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Perfil: conheça o assessor de Senna que criou imagem campeã da Audi Brasil

O homem, o mito: Senna e Marzanasco (dir.) durante o lançamento da Audi no Brasil, no começo de 1994 - Toni Pires/Folhapress
O homem, o mito: Senna e Marzanasco (dir.) durante o lançamento da Audi no Brasil, no começo de 1994
Imagem: Toni Pires/Folhapress

Vitor Matsubara

Do UOL, em São Paulo (SP)

25/06/2018 04h00

Charles Marzanasco Filho foi a mente criativa por trás das ações mais inusitadas da história da marca

A história da Audi no Brasil começou em 1994 e não ocorreria da mesma forma sem a família Senna. Enquanto Ayrton foi figura central na chegada da marca, definindo contrato e o que viria ao país inicialmente, coube ao irmão Leonardo a dura tarefa de administrar de fato a empresa, após a morte do piloto em Ímola, em maio de 1994.

Mas sem Ayrton, outro homem teve participação importante na história de 24 anos da empresa no país, assumindo a porção de "show man" e de desatador de nós que uma empresa como este precisava ter para estrear e crescer no segmento de modelos de luxo, no mercado ainda em abertura de então.

UOL Carros conta a história dessa figura, que se tornou amplamente conhecida nos bastidores da indústria automotiva, mas é um ilustre "zé ninguém" para quem compra carros. Vamos corrigir isso agora e com uma licença poética, quebrando nosso protocolo jornalístico: durante esse texto, chamaremos Charles Marzanasco Filho pelo nome, como é tratado no meio, e não pelo sobrenome.

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O homem por trás do show 

Charles Marzanasco Filho era assessor de imprensa de Ayrton Senna e acabou, naturalmente, sendo convidado para comandar a Comunicação da Audi no Brasil, em setembro de 1993, quando o piloto fechou o contrato para representar a marca premium da Volkswagen no país.

Foi natural, mas não sem uma carga de desafio, imposto pela própria família Senna:

"Você é o melhor assessor de imprensa de automobilismo do país, mas não sei como você vai trabalhar falando de carro", disse Leonardo Senna, responsável pelas operações da Senna Import, a empresa criada para representar os negócios da Audi.

Charles respondeu a contento, de cara. No começo de 1994, ele organizou um evento grandioso, no Aeroporto de Congonhas, na Zona Sul de São Paulo, para marcar a estreia da marca no Brasil. O mestre-de-cerimônias era o apresentador Jô Soares, que fazia sucesso absoluto na TV à época, mas todos os holofotes estavam voltados para Ayrton.

Um avião pousando na pista foi a deixa para que Jô entrasse no palco com um 80 Cabriolet, como se estivesse acabado de sair da aeronave. Toda a imprensa brasileira cobriu o evento, gerando uma superexposição da marca Audi em revistas, jornais e canais de televisão.

Outros eventos menores, mas igualmente concorridos -- e televisionados -- estavam programados na sequência, para seguir alardeando a estreia da Audi.

Ayrton Senna no lançamento da marca Audi no Brasil

UOL Carros

Euforia antes do baque

Ayrton também esteve no dia seguinte no Autódromo de Interlagos, onde ocorreu um test-drive para 80 jornalistas, lista inimaginável para uma marca de luxo -- o usual era ter no máximo uma dezena de pessoas, com seleção feita a dedo. Charles pensava em novas formas de emplacar reportagens na televisão e o máximo de exposição possível.

Foi num lampejo que o assessor se lembrou do que havia acontecido no GP do Brasil de Fórmula 1 daquele ano, realizado dias antes e disparou:

"Liguei para um amigo meu que trabalhava na Globo e perguntei se haveria espaço para uma matéria se Ayrton reproduzisse o incidente na Subida dos Boxes [Senna rodou e abandonou a corrida em seguida]. Ele topou na hora e conseguimos destaque na abertura do Jornal Nacional, da Globo", lembrou.

Tudo parecia estar no caminho certo para a Audi até o dia 1º de maio. A trágica morte de Ayrton colocou em xeque o futuro da marca. "A Audi praticamente parou naquela época", afirmou Charles. A dúvida só acabou três meses depois com um telefonema.

