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Exemplo raro, Nissan usa negros para promover imagem no Brasil

Eugênio Augusto Brito

Do UOL, em São Paulo (SP)

20/11/2015 19h55

Salão do Automóvel de Los Angeles, novembro de 2015: a filial americana da Mercedes-Benz apresenta aos americanos a derivação esportiva de seu modelo mais vendido, o Classe C. Preparado pela divisão AMG, o Mercedes-AMG C 63 S Edition 1 (pintura em dois tons, rodas de 19 ou 20 polegadas, motorzão V8 biturbo de 475 ou 510 cavalos, freios de carbonocerâmica) foi apresentado pelo ator Tyrese Gibson, conhecido como Roman na saga "Velozes e Furiosos". Semanas antes, o agora tricampeão de Fórmula 1 Lewis Hamilton estreou websérie para ajudar a vender o novo SUV GLE Coupé no país. Além de piloto da Mercedes GP, o inglês amilton é garoto-propaganda da marca alemã não só nos EUA, mas no mundo, desde 2009 e alcançou feitos para a empresa que nem Michael Schumacher conseguiu. 

Se você ainda não entendeu a ligação entre Tyrese e Hamilton, vamos escancarar: são famosos, bem-sucedidos e, claro, conhecidos globalmente. Mas, antes de tudo, eles são negros. E estão longe de ser exceção quando prestamos atenção à industria automotiva global: o músico Will.i.am é embaixador da Lexus, marca de luxo da Toyota, que também usa atores e celebridades negras ao promover sua marca principal. Na General Motors, nascida em Detroit, até mesmo o chefão global de design, Edward Welburn, é negro e teve aparição em Hollywood

Agora faça um exercício mental e tente achar personalidades negras a serviço da indústria automotiva no Brasil. UOL Carros tentou e só achou exemplos mínimos, todos longe do volante.

Como estamos no feriado da Consciência Negra (a data oficial, 20 de novembro, marca a morte do líder do Quilombo de Palmares, Zumbi, há 320 anos), vamos apenas de ação afirmativa: a exceção honrosa é a japonesa Nissan, que está no país oficialmente desde 2000, abriu sua primeira linha de produção em 2001 (no Paraná, em conjunto com a parceira Renault) e a primeira fábrica própria em Resende (RJ), há ano e meio. 

Comitê de diversidade

Além de já ter contado com a presença do velocista jamaicano Usain Bolt, homem mais rápido do mundo e "embaixador global" do supercarro GT-R, em diversos eventos, a marca costuma usar atores negros em diversas campanhas, ainda que nenhum apareça guiando carros na mais recente delas, "Opa, chegou!", feita para promover a série especial Colors do compacto March, seu modelo mais vendido no Brasil. Calma, há crédito: o garoto-propaganda da marca é o humorista Marcelo Marrom, apelidado internamente de "Diretor Global de Excitement" (o termo significa agitação, entusiasmo).

Além disso, a marca promove ações sociais com crianças carentes no Estado do Rio, todas ligadas também aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos (para atletas com deficiências físicas) do Rio de 2016. E há, desde 2013, parceria com a escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, atividade que tem sua origem essencialmente ligada aos negros (a Mercedes-Benz tem ação parecida com a escola Rosas de Ouro, em São Paulo).

"Temos a diversidade como conceito básico de nossa operação no dia a dia", afirmou o diretor de Comunicação Corporativa da marca, João Veloso Júnior. Longe de qualquer jargão empresarial, a prática é levada a sério pela marca, que conta com um "Comitê de Diversidade" para definir ações internas e externas (como a definição sobre quem vai aparecer em campanhas e ações), bem como para coibir ou punir eventuais abusos. 

"Há até uma linha interna para denúncia de abusos dentro da empresa, já que a política para o preconceito é de tolerância zero", aponta o executivo. "O mundo é este caldeirão cultural que mistura tudo, