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Marcas chinesas seguram clientes com pós-venda e esperam por retomada

Chery foi única chinesa a erguer fábrica no Brasil, mas Cielo foi vendido por pouco tempo - Murilo Góes/UOL
Chery foi única chinesa a erguer fábrica no Brasil, mas Cielo foi vendido por pouco tempo Imagem: Murilo Góes/UOL

Alessandro Reis

Colaboração para o UOL

11/04/2017 08h00

Com rede diminuta, remanescentes Chery, JAC e Lifan tentam garantir entrega rápida de peças e valorizam usados na revenda

Quando chegaram ao Brasil, em 2009, as marcas chinesas agitaram o mercado nacional ao oferecerem carros bem equipados com preços muito acessíveis e garantia longa. A "era de ouro" foi o ano de 2011, ano de estreia da JAC, que ficou conhecida pelo mote usado no comercial com o apresentador Fausto Silva: o termo "completão" passou a representar quase todo modelo "made in China". Passado o auge das asiáticas, algumas marcas desapareceram, outras cancelaram planos de expansão e quem ficou aposta forte no pós-venda para segurar os poucos clientes, enquanto a maré não volta a melhorar. 

Chery, Effa, Lifan, a própria JAC, MG (marca inglesa com direitos comprados por um grupo chinês), Chana (depois renomeada para Changan), Rely e Geely foram marcas que celebraram boas vendas no auge da "invasão chinesa". Outras ainda chegaram a operar de forma diminuta, como Haima e Brilliance, enquanto algumas ficaram só na sondagem, caso da Great Wall.

Com política agressiva e garantia longa foram suficientes para assustar montadoras com tradição no país e ajudar a compensar, ao menos em parte, desconfiança e preconceito do consumidor. As vendas cresceram, empresas como JAC e Chery anunciaram planos de construir fábricas próprias no país, mas o cenário de bonança mudou em setembro de 2011, quando o governo federal anunciou sobretaxa de 30% do IPI para veículos importados que ultrapassassem a conta de 4.800 unidades/ano para cada marca.

Com o protecionismo às marcas locais, as vendas de diversos importadores despencaram, mas quem mais sentiu foram as fabricantes chinesas. Tudo se agravou com anúncios de testes de segurança (que não pegaram apenas as marcas chinesas, é verdade) e, sobretudo, com a crise econômica, que pegou geral no Brasil a partir de 2015.

Como resultado, a Geely anunciou o fim "temporário" das suas operações locais há cerca de um ano. A JAC mantém até hoje engavetado o projeto de fábrica para 100 mil carros/ano em Camaçari (BA), apesar do investimento anunciado de R$ 1 bilhão. E a Chery, única chinesa a conseguir erguer sua fábrica local, produz muito, mas muito abaixo da capacidade de 150 mil unidades/ano.

+ Em 2014, a Chery entregou 9.547 carros; a JAC vendeu 8.417 no período

+ Em 2016, a Lifan foi a chinesa com melhores resultados: 3.412 unidades

+ De janeiro a março de 2017, a JAC emplacou 800 unidades 

JAC J5 de Valter Efraim - Alessandro Reis/UOL - Alessandro Reis/UOL
Valter Efraim diz que nunca teve problema com JAC e elogia valorização de usado
Imagem: Alessandro Reis/UOL

(Auto)Valorização do usado

Com altos e baixos, os carros chineses já fazem parte da realidade brasileira e provavelmente o leitor conhece alguém que tem ou tenha tido um automóvel dessa procedência. UOL Carros procurou clientes que estão há todo esse tempo com carros chineses para perguntar: quase dez anos após a estreia dos primeiros modelos, como estão pós-venda, disponibilidade de peças e garantia oferecida pelas marcas no cenário atual?

Lembramos que a garantia para alguns modelos chega a seis anos na JAC Motors, até cinco na Chery, três na Lifan (cinco para motor e câmbio) e três para a Geely. Vamos às histórias:

O motorista Valter Efraim comprou seu primeiro JAC J3 lá em 2009, zero-quilômetro, seduzido pelos comerciais com Faustão. Em 2010, com apenas 10 mil km rodados, decidiu migrar para o sedã J5, maior e mais caro. Pesou a favor a boa valorização que o J3 seminovo recebeu na concessionária, a mesma onde tinha feito a compra inicial. Após três anos e quase 70 mil km rodados, pegou outro J5, com o qual está até hoje. Todos os negócios foram fechados na mesma revenda, em São Paulo (SP).

