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Como a Kia perdeu chance de ser o que a Hyundai é hoje no Brasil

Família Rio, prometida há três gerações, é exemplo de metas que Kia não conseguiu cumprir - Divulgação
Família Rio, prometida há três gerações, é exemplo de metas que Kia não conseguiu cumprir
Imagem: Divulgação

Leonardo Felix<br>Eugênio Augusto Brito

Do UOL, em São Paulo (SP)

03/07/2017 08h00

Nos 25 anos da marca no Brasil, UOL Carros lista altos e baixos e sucessão de oportunidades perdidas

Em 25 anos de Brasil, completados na última semana, a Kia sempre deu a impressão de que estava prestes a engrenar. Primeiro foi com a van Besta, nos anos 90, depois com a forte ascensão no segmento de carros de passeio, no fim dos anos 2000.

No entanto, uma série de reveses, provocados tanto por viradas do cenário econômico geral quanto por problemas internos, impediu a fabricante de criar por aqui uma estrutura que a permitisse ser, de modo consistente, uma das dez (quiçá cinco) marcas mais importantes do país em volume de vendas.

UOL Carros relembra agora a trajetória da marca no país, marcada sempre por altos e baixos e imbróglios (econômicos, políticos ou jurídicos) que culminaram em perda de diversas oportunidades.

1. Chegada, Besta e primeiras crises

Junho de 1992. Aproveitando a abertura de mercado promovida pelo governo de Fernando Collor, a Kia ingressou no Brasil a partir de um contrato de representação oficial com o empresário paulista José Carlos Gandini.

A primeira aposta foi em veículos comerciais: a família de vans e furgões Besta puxou a fila, trazendo consigo os caminhões leves Ceres e K3500. Na época, 16 pontos de venda foram criados.

A boa procura fez com que o grupo Gandini criasse uma linha de montagem CKD para a Besta na zona franca de Manaus (AM), num primeiro sinal de que a marca se tornaria uma potência no país. Porém, faltou planejamento e "bala na agulha" para segurar os custos. A operação acabou abortada depois de apenas dois anos.

Nesse ínterim, em 95, o grupo iniciou a importação de automóveis de passeio, com o Sportage.

Parecia ser outro sinal de crescimento, mas dois fortes problemas -- um envolvia a matriz, que passava por grave crise financeira que limitava o desenvolvimento de novos produtos; o outro estava ligado à Economia brasileira, que viva fase bastante turbulenta -- fizeram a Kia enfrentar anos de estagnação e, depois, queda forte nas vendas.

O fundo do poço foi alcançado em 2004, quando a marca vendeu menos meros 2.221 veículos no país ao longo de todo o ano.

2. Soul marca fase de bonança

A reestruturação começou em 2005 e, ali, parecia enfim que ninguém seguraria a Kia. A Besta saiu de linha e, com ela, o importador oficial -- José Luiz Gandini, filho de José Carlos -- iniciou uma expansão gradual do portfólio de carros de passeio.

Foi a partir dessa época que a gama da marca passou a cobrir quase todos os segmentos, com destaques para o subcompacto Picanto, o crossover Soul (referência da marca em relação ao estilo) e o SUV médio Sportage.

O auge veio em 2011, quando a montadora emplacou mais de 77 mil carros e alcançou o número recorde de 180 concessionários. O grupo Gandini passou a investir forte em publicidade nas novelas de horário nobre da Globo (onde era comum ver os protagonistas rodando em carros da marca coreana) e no futebol (patrocinou o Palmeiras em 2012).

3. Adeus ao sonho da fábrica 

Tudo levava a crer que o próximo passo seria construir uma fábrica local e, definitivamente, consolidar a operação como uma das maiores do país. "Eles [a matriz na Coreia do Sul] tinham interessem em fazer a fábrica. Se seria em operação 100% deles ou se eles me chamariam para ser sócio eu não sei, mas o interesse existia", contou Gandini a UOL Carros.

