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O mundo mudou? Puxadas por Karol Conka, mulheres tomam comerciais de carro

Mercedes-Benz Karol Conká - Reprodução - Reprodução
Karol Konká e Mercedes CLA: "Se o objetivo das marcas é atingir um grande público, é importante lembrar que ele é composto por diversidade"
Imagem: Reprodução

Daiana Dalfito

Colaboração para o UOL, em São Paulo (SP)

19/10/2017 11h00

Em 2015, o Think Eva (Núcleo de Inteligência do Feminino) fez um estudo para compreender a relação entre as mulheres e a mídia. Os resultados apontaram que 70,2% das entrevistadas achavam que o mercado automotivo devia falar mais e melhor com elas. Parece que chegou a hora: curiosamente (ou não) no mesmo momento, diferentes marcas -- como Mercedes-Benz Automóveis, Volkswagen Caminhões e até Renault -- apostam na mulher como protagonista de suas campanhas e, com isso, bombam nas redes sociais e nos comentários da vida real.

A rapper Karol Conka é a estrela de dois vídeos da versão brasileira da campanha "Grow up" ("crescer", mas também no sentido de pensar diferente, de "amadurecer" enquanto pessoa), da Mercedes-Benz. Nos EUA, a campanha se vale de um homem, o também rapper A$AP Rocky: em comum, as peças têm a linguagem jovem (para atrair pessoas de 20 a 30 anos -- diferente dos consumidores mais tradicionais da marca alemã), o uso de artistas negros e a explosão de acessos no YouTube (cada vídeo soma mais de 500 mil views lá e cá -- o mais recente deles abre a reportagem, mas também pode ser assistido clicando aqui).

Karol Conka vê a iniciativa como algo muito positivo e aponta que essa mudança de postura fortalece também o feminismo e sua busca por representatividade.

"Levar informação para as pessoas abre um campo de empatia. Elas enxergam que existem outros mundos, outros costumes. Se o objetivo das marcas é atingir um grande público, é importante lembrar que ele é composto por diversidade, logo a representatividade tem que ser justa e ampla", afirma a rapper a UOL Carros.

Evandro Bastos, gerente de marketing da montadora, também explica que a trajetória de Karol também era adequada àquela do público "batalhador, que valoriza o sucesso, o crescimento e a evolução", tão característico do Brasil: "As pessoas estão buscando uma identificação, que vem através de valores. A mudança de padrões na publicidade abre margem para entender o que o público quer e, assim, podemos nos aproximar dele de uma forma mais aberta".

Todos são iguais!

Se a Mercedes procura atender aos novos valores da sociedade, a Volkswagen Caminhões (divisão da Man Latin America) acredita que isso não é uma tendência distante, mas um reflexo do mercado atual, mesmo num segmento ainda muito dominado pelo viés masculino/machista como o de caminhões.

É da VW Caminhões o segundo vídeo desta reportagem, que também pode ser assistido clicando aqui: o novo caminhão urbano de entregas da marca é dirigido pela "Cidade" (título da peça) não por um homem, mas por uma mulher. O comercial (incluindo até a trilha de fundo) tem um fator surpresa, que brinca com o senso comum e mostra que somos todos iguais, temos as mesmas habilidades e talentos -- podemos todos fazer as mesmas coisas, inclusive dirigir caminhões.

"Há um crescimento na contratação de mulheres em transportadoras, aumento que chega a 10%. Elas são mais cautelosas, preocupadas com as leis de trânsito e se adaptam mais rapidamente", afirma o gerente de marketing da VW, João Hermann.

"A campanha quer mostrar a realidade e quebrar a ideia de que para dirigir um caminhão você precisa ter o braço forte, apresentando as facilidades dessa nova linha", diz o executivo. 

Há ainda a decisão da Renault: a marca vai reforçar sua presença em redes sociais e em comerciais com um realce mais "popular". UOL Carros apurou que a cantora Anitta será anunciada, em breve, como nova embaixadora de produtos, ao lado da atriz Marina Ruy Barbosa -- de quem já falamos por aqui. Embora a empresa tenha se negado a dar detalhes oficiais, o objetivo parece claro: se a atriz é vista ao lado de modelos mais caros, a funkeira vai reforçar o apelo de modelos mais em conta, como o Renault Kwid, que a Renault quer manter no topo da lista de mais vendidos.

Todos são iguais?

"Queremos mostrar que a vida deve ser escolhida e vivida com liberdade e sem preconceitos", diz Evandro Bastos, da Mercedes, ao explicar o mote da campanha que Karol Conka estrela. Mas isso realmente indica mudança?

Historicamente voltado para o público masculino, o setor automotivo parece ter acordado e entendido que mulheres são consumidoras e desejam se ver representadas. Mas o machismo que a gente vê, por exemplo, na diferença dos salários entre mulheres e homens (elas ganham 23,6% menos que eles, segundo o IBGE) está presente na estrutura de nossa sociedade e vem sendo alimentado pela publicidade durante boa parte de sua história -- basta lembrar de propagandas mais antigas, e mesmo de algumas recentes, de cerveja, roupas e mesmo de carros.
 
É, portanto, um problema ainda real.
 
Há quem acredite que a escolha de uma mulher de discurso contundente, nada tem de alinhamento militante. A Mercedes foi consciente em escolher e retratar Karol Conka como protagonista que quebra paradigmas, não como objeto. Mas ainda assim fala com apenas com uma camada rica dos consumidores.

"Ainda que seja uma mulher negra, que canta rap e vem da periferia, ela está muito associada a esses signos de poder econômico. É importante dizer que se você investir em seus sonhos, vai conquistar tudo o que desejar, mas é preciso cuidado com a pressão social para o enriquecimento", acredita a socióloga Wânia Pasinato, assessora do USP Mulheres.

Pasinato pondera que os ecos da propaganda poderão ser ouvidos pelos fãs e, principalmente, pelas fãs da artista com uma leitura positiva: a mulher assume [a situação], é a dona do carro e não um brinde sensual de quem tem o carro. Mas há também com uma leitura negativa: a supervalorização do "ter".

Ela também analisa o vídeo da Volkswagen para sua linha Delivery, de caminhões leves. Segundo a socióloga, a peça publicitária quebra paradigmas ao colocar, de fato, a mulher em um cenário masculino típico, mas sem que seja um "objeto", nem de uma forma sensual.

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Comercial ainda é só comercial

Se o feminismo contemporâneo se firmou na década 1960, ganhou mais fôlego nos últimos anos graças à internet e às redes sociais. Em consequência, algumas ações (da vida e do marketing) antes vistas como "normais" passaram a ser questionadas e combatidas.

Mariana Cordeiro, líder de projetos do Think Eva, esclarece que a publicidade não é apenas reflexo do que vivemos, ela também cria noções e padrões. Se antes serviam para oprimir mulheres, negros, gordos etc., agora podem romper com essa lógica e fazer o diálogo acontecer. Mas também faz ressalvas à visão de que o uso de mulheres como protagonistas fortes em comerciais pode ser vista como vitória do feminismo

"Os tempos estão mudando, que bom que estão! Mas é importante que as marcas compreendam que elas não podem ver o feminismo como uma causa conveniente para suas estratégias. O feminismo deve ser um compromisso inegociável, tratado com seriedade e responsabilidade”, conclui Cordeiro.