"Acho que dei sorte. Nenhum dos três carros deu problema. Sempre faço as revisões na concessionária, seguindo os prazos recomendados no manual do fabricante e até agora não tive nenhuma dor de cabeça. Nas revisões, pego o carro de volta no outro dia, no máximo", afirma Efraim, que elogia também a valorização do usado na hora da troca.

Foi esse um dos apelos que também fez a economista analista Elcione Couto ficar fiel à JAC. Ela comprou um J3 Turin (o sedã) zero, trocou por outro e há cerca de um mês se tornou a proprietária de um T5 automático (leia aqui avaliação do modelo). "Quando vi o Jeep Renegade, fiquei apaixonada e logo pensei em comprar um. Fui na concessionária da marca, mas queriam pagar só R$ 19 mil no meu J3 Turin 2013, com cerca de 50 mil quilômetros. Além disso, achei o preço do Renegade muito acima do que o carro entrega. Acabei voltando na JAC, onde havia adquirido os dois J3 Turin, ofereceram um preço bem melhor no meu usado e fechamos negócio, mais uma vez", relatou.

Ela se diz satisfeita: "No começo, levava muito tempo para agendar as revisões, agora normalizou. Meu primeiro JAC também teve um problema no freio de mão, que não travava, mas acabou sendo reparado. Estou feliz também com o T5, é adequado para as minhas necessidades e não vejo sentido em pagar mais pelo carro".

Lifan 320 Maurício Sanches - Reprodução/Arquivo pessoal - Reprodução/Arquivo pessoal
Maurício Sanches tem um 320, que não é mais vendido: espera por peças é maior em centros distantes de SP
Imagem: Reprodução/Arquivo pessoal

Satisfeito ontem, apreensivo amanhã

O que ocorre quando um modelo ou mesmo toda uma marca somem?

Maurício Sanches, servidor público, é dono de um Lifan 320, aquele clone do Mini Cooper que já não é mais vendido no Brasil -- atualmente, a marca vende como carros de passeio apenas o SUV X60 (chinês mas vendido do país) e o sedã 530.

Sanches o comprou como o 320 zero-quilômetro em 2012 e, desde então, levou o carro para as três cidades onde morou, por conta do trabalho: Brasília (DF), João Pessoa (PB) e Taquara (RS), onde reside atualmente. Por conta dessa movimentação, teve dificuldades.

"Meu 320 está com 40 mil quilômetros, é meu primeiro carro chinês. Tive receio de comprar por causa dos outros falando que não era um bom negócio, mas eu gostei muito do carro e não me arrependo. O pós-venda em Brasília foi muito bom, mas, em João Pessoa, caiu bastante em qualidade", disse Sanches.

Não bastasse a percepção ruim quanto ao atendimento, a concessionária da Lifan na Paraíba fechou. "Sempre fiz as revisões em dia. Em Brasília, não faltavam peças, mas nos outros locais era preciso esperar elas virem de São Paulo", relatou. No Sul, o serviço também é mais demorado. Apesar dessas dificuldades, o cliente considera o atendimento da Lifan bom.

Já Rafael Motoie, administrador de redes, comprou em 2010 um Chery Cielo e até hoje está com o hatch, que soma, nesses sete anos de convivência, 90 mil km rodados. "Fiz as revisões em concessionária até quando pude, por volta dos 40 mil quilômetros. Apesar de ter ouvido reclamações de outros clientes por conta de falta de peças, eu não tive muitos problemas", apontou.

Como o Cielo deixou de ser vendido no país, Motoie se diz satisfeito, mas trocaria de modelo, se pudesse. "Não troquei até agora por conta da situação financeira", admitiu.

