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Rodovias brasileiras mantêm papel de vilãs, mas até quando?

Pleno ano de 2016 e muitos motoristas que percorrem vias nos mais remotos cantos do país ainda preferem estrada sem pavimentação a uma mal asfaltada ou sem manutenção - Fabian Ribeiro/ Agência Free Lancer/ Estadão Conteúdo
Pleno ano de 2016 e muitos motoristas que percorrem vias nos mais remotos cantos do país ainda preferem estrada sem pavimentação a uma mal asfaltada ou sem manutenção Imagem: Fabian Ribeiro/ Agência Free Lancer/ Estadão Conteúdo

Roberto Agresti

Colunista do UOL

24/10/2016 14h58

Quatro experientes motociclistas, jornalistas especializados em motocicletas, partiram de Manaus no começo de outubro. O objetivo era chegar a São Paulo pilotando a edição comemorativa dos 40 anos de produção da mais vendida motocicleta fabricada no país, a Honda CG.

Menos de duas semanas depois as quatro motos ingressaram no hall da sede da Honda na capital paulista tendo rodado exatos 5.982 quilômetros sem apresentar problema. O mesmo não pode se dizer de dois dos quatro condutores. Apesar das décadas de guidão, da inquestionável habilidade em conduzir motocicletas de qualquer tipo ou tamanho, ambos tiveram que pagar o preço do absoluto descaso com a pavimentação das rodovias brasileiras.

O primeiro a dar baixa foi vítima de uma cratera escondida no que parecia uma reles poça d'água. Moto e condutor rolaram metros e metros pela pista. Saldo? Uma clavícula quebrada e adeus à expedição. No dia seguinte, outra baixa. Desta vez no lugar da água a armadilha foi a areia e, mais uma vez, o "preço" foi a clavícula.

A dor para ambos não foi apenas física, mas a da frustração de não poderem completar uma odisseia histórica para a qual se prepararam com profissionalismo -- eles foram substituídos por dois colegas que levaram ao cabo a missão.

Josias Silveira, decano do jornalismo automotivo brasileiro, realizou este mesmo percurso no final dos anos 1970 com a Honda CG 125 de primeira leva. Presente na largada da atual expedição, constatou que as quatro décadas passadas contribuíram enormemente para que o modelo best-seller da Honda ganhasse não apenas centímetros cúbicos em seu motor, mas também melhores suspensões, pneus e freios.

No entanto, a qualidade das estradas parece ter se estagnado, aliás, retrocedido.

Honda CG 160 Titan 2016 - Divulgação - Divulgação
Quatro CG 160 saíram de Manaus com destino a SP; duas clavículas quebraram
Imagem: Divulgação

Asfalto para quê?

Na época da pioneira viagem de Josias quem se aventurasse a partir de Manaus por via terrestre tinha poucos quilômetros de via pavimentada à disposição. A estrada de terra, poeirenta na estação seca ou enlameada e praticamente intransponível na época chuvosa, era o padrão. Agora o asfalto cobre a maior parte do trajeto que liga a capital do Amazonas à paulista, mas a falta de manutenção associada a outros problemas -- como a má realização de obras e uso de matéria-prima ruim -- torna tudo pior.

Muitos motoristas que percorrem as vias localizadas nos mais remotos cantos do país dizem ser preferível uma estrada sem pavimentação a uma mal asfaltada ou sem manutenção. As crateras que se formam sem que nenhuma providência seja tomada martirizam motoristas em qualquer tipo de veículo, tornando as viagens uma loteria de resultado incerto, na qual chegar com poucos danos materiais ou físicos é vitória.

Estudos realizados em diferentes épocas e locais do mundo são unânimes em apontar defeitos na pavimentação como elemento que faz proliferar acidentes e potencializa suas más consequências. Os quatro que saíram de Manaus com as CG 160 sabiam disso e, mesmo assim, pagaram o preço pelo descaso do Estado e o problema do mau estado de rodovias afetou dois deles, por sorte de forma relativamente branda, Mas não é sempre que buraco, areia, falta de sinalização ou sujeira na pista causam consequências reversíveis.

A particular dinâmica de uma motocicleta implica em equilíbrio tênue. Apesar da forte evolução tecnológica, uma moto, qualquer que seja ela, grande ou pequena, sempre terá área de contato com o solo mínima. Ter consciência desta condição é algo que o motociclista deve obrigatoriamente incorporar logo nos primeiros metros de sua vida ao guidão. Outra atitude primordial é aprender a "ler" o piso que virá pela frente, observar atentamente onde vai colocar as rodas e exercitar uma espécie de sexto sentido para antever o pior. Mesmo assim fazendo o risco sempre existirá, que o diga a dupla da clavícula quebrada.

O Brasil é com certeza um dos piores lugares do planeta em termos de pavimentação de ruas e estradas. Péssimas na região norte ou nordeste do Brasil, menos ruins no sudeste e sul, mas sempre abaixo do aceitável. O custo desse descaso é alto, prejudica a todos, mesmo aqueles que mal saem de casa e, quando o fazem, se locomovem a pé: no preço dos produtos está embutido o estrago que más estradas causam no tempo de transporte e na manutenção dos veículos de carga. O grande número de acidentados drena verbas da saúde trazendo prejuízo ao combate de outras "epidemias" que não a causada pelos acidentes de trânsito decorrentes do chão ruim.

A beleza de um país de dimensão continental, com grande vocação turística e no qual a motocicleta pode ser utilizada por doze meses no ano poderia se tornar uma grande fonte de rendimento caso o mototurismo pudesse ser estimulado. Infelizmente, explorar o Brasil sobre duas rodas requer mais do que habilidade e conhecimento de pilotagem. Exige uma sorte que poucos estão dispostos a verificar se têm.

O acidente com os dois motociclistas da expedição CG 40 anos não abalou a comemoração de aniversário de quatro décadas da moto que ensinou a grande maioria dos brasileiros a ser motociclista. Mais de 20 milhões de unidades fabricadas e a grande evolução técnica justificam festejar o modelo, mas é inevitável constatar que as condições para o uso de motocicletas, pelo menos do fundamental ponto de vista da condição das ruas e estradas, estão bem aquém do mínimo aceitável.