"Era o Leonardo pedindo para que eu retomasse o trabalho na Audi", relembrou o assessor. A vida -- e os negócios -- continuavam.

Ayrton Senna na festa de lançamento da Audi - Toni Pires/Folhapress - Toni Pires/Folhapress
Senna participou do lançamento da Audi em evento no Aeroporto de Congonhas
Imagem: Toni Pires/Folhapress

Nave "da Nasa" no centro de SP

A Audi já havia confirmado presença no Salão do Automóvel daquele ano, ocorrido em outubro. As atrações seriam a perua esportiva RS2 e o superesportivo conceitual Avus, que decorava a sala de Leonardo Senna. E foi aquela fotografia que fez Charles propor a exibição do Avus alguns dias antes do Salão em um lugar bastante inusitado: o Vale do Anhangabaú.

Proposta recebida com desdém pelos executivos, que não viam expor um veículo tão caro em um local popular como o centro de São Paulo.

Ironicamente, foi esse mesmo argumento que fez a proposta ser aprovada, segundo Charles, que ponderou com a chefia da Audi: "Quem frequenta lugares caros não dá bola para um carrão, porque não quer parecer ignorante. Se a gente colocá-lo no centro, ninguém ficará indiferente, e isso vai atrair a atenção da imprensa".

Além da aparição pública, a Audi e seus carrões estampavam campanhas publicitárias por toda a cidade, com custo milionário. Dito e feito: o Avus (e a Audi) apareceu em todas as emissoras e estampou a primeira página dos jornais no dia seguinte.

Texto do jornal "Folha de S. Paulo" de 19 de outubro estampou:

"Durante os próximos 15 dias, o Audi Avus (carro-conceito), o Audi A8, carro de alumínio, e a station-wagon Audi ARS 2 serão exibidos em 400 outdoors em São Paulo. Neles, a Audi convida o consumidor a ir ao Salão do Automóvel, onde os veículos estarão expostos. 'Venha ver o estande da Nasa', diz o slogan do outdoor do Avus. 'Alumínio agora é metal nobre', é a frase usada no cartaz do A8."

Audi Avus Quattro Concept - Reprodução - Reprodução
Audi Avus: antes de literalmente brilhar no Salão de SP de 1994, modelo passou pelo Vale do Anhangabaú
Imagem: Reprodução

Quem sabe faz ao vivo

Claro, o Salão de 1994 acabou sendo um sucesso para a Audi. Por isso, era difícil conseguir fazer algo diferente no ano seguinte, quando aconteceria o Brasil Motor Show -- evento que acontecia nos anos ímpares, alternando com o Salão. Não havia novidades para mostrar na feira. Problemão, certo?

"E se a gente fizesse um crash test ao vivo?", sugeriu Charles, durante um brainstorming. Destruir um carro de luxo contra um muro, publicamente, só para agradar jornalistas era loucura total? Parece que não.

Até então pouco interessado nas sugestões, Leonardo se empolgou e imediatamente começou a pensar numa forma de viabilizar o evento.

"Fizemos o evento em um sambódromo e trouxemos uma estrutura completa da Alemanha para realizar o crash test. Havia até televisão transmitindo a batida ao vivo no dia e o carro teve um problema em um dos sensores que abortou a saída [para o crash test]. Felizmente deu tudo certo no fim das contas", disse Charles, que ainda hoje se empolga ao relembrar do evento.

"Logo após o crash test ficamos eu e o Leonardo assistindo as matérias na televisão. Fizemos alguns cálculos até descobrir que, se a Audi fosse pagar por todo aquele espaço conquistado na televisão e nos jornais, o gasto teria sido em torno de US$ 1,5 milhão".

Além de toda a exposição, o evento também marcou o lançamento da "Audi Magazine", revista personalizada que ainda é publicada pela marca.

Crash test do Audi A6 no Salão do Automóvel de 1995 - Divulgação - Divulgação
Crash test foi o primeiro (e até hoje único) realizado em local aberto ao público
Imagem: Divulgação

É um pássaro?

O Salão de 1998 tinha como grande atração o TT, cupê esportivo desenhado por J. Mays, Freeman Thomas e um tal de Peter Schreyer, que se tornaria um astro do design automotivo após criações como esta.