O jornalista Vinícius Dominichelli é o dono de um Geely GC2  que comprou em março do ano passado, zero-quilômetro. Um mês depois, foi pego de surpresa pelo anúncio do fim das operações da marca no Brasil. Agora, com 10 mil km no hodômetro do GC2, o jornalista também classifica como satisfatório o atendimento nas duas concessionárias que frequenta -- uma na capital, outra em São José do Rio Preto (SP) -- mas também faz ressalvas.

"Não me arrependo, mas hoje não compraria novamente, já que a Geely saiu do Brasil,e acho bem difícil que retorne a curto prazo. Tive um problema na caixa de direção com um mês de uso do carro, mas a concessionária foi muito rápida e em dois dias fez a troca, em garantia. O pós-venda deles é muito bom", afirma Dominichelli.

Apesar das qualidades -- o hatch é "completo e bem econômico, sem perder muito desempenho com o ar-condicionado ligado" -- a desvalorização de um carro de marca já inexistente passa a pesar. "No fim do ano passado, pensei em trocar de carro, mas me ofereceram apenas R$ 15 mil, metade do que paguei há um ano".

Lifan X60 - Reprodução - Reprodução
Lifan X60 é modelo chinês mais vendido no pais atualmente
Imagem: Reprodução

Marcas miram futuro e apostam no pós-venda

UOL Carros procurou ainda as quatro marcas citadas por clientes, sendo que apenas a Chery não respondeu.

Eduardo Pincigher, diretor de assuntos corporativos da JAC no Brasil, afirmou que 95% das peças requisitadas nas concessionárias são entregues em até 24 horas para cidades localizadas a até 500 km do centro de distribuição da marca, localizado em São Caetano do Sul (SP). Além disso, disse que a marca mantém seu compromisso com o atendimento a clientes e concessionários. Sobre a fábrica, que ainda não saiu do papel, o executivo afirma que estão de pé os planos de construí-la, ainda que sem cronograma definido.

"Primeiramente, precisamos aguardar a recuperação da economia como um todo, em especial do setor automotivo, que passa por uma crise profunda. Em 2009, estimava-se que neste ano a produção de veículos chegaria na casa das 5 milhões de unidades, mas o ano deve terminar com cerca de 2 milhões. Tem montadora que inaugura fábrica para operar com 5% da capacidade, outra que montou fábrica, mas ainda nem começou a produzir", argumentou.

A JAC ainda discute judicialmente com o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços a suspensão de multa pelo não-cumprimento do cronograma de construção da fábrica, cuja pedra fundamental foi lançada em 2012, na Bahia. Por conta do anúncio da fábrica, a JAC teve direito a vender uma determinada quantidade de veículos com benefícios fiscais e é este valor que o Ministério reclama de volta.

Luiz Zanini, diretor de marketing, respondeu pela Lifan. "É importante registrar que a Lifan Motors assumiu a operação de sua marca em outubro de 2012 e, desde então, iniciou um forte trabalho de recuperação dos clientes da marca, que foram abandonados pelo antigo importador. Naquele momento haviam cerca de 3.000 clientes Lifan no Brasil e muitos tinham problemas com falta de peças e de assistência para reparo dos seus veículos. Logo que assumimos a marca, fomos paulatinamente atendendo a todos e resolvendo todas as pendências", relatou.

Segundo o executivo, "apesar da recuperação da marca, a Lifan Motors também sofreu com a crise de 2015 e, claro, como todas as outras marcas que atuam no Brasil, também sofreu perdas, com lojas que fecharam e clientes que tiveram de procurar assistência em cidades próximas. É importante registrar que junto à sede brasileira da Lifan, em Salto (SP), está o centro de distribuição de peças, que atende 93% de todos os pedidos de peças de forma imediata".

Por sua vez, a Geely informa que, durante sua curta passagem pelo país, "colocou no mercado cerca de 1,5 mil unidades dos modelos GC2 e EC7 e chegou a ter 26 concessionárias, mas teve de recuar por conta da crise, do 'tarifaço' do IPI e da questão das cotas". A marca afirma também que o Grupo Gandini, ex-controlador da Geely no Brasil, "está comprometido a manter peças e serviços pelo período de cinco anos, a contar do término das operações locais da marca", em 2016.