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"Carro próprio" vai acabar, prevê especialista; estamos prontos?

Smart Car2Go: maior empresa do mundo em compartilhamento de carro, da Daimler, cobra aluguel por minutos utilizados; são mais de 1 milhão de usuários na Europa - Divulgação/Mercedes-Benz
Smart Car2Go: maior empresa do mundo em compartilhamento de carro, da Daimler, cobra aluguel por minutos utilizados; são mais de 1 milhão de usuários na Europa Imagem: Divulgação/Mercedes-Benz

José Rinaldo Caporal

Especial para o UOL

22/09/2016 10h44

A transformação de uma das maiores indústrias do mundo está logo aí. A posse do carro vai mudar e, quando isso acontecer, será um dos deslocamentos mais monumentais de riqueza que a economia mundial já viu.

Talvez o caminho para o segmento automotivo e da mobilidade será o de, ao invés de se concentrar no veículo ou no serviço como foco da marca, tornar-se fornecedor de uma máquina de branding -- uma ideia, uma solução que alavanca a marca. Nesse aspecto, carro será a plataforma na qual esta oportunidade se baseia.

Especialistas da indústria automotiva dizem que Tesla, Google e Apple serão as próximas empresas dominantes da mobilidade no mundo. E que Uber, Lyft, Gett e Didi significarão o fim da posse do carro tradicional como conhecemos.

Também dizem que os concessionários de veículos irão acabar nas mãos de sites de compra online, como Beepi, Carvana, Vroom e Shift. No entanto, vendas de veículos nos Estados Unidos estão nos maiores níveis de todos os tempos.

Consumo em alta... e financiado

Para colocar isso em perspectiva, os saldos de financiamento de veículos naquele país totalizam mais de US$ 106 trilhões (R$ 340 trilhões) em 2016. E olha que esse número não inclui o enorme mercado de leasing. Como no Brasil, os braços financeiros das montadoras nos EUA são conhecidos como bancos de varejo. 

No Brasil, a crise nas vendas é, na verdade, uma crise de financiamento. A escassez de crédito (a maioria dos tomadores tem alguma restrição) e os juros altos tornam difícil a negociação, agravada pela falta de confiança do consumidor no futuro da economia.

A China é exceção, um gigante onde só 26% dos veículos são financiados. Esse número era bem menor há alguns anos, o que significa que a direção é a mesma. 

Apesar de todo o discurso questionando (ou mesmo condenando) o papel do carro na sociedade contemporânea, a "geração Y" está comprando mais automóveis do que nunca. E as vendas, em todo o mundo, estão intrinsecamente ligadas ao mercado de financiamento.

Sem produtos de financiamento individuais, as vendas não acontecem.

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Barack Obama já deu sinal verde e incentivos para carros inteligentes nos EUA
Imagem: Daniel Mears/AP

Futuro autônomo... e compartilhado

Outro ponto de debate é o aparecimento da tecnologia de condução autônoma. Uber e Lyft querem carros que dirigem sozinhos para substituir seus motoristas o mais rápido possível. Gigantes como Volvo, General Motors e Apple têm gastado agressivamente para posicionar-se no cenário de mobilidade autônoma.

O programa "Drive Me", apoiado pelo governo sueco, é um bom exemplo desse cenário. Trata-se de um amplo modelo de mobilidade sustentável por meio de carros autônomos, que reúne Volvo, Agência Sueca de Transportes, Lindholmen Science Park (centro de pesquisas especializado, entre outros temas, em carros inteligentes) e a cidade de Gotemburgo.

O Grupo PSA também tem se posicionado como um importante ator mundial no campo dos veículos autônomos, onde já roda com protótipos na Europa. A estratégia da montadora é incluir conectividade como requisito para a condução autônoma do futuro, com a comunicação de veículo a veículo e de veículo à infraestrutura.

Pretende, ainda, lançar serviços de compartilhamento de carro em Los Angeles com as marcas Peugeot, Citroën e DS, em parceria com o Grupo Bollore, justamente para diversificar os serviços de mobilidade.

A Daimler, dona da Mercedes-Benz, foi a primeira a apostar nessa modalidade. Criou, em 2008, o serviço de compartilhamento Car2Go na Alemanha. O sistema está presente em dezenas de cidades de Europa, Estados Unidos, Canadá e China, e conta com 1,2 milhão de clientes.

Já imaginaram, no Brasil e no mundo, as manifestações de protesto dos motoristas de Uber contra carros com condução independente -- assim como hoje existem protestos de motoristas de táxi contra motoristas de Uber?

É inequívoco que há muito barulho em torno do futuro do transporte. Fato, todavia, é que o financiamento ainda move toda a indústria automotiva no mundo.

De quem será o carro?

Novos tipos de carros, como Tesla 3 ou Chevrolet Bolt, continuarão a surgir e serão anunciados como a mobilidade do futuro. No entanto, estes veículos inovadores vão ser consumidos na forma tradicional, por meio de financiamento pessoal. Mesmo porque os bônus do governo para carros elétricos nos EUA começam a diminuir em 2018 e acabam em 2020.

Este não pode ser o futuro da propriedade de um carro. Com a ascensão de empresas como Uber e Lyft, é claro que teremos de avançar em novos modelos de propriedade para apoiar o cenário do transporte de amanhã.

Na verdade, a Uber recebeu recentemente uma linha de crédito de US$ 1 bilhão liderada pelo Goldman Sachs, a fim de financiar novos contratos de locação de automóveis. Os próprios gestores da Uber (e de Wall Street) reconhecem a necessidade de uma maior flexibilidade com este negócio.

Outros produtos de acesso de veículos flexíveis, como Credit Link da Ford, um programa de leasing de veículos compartilhado, e Maven, aluguel de carros por demanda da GM (que já funciona de forma experimental no Brasil), nos dá um vislumbre de como será o futuro da propriedade de um veículo.

Contudo, estes modelos de produtos emergentes só serão bem-sucedidos com uma infraestrutura de tecnologia robusta. Se tivermos uma mudança de propriedade do veículo pessoal e das famílias, tal cenário vai exigir infraestrutura inteiramente nova de financiamento.

Disrupção tecnológica em música ou livro é uma coisa. Em finanças o processo é muito diferente. Regulação, posse do capital e risco sistêmico versus poder central e macroeconomia servem como uma camada protetora aos bancos.

Porém, se eles não se reinventarem correm o risco de virar utility/commodity com o grosso do valor agregado migrando para as empresas de tecnologia.

*José Rinaldo Caporal é consultor automotivo internacional e presidente-executivo da MegaDealer (consultoria especializada na distribuição de veículos).