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Montadoras aceitam livre comércio de carros, mas pedem menos imposto

Eugênio Augusto Brito, Alessandro Reis

Do UOL, em São Paulo (SP)

19/03/2019 20h11

Resumo da notícia

  • UOL Carros conversou com presidente da associação de fabricantes e com presidente da GM
  • Para dirigentes, Brasil sofre com falta de competitividade, logística deficiente e excesso de impostos
  • Novas regras entre Brasil e México eram esperadas desde 2015 e valem a partir desta terça
  • Associação de fabricantes aponta que o livre comércio é bom para o mercado, com algumas variantes

As fabricantes de automóveis instaladas no Brasil concordam a adoção do sistema de livre comércio nas relações com o México, que estava previsto desde 2015 e começou a vigorar nesta terça-feira, mas aponta que o governo federal precisa resolver os problemas causados pelo chamado "Custo Brasil", que impedem o país de ser competitivo no cenário internacional.

De acordo com os representantes das indústrias, infraestrutura deficiente, encargos trabalhistas, carga tributária inchada e burocratizada, entre outras questões, "travam a competitividade de todo o setor industrial, não apenas o automotivo". Para empresários e executivos, tudo isso pesa negativamente em situações de livre comércio. O risco, apontam, é de que o Brasil perca novos projetos de carros e de fábricas para o México, veja vendas e exportações serem reduzidas e, consequentemente, tenha empregos e dinheiro perdidos caso a equação não bata.

UOL Carros conversou por telefone com o presidente da Anfavea, entidade que reúne as fabricantes instaladas no Brasil, Antonio Megale. Conversou também o presidente da General Motors para a América do Sul, Carlos Zarlenga, durante evento de anúncio de investimento de R$ 10 bilhões em São Paulo; conversou com representantes de BMW -- que tem fábrica em Santa Catarina, não importa ou exporta carros do e para o México, mas exportou sistemas de tecnologia ao país recentemente um caso raro em nossa indústria; e procurou Volkswagen (que não respondeu até o fechamento da reportagem), Fiat e Mercedes-Benz -- as duas últimas declinaram de se manifestar, uma vez que quase não possuem produtos comercializados com o México na atualidade.

Antonio Megale Anfavea - ALF RIBEIRO - ALF RIBEIRO
Megale, que deixa a presidência da Anfavea em abril: "Custo Brasil é problema"
Imagem: ALF RIBEIRO

"Custo Brasil" é problema

Segundo Antonio Megale, da Anfavea, o sistema baseado em cotas era defendido, em parte, pela indústria local por ser "mais adequado" à situação do Brasil, com seus entraves de atuação.

"Agora precisamos nos movimentar muito rapidamente para encontrar uma agenda de competitividade, ações que possam melhorar nossa competitividade onde atualmente temos dificuldade, por exemplo, em custos trabalhistas e na questão da logística, de insumos e da cadeia tributária. Precisamos avançar nessa questão para melhorar nosso cenário e conseguir ampliar as exportações para outros países", afirmou Megale a UOL Carros.

Para Carlos Zarlenga, chefão da General Motors para América do Sul, competitividade da indústria local nem é uma deficiência, de fato, mas sim a longa e complicada cadeia de tributações.

"A gente precisa é de mais eficiência fiscal. Cerca de 50% das receitas de uma montadora hoje em dia acaba sendo de impostos. De cada R$ 100 que você paga de salário, tem encargos de 110% em cima disso", afirma Zarlenga.

"O governo, tanto federal quanto os estaduais, sabem claramente a necessidade de reduzir a pressão e a carga fiscal. Aí você vai ter mais investimentos", disse o executivo.

É preciso acelerar indústria local

O presidente da associação de fabricantes de carros, Antonio Megale, salienta que as empresas não se opõem ao sistema de livre comércio, mas que o governo terá de negociar rapidamente com a indústria -- não só a automotiva, mas de todo o parque nacional -- para encontrar meios de acelerar a capacidade produtiva nacional e sua capacidade de exportar.

"A gente acredita que a maior conveniência seria para manter o sistema de cotas, mas de forma que pudéssemos ampliar livremente os níveis de exportação e importação sem empacar as negociações. Neste viés, o sistema de cotas era importante para manter nossa capacidade de negociação nos próximos anos", disse Megale.

Já Zarlenga, da GM, vê o Brasil com uma linha produtiva adequada, dentro do contexto regional: "A indústria automotiva do Brasil é tão competitiva do ponto de vista de eficiência e tecnologia de produção que qualquer indústria no mundo. Provavelmente mais que a maioria. Nos temos, juntamente com a Argentina, uma capacidade instalada de quase 4,5 milhões de unidades por ano. A coisa mais importante de escala nós temos nessa região e é algo a se aproveitar".