Modelo para montar aqui a marca até já tinha: a família de compactos Rio, que inclusive recebe o nome de nossa cidade turisticamente mais famosa. Tudo soava como um plano perfeito.

Por que o projeto nunca foi concretizado? O que pegou, dessa vez, foi uma forte pendência com a Justiça. A Kia vivia uma árdua batalha judicial para tentar se livrar de uma dívida de R$ 2 bilhões acumulada pela Asia Motors nos anos 90, fruto de incentivos fiscais concedidos para a suposta construção de uma fábrica, em Camaçari (BA), que nunca saiu do papel.

Ocorre que a Kia comprou a Asia Motors depois do calote e, como sua nova proprietária, acabou sendo incluída no processo aberto pelo Ministério da Fazenda. Na prática, o governo tentava fazer a Kia pagar o que a Asia Motors devia.

Em 2013 o STF decidiu que a fabricante não deveria responder por dívidas contraídas pela Asia antes de virar propriedade da Kia, mas já era tarde: a fábrica que deveria vir para o Brasil foi parar no México, e por aqui o grupo Hyundai-Kia preferiu apostar numa operação oficial da Hyundai, que hoje é responsável por produzir localmente a família HB20 e o SUV Creta, flertando para estar entre uma das quatro maiores marcas do país.

Curiosamente, o processo pedindo o pagamento dos R$ 2 bilhões ainda corre e, segundo Gandini, segue dando dor de cabeça. "Achávamos que estávamos livres, mas esse caso continua dando problema até hoje. Tenho um advogado no Rio de Janeiro que cuida disso para mim", disse o representante da marca, que não quis entrar em detalhes sobre as pendências.

Como está a eterna promessa Rio

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4. Kia encolhe e HB20 desbanca Picanto

Com outro baque, o do Inovar-Auto, que passou a limitar as importações a uma cota máxima de 4.800 unidades ao ano sem a aplicação de 30 pontos percentuais de IPI, restou a Gandini ajustar as operações à nova realidade.

"De lá para cá eu perdi 80 pontos de venda", lamentou o empresário, que afirma só não ter reduzido o número para baixo de 100 lojas porque quer garantir uma estrutura mínima para retomar o crescimento após o fim da sobretaxa de importação, prevista para janeiro de 2018.

"Estamos sobrevivendo de teimosos", enfatizou.

O resultado de tudo isso é que, enquanto globalmente a Kia é responsável por cerca de 40% do volume de comercializações do grupo, no Brasil o percentual foi de meros 5% em 2016 (10.779 veículos emplacados ante 197.850 da coirmã), e deve ser ainda menor este ano.

Irônico pensar que foi o Picanto quem trouxe o primeiro motor 1.0 3-cilindros ao país, mas que é o HB20 que, com esse mesmo propulsor, hoje está consolidado como segundo carro mais vendido de nosso mercado, enquanto o primo praticamente sumiu do ranking.

5. De olho na retomado com Rio

A esperança de Gandini é sair de mais esse buraco a partir do ano que vem, fazendo a participação da marca subir de 0,4% para a faixa de 1% a 2% novamente. É claro que tal recuperação dependerá de como ficará o mercado em meio a um cenário econômico e político tão turbulento.

Mesmo que tudo ocorra dentro dos prognósticos mais otimistas, Gandini sabe que o bonde das oportunidades parece não ter mais horário para passar de novo. "Com a fábrica do México as chances [de um complexo de produção no Brasil] acabaram", admitiu.

Ou seja: não será tão cedo que veremos a Kia criar o alicerce de vender e fazer seus carros no Brasil. Esse papel, hoje, já está ocupado (e muito bem) pela própria Hyundai.

À Kia resta acreditar no desempenho de modelos como a nova família Rio (compactos), Cerato (contando com hatch e sedã médios) e com um renascimento do Sportage. Ainda assim, vai depender das intempéries de um país com economia pouco previsível.

Para esta terça-feira (30), UOL Carros preparou uma lista com os cinco carros mais importantes em 25 de Kia no Brasil. Não perca.