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Brasil pode ser último grande mercado com veículos diesel que poluem mais

Caminhão emite fumaça preta na altura dos pedestres, em São Paulo - Apu Gomes/Folhapress - 27.2.2014
Caminhão emite fumaça preta na altura dos pedestres, em São Paulo
Imagem: Apu Gomes/Folhapress - 27.2.2014

Cristiano Façanha*

Do International Council on Clean Transportation

24/05/2018 15h50

Estudos mostram que, só na cidade de São Paulo, veículos menos limpos resultarão em 180.000 mortes prematuras até 2050

O Brasil poderá ser o último dos grandes mercados automotivos sem padrões equivalentes ao Euro 6 para caminhões e ônibus. As emissões de poluentes de veículos novos são controladas através de padrões regulatórios que exigem limites cada vez mais rigorosos, e o Euro 6 (padrão para veículos vendidos na União Europeia) é o mais atual, rígido e "mais limpo" até agora no mundo.

A maior parte das grandes cidades brasileiras não atendem às recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde), e o Euro 6 contribuiria muito para diminuir a poluição local. Caminhões e ônibus são alvos efetivos para o controle de emissões, pois representam menos de 5% da frota rodoviária brasileira, mas são responsáveis por aproximadamente 90% das emissões de poluentes (particulados e NOx) que pioram a qualidade do ar urbano e impactam negativamente a saúde humana. 

Todos os grandes mercados automotivos -- Estados Unidos e Canadá (15,8% de participação nas vendas globais de pesados), Europa (9,2%), Japão (8,2%), Índia (7,3%), Coreia do Sul (2,9%), Turquia (2,4%) e México (1,2%) -- já adotaram padrões equivalentes ao Euro 6, e a China (20,2%) propôs padrões para implementação em 2020. Algumas cidades da América Latina, incluindo Santiago (Chile) e Bogotá (Colômbia), já se comprometeram com ônibus urbanos Euro 6, e mais cidades provavelmente seguirão seu exemplo. 

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Hoje quase 40% dos veículos pesados novos vendidos mundialmente já atendem aos padrões Euro 6, o que aumentará para mais de 65% após sua implementação na China, Índia e México (assumindo que a contribuição relativa de cada país às vendas mundiais permaneça constante).

O Euro 6 é umas das políticas públicas mais importantes para o combate à poluição local e proteção à saúde pública. Com os limites mais rigorosos vigentes no mundo, por exemplo, o Brasil reduziria as taxas de emissão para particulados e NOx em quase 90% comparado às taxas do padrão PROCONVE P-7 atualmente vigente.

Além disso, o padrão Euro 6 é bem mais efetivo na redução das emissões no mundo real, e solucionaria os problemas com a inadimplência do ARLA-32 caso bem implementado.

Adoção do Euro 6 (menos poluente)

+ China: 2020 (proposto)
+ EUA e Canadá: 2007 (MP) e 2010 (NOx)
+ Europa: 2013
+ Japão: 2010 (MP) e 2016 (NOx)
+ Índia: 2020
+ Coréia do Sul: 2014
+ Turquia: 2016
+ Brasil: 2023 (proposto)
+ México: 2021

Olhe a tabela acima, sobre adoção de padrões menos poluentes para motores a diesel. O Brasil já tomou os primeiros passos para um padrão equivalente ao Euro 6, proposto como PROCONVE  P-8. Em fevereiro de 2017, a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) anunciou novas fases do PROCONVE, começando com veículos pesados em 2019. O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) publicou uma proposta para comentários públicos com implementação proposta para 2023, um atraso de quatro anos sobre a data original. Os próximos passos regulatórios não estão claros, mas esperamos que uma proposta revisada seja discutida no Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).

Tal atraso de quatro anos na implementação do P-8 resultaria em 10.000 mortes prematuras. Tal atraso também é desnecessário já que o Brasil já criou a fundação para o padrão Euro 6, incluindo acesso ao diesel  S-10 (10ppm) e ARLA-32.

Menos mortes, menor perda de dinheiro

Assumindo a equivalência ao padrão Euro 6, o P-8 também é uma das políticas públicas mais "custo efetivas" que o Brasil poderia adotar para o controle da poluição local, e que resultaria em grandes benefícios para sociedade. Custos tecnológicos de equipamentos de controle de emissões avançados aumentariam em menos de 2%, mas os benefícios econômicos oriundos de menos mortes prematuras compensariam seus custos em uma razão de 11 para 1.

Especificamente, o P-8 também evitaria aproximadamente 74.000 mortes e geraria benefícios econômicos líquidos na ordem de US$ 67 bilhões ao longo de 30 anos.

Se todos os grandes mercados automotivos já avançaram ao Euro 6, o Brasil já criou a fundação para sua implementação, e tais padrões são "custo efetivos" para a sociedade, qual a razão para o atraso?

A indústria automotiva brasileira é a principal responsável pelo atraso, argumentando que custos locais para o cumprimento do novo padrão são muito maiores que em outros países, e que precisam de tempo adicional para se enquadrarem. Todavia, suas matrizes internacionais já produzem veículos Euro 6 nos EUA, Europa, Japão, Coreia do Sul, e Turquia, que representam quase 40% das vendas mundiais de veículos pesados.

Algumas montadoras brasileiras até já produzem veículos Euro 6 para exportação, inclusive para o Chile. Parece que a indústria automotiva vê o Brasil como o último mercado para tecnologias defasadas para suprir os mercados que ainda não exigem motores Euro 6. E os pulmões brasileiros pagam o preço no meio tempo.

Ônibus hibrido de teste em SP - Jorge Araujo/Folha Imagem - 23.09.2004 - Jorge Araujo/Folha Imagem - 23.09.2004
Eventualmente todos os ônibus de São Paulo deverão ser elétricos ou movidos a combustíveis de baixo carbono
Imagem: Jorge Araujo/Folha Imagem - 23.09.2004

Iniciativas locais já pedem Euro 6

Políticas locais no Brasil, porém, estão assumindo a liderança na implementação do Euro 6, apesar do atraso nas discussões nacionais. São Paulo precisará da tecnologia Euro 6 para cumprir com os alvos de redução de emissões (material particulado e NOx) para ônibus urbanos exigidos por sua própria "Lei do Clima".

Eventualmente todos os ônibus da cidade de São Paulo deverão ser elétricos ou movidos a combustíveis de baixo carbono -- para atender aos alvos de CO2. Ônibus com baterias elétricas já são mais "custo efetivos" que a tecnologia diesel, e os custos provavelmente baixarão com um maior volume de produção. Todavia, antes de sua comercialização em larga escala, a tecnologia elétrica necessita superar algumas barreiras iniciais, tais como uma maior capacidade produtiva nacional, infraestrutura de recarga, e modelos de negócio mais transparentes para financiamento e operação de ônibus urbanos.

Até que os ônibus elétricos estejam mais maduros, o Euro 6 será um marco intermediário até a eventual transição para ônibus com emissão zero de escapamento. Um estudo recente estimou que somente as emissões de ônibus urbanos em São Paulo resultaria em 180.000 mortes prematuras até 2050 caso os ônibus não fiquem mais limpos. A tecnologia Euro 6 é certamente a maneira mais rápida e "custo efetiva" para diminuir tais impactos à saúde. Caso as agências reguladoras não queiram essa poeira extra nos pulmões brasileiros, eles deveriam aprovar e implementar o P-8/Euro 6 imediatamente.

Mesmo que hajam atrasos na implementação nacional do Euro 6, montadoras devem ter a habilidade e flexibilidade para produzir veículos Euro 6 antes do calendário nacional para o atendimento à "Lei do Clima" de São Paulo.

Cristiano Façanha é engenheiro com 15 anos de experiência no setor de transportes. Este texto é uma adaptação do artigo original publicado no ICCT