Ainda segundo Megale, a situação de livre comércio de carros é algo mais desejado pelo México do que pelo Brasil. No caso dos caminhões (o livre comércio nesse segmento só valerá a partir de 2020), o Brasil tem mais interesse que o México.

Só que ambos os países podem ter problema com os limites atualizados para a exigência de nacionalização dos carros de 35% para 40% (e de caminhões de 17% a 40% em 2020), algo que só é possível com uma cadeia mais integrada e que desenvolva suas soluções locais de tecnologia -- o México ainda tem uma vantagem por ter maior colaboração dos americanos neste quesito.

"O governo mexicano tinha mais mais vontade de aprovar o sistema de livre comércio de veículos, enquanto o governo brasileiro sempre teve vontade de avançar com o livre comércio para caminhões. O ponto em questão aqui é o aumento da exigência de volume de produto regional de 35% a 40%", explicou Megale.

Para Zarlenga, um país a ser mirado é a Coreia do Sul -- onde curiosamente a GM não atua de forma competitiva. "A Coreia do Sul tem um mercado doméstico de 1 milhão de unidades e fabrica 5 milhões de unidades. Imagina se o Brasil conseguisse fazer isso? Nós temos um mercado doméstico de 3 milhões de unidades", concluiu o executivo da GM.

GM vai investir R$ 10 bilhões em SP para manter empregos e desconto de ICMS - Alessandro Reis/UOL - Alessandro Reis/UOL
Carlos Zarlenga, da GM (à esquerda do governador Joao Doria, de SP), que assinou investimento de R$ 10 bilhões em SP
Imagem: Alessandro Reis/UOL

Como eram as regras com México e Argentina

Desde 2015, Brasil e México acordaram o comércio de automóveis entre os dois países pelo regime de cotas, com ajustes pontuais de acordo com o resultado do período anterior. Assim, cada país poderia vender ao outro automóveis e peças isentos do imposto de importação até o limite de US$ 1,6 bilhão. Acima deste limite, haveria incidência de taxações e limites. O país exportador definia 70% da divisão anual de cotas entre as empresas participantes, com o país importador definindo 30%.

Mas o Brasil compra mais carro do que vende. Em 2018, foram 52.282 unidades exportadas (gerando saldo de US$ 420 milhões) contra 80.015 unidades importados do México (pagamento de US$ 1,3 bilhão).

Mesmo com o regime de cotas, o Brasil sempre teve um tráfego mais positivo no setor de autopeças e caminhões, exportando mais do que importando. No caso do balanço para carros de passeio, o país sempre teve volume menor e composto por modelos compactos, mais baratos, e sempre exportando modelos médios e grandes, de maior valor agregado.

No caso da Argentina, prevalece o "acordo bilateral com dispositivo flex", válido até 2020 e cuja última janela de negociação definiu limite de cinco anos. Para cada dólar que importamos da Argentina, podemos exportar 1,50 dólar. Novamente, o país acaba exportando mais veículos compactos e importando modelos médios, de maior valor agregado.

O problema na relação com a Argentina, porém, está na instabilidade. Maior comprador do Brasil, o país derruba nossas exportações em momentos de crise, como o que enfrenta atualmente.

"A gente entende que, no caso da Argentina, devemos avançar também na direção do livre comércio no final de 2020, ou com período de extensão do atual acordo bilateral com o dispositivo flex, mas sempre visando o livre comércio", afirmou Megale, da Anfavea, sobre o acordo com a Argentina.

Veja abaixo nota divulgada pela Anfavea

"Em relação ao livre comércio de veículos leves entre Brasil e México, iniciado a partir de hoje (19/3) em comum acordo entre os dois governos, a Anfavea, Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, declara que o setor, em geral, é favorável à abertura comercial, mas espera que isso venha acompanhado de ganhos no nível de competitividade no país.

A associação enviou ao governo federal uma pauta de sugestões que visam à redução do chamado "Custo Brasil" e a ganhos de competitividade para todo o setor industrial, não apenas o automotivo. A pauta inclui questões de infraestrutura, de encargos, de simplificação tributária e de desburocratização, entre outras.

A Anfavea prefere aguardar pelos resultados práticos do livre comércio com o México, até porque o aumento de 35% para 40% de obrigatoriedade de componentes locais foi uma surpresa. Mas a associação alerta para a possibilidade de perda de alguns futuros projetos para a indústria mexicana, em detrimento de investimentos locais, caso o Brasil ainda não atinja rapidamente o mesmo nível de competitividade deste e de outros potenciais parceiros comerciais".