Pois um exemplar dessa primeira geração foi transportado para o local do evento de helicóptero, devidamente amarrado em uma plataforma içada pela aeronave. Dessa vez, a ideia não foi de Charles, mas ele foi responsável por viabilizar a façanha.

"Foi uma ideia do Leonardo. O carro saiu do Campo de Marte e foi para o Anhembi. Foi um percurso relativamente curto, mas rendeu boas imagens e fez bastante sucesso", relembrou.

Do carro para poucos ao teste para todos

Com Charles, a Audi continuou fazendo ações ousadas nos anos seguintes. Foram elas que contribuíram para a marca alemã se consolidar na liderança do segmento premium, que veio muito antes das previsões iniciais. 

Com o sucesso, a família Senna ficou no comando até 2005, quando a Senna Import foi extinta após a matriz Audi AG perceber que era momento de assumir as operações no país.

Se os Senna se foram, Charles permaneceu na empresa.

E permaneceu criando. Foi dele a ideia de causar a colocar um preço estratosférico em um carro da marca, para demarcar o terreno da exclusividade. Assim surgiu o R8 GT Spyder de R$ 1 milhão, em 2011.

"A Audi já havia definido que o R8 custaria R$ 980 mil, mas achei que seria impactante chamá-lo de 'o carro de R$ 1 milhão'. Foi então que sugeri ao (Paulo Sérgio) Kakinoff, presidente da Audi na época, reajustar o preço do R8. Ele não só aprovou a ideia como devolveu a diferença de dinheiro para os clientes que já haviam comprado seus carros".

Das ações mais inusitadas, uma repercutiu demais durante o Salão do Automóvel de 2012. A Audi foi a primeira fabricante na história da feira brasileira a oferecer a prática do test-drive de vários modelos de sua linha, incluindo o superesportivo R8, para o público.

Charles Marzanasco Audi - Renato Bueno/Abiauto - Renato Bueno/Abiauto
À direta na imagem, Charles Marzanasco recebe prêmios da Abiauto (Associação Brasileira da Imprensa Automotiva), em 2015, pelos lançamentos do Audi A3 Sedan e do Audi TT
Imagem: Renato Bueno/Abiauto

Qualquer pessoa podia se inscrever para dar uma volta num dos bólidos da marca -- até mesmo no supercarro de mais de R$ 1 milhão, bastando ter uma CNH válida.

Resultado: filas de interessados se formaram nos dias de evento. Até o craque Neymar Jr. se interessou, levando o R8 GT Spyder do Pavilhão do Anhembi, em São Paulo (SP), até Santos, onde morava na época. Só quem se antecipou ao público e ao jogador foi UOL Carros, que dirigiu o conversível de 657 cavalos um dia antes do evento, não sem emoção. 

"O carro não tem placa brasileira, veio só com a placa alemã, então toma cuidado se aparecer algum policial, ok?", nos informou Charles, à ocasião, com sua típica risadinha marota. Nosso teste foi feito no trajeto do Caminho do Mar, em São Bernardo do Campo. Nenhum policial apareceu, para nossa sorte (não vamos revelar a velocidade obtida).

Test-drive da Audi no Salão do Automóvel - Divulgação - Divulgação
Ação de test-drive foi a primeira realizada durante um Salão do Automóvel
Imagem: Divulgação

Fim da estrada

Esse tipo de test-drive foi repetido na edição de 2014 e foi tão algo tão bom que acabou replicado pela organização do próprio Salão do Automóvel a partir de 2016, quando a feira passou a ser realizada no São Paulo Expo.

"Essa ideia surgiu em 2002, quando fiz algo parecido só com alguns jornalistas, que puderam sair do Salão com um conversível". Genial há 16 anos, virou lugar-comum de evento automotivo.

Charles permaneceu na Audi até o começo deste ano, quando se despediu da empresa após o lançamento do RS 3 Sedan no Brasil, com seus 400 cv.

Atualmente presta serviços de consultoria e assessoria para clientes dentro e fora do setor automotivo -- Charles é um dos profissionais responsáveis pela imagem do piloto brasileiro Lucas di Grassi, por exemplo. Mas sua imagem sempre estará associada à Audi, onde ousou e inovou por 24 anos.