moto e assim se manterem ativos. Mas infelizmente fatores como a herança genética podem desenvolver doenças degenerativas como o Alzheimer -- a enfermidade acarreta na perda de funções cognitivas (memória, orientação, atenção e linguagem) causada pela morte de células cerebrais que impedem qualquer pessoa de comandar um veículo automotor.

Segundo informações da Associação Brasileira de Alzheimer, fatores como hipertensão, diabetes, obesidade, tabagismo e sedentarismo podem aumentar o risco de desenvolvimento da doença. Por outro lado, uma intensa atividade intelectual pode retardar o surgimento de sintomas.

"Assim como o corpo, o cérebro quando mantido em atividade tende a retardar os problemas", afirma o clínico geral e nefrologista Ruy Eneas Souza. Com tantos exemplos, podemos concluir que é possível ter uma vida longa e ativa. Para isso, basta manter o cérebro em funcionamento, o corpo em atividade e -- como os pilotos veteranos disseram -- rodar muito com sua moto.

Cicero Lima é especialista em motos e motociclistas