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Venda para deficientes se limita a carros pequenos e exige paciência

Cerca de 50 milhões de brasileiros têm direito a desconto, mas a burocracia desmotiva - Zé Carlos Barretta/Folhapress
Cerca de 50 milhões de brasileiros têm direito a desconto, mas a burocracia desmotiva Imagem: Zé Carlos Barretta/Folhapress

Fernando Miragaya

Colaboração para o UOL

15/08/2016 17h35

A lista de doenças e necessidades especiais contempladas com abatimento do IPI e outras alíquotas na compra de um automóvel no Brasil não cabe nesta reportagem.

São cerca de 50 milhões de brasileiros que têm direito ao desconto previsto em Lei -- que pode chegar a 30% do valor do carro. Porém, poucas são as opções para quem quer um veículo maior. Com o limite de R$ 70 mil para se ter também o abatimento do ICMS, os compradores ficam restritos a veículos compactos, pois são raros os modelos médios e/ou SUVs que se enquadram nesse valor.

A médica Aline Affonso de Carvalho se viu dentro deste "limite". Com hérnia de disco cervical, ela tem direito a comprar carro com "desconto completo" (dos dois impostos), mas o desejo de comprar um Honda HR-V esbarra no preço -- custando a partir de R$ 78 mil, o utilitário fica além do teto estabelecido por lei. Neste caso, só se consegue o abatimento do IPI.

Só que Aline também teve restrições até para escolher a versão de seu Honda City. Ela queria a mais completa, EXL, que custa R$ 79.800, mas levou para casa a LX, que tem preço sugerido de R$ 69 mil. "Eu tinha uma versão EXL antes. Tive que piorar o 'nível' de equipamentos para poder utilizar o desconto e me enquadrar nos critérios”, lamenta.

Luis Pacheco da Silva, diretor de Vendas Corporativas e Seminovos - Divulgação - Divulgação
"Temos oferta para todos os modelos nacionais", afirma Luis Pacheco da Silva, diretor de Vendas Corporativas da Peugeot
Imagem: Divulgação

Falta de opções

Não tem muito para escolher também. Hatches médios até estão mais dentro da "realidade", mas quem quer um sedã médio, por exemplo, fica restrito a três modelos que têm versões até o limite de R$ 70 mil. Um é o Toyota Corolla GLI 1.8, o mais barato da linha, que custa R$ 68.740; o Citroën C4 Lounge, por sua vez, parte de R$ 69.990 na Origine com motor 2.0 flex e câmbio automático; já a Peugeot, recentemente, lançou uma configuração de entrada do 408 de olho nesse mercado, chamada de Allure Business, que custa R$ 69.990 (também 2.0 automático).

"Temos hoje oferta para todos os modelos nacionais. Nossas ações comerciais estão direcionadas a dar acesso a nossa linha de produtos com descontos especiais, além das isenções", explica Luis Pacheco da Silva, diretor de Vendas Corporativas e Seminovos da marca francesa.

A Hyundai Caoa também tratou de puxar o Tucson para baixo. Na linha 2015, o SUV ficou acima dos R$ 70 mil. O jeito foi lançar uma versão sem os bancos de couro e a central multimídia, por R$ 69.900, para não perder este filão do mercado.

A fabricante tem departamento específico para vendas e pós-venda para este segmento do mercado. Algumas concorrentes já fazem o mesmo: Peugeot e Honda, por exemplo, mostram áreas específicas dentro do site. Ao clicar, pode-se até ver o preço dos modelos com desconto.

Sandro Corrochano, diretor de Planejamento de Vendas da Caoa - Divulgação - Divulgação
Sandro Corrochano, da Hyundai-Caoa: "Temos parcerias com despachantes e cobrimos os custos para estimular clientes"
Imagem: Divulgação

Atendimento especial

Diversas revendas dizem que possuem vendedores treinados para este tipo de atendimento, assim como test drives específicos. Porém, como a burocracia para obter as isenções de impostos é grande, quase todas as lojas têm parcerias com despachantes para facilitar a vida do comprador.

Boa parte delas, inclusive, absorve o custo desses profissionais (em média, de R$ 600) para não perder o negócio. "Temos parcerias com despachantes e cobrimos os custos para estimular clientes. Muitos ficam perdidos devido à burocracia", reconhece Sandro Corrochano, diretor de Planejamento de Vendas do Grupo Hyundai-Caoa.

Mesmo com todo este aparato, conseguir comprar com os descontos não é tarefa fácil. Não bastasse papelada e tempo, muitas revendas ainda esbarram em um atendimento falho. A professora Elizabeth Ribeiro Corrêa, de Visconde de Mauá (RJ), percorreu algumas revendas em busca de carros com isenções, procurou marcas como Volkswagen, Toyota e Chevrolet e não teve boas experiências.

"Me disseram que existe um vendedor específico, mas acho que isso é desculpa. Percebi muito desinteresse das concessionárias para atender a gente", lamenta. Vendedores que não retornavam e outros que não explicavam os cálculos de desconto são algumas das queixas de Elizabeth.

A reportagem de UOL Carros também sentiu isto na pele. Por telefone, nos passamos por cliente com direito aos descontos e já de posse do documento da Receita Federal em mãos. Entramos em contato com sete revendas de São Paulo (duas da Toyota e uma de Citroën, Mitsubishi, Volkswagen, Chevrolet e Hyundai), mas só em duas o atendimento foi bom.

Na da Citroën, a vendedora foi paciente e não só falou sobre o processo de compra, mas também fez questão de elucidar todos os equipamentos do C4 Lounge. Na Hyundai, o vendedor foi bem didático e detalhista ao calcular o valor dos modelos -- inclusive de outros importados acima de R$ 70 mil que só abatem o IPI.

Elizabeth Ribeiro Corrêa, de Visconde de Mauá (RJ) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Elizabeth Ribeiro Corrêa percorreu algumas revendas em busca de carros com isenções e procurou marcas como Toyota, VW e Chevrolet, mas não teve boas experiências
Imagem: Arquivo pessoal

Demora

A boa notícia é que o abatimento no preço deixa qualquer carro que a gente considere os olhos da cara mais acessível. Principalmente entre os poucos sedãs médios disponíveis. Com o desconto de IPI e ICMS, por exemplo, o C4 Lounge cai de R$ 69.990 para R$ 54.655, mesmo preço do Corolla GLI.  Vale lembrar que o cliente também tem direito a isenção do IOF caso financie o carro. 

Só que depois da compra, lembre-se que é preciso mais paciência: muitos desses veículos não estão no catálogo, ou seja, ao fechar negócio a revenda envia o pedido para a fábrica e aí começa todo o processo de produção. 

Na Toyota, a vendedora nos deu prazo de três meses, enquanto na Citroën a entrega ficou para 50 dias. Na Hyundai, o tempo de espera foi estipulado em 25 dias. Sem falar na questão de adaptação do veículo, quando o carro tem de ir a uma empresa credenciada para fazer as modificações que atendem às necessidades físicas do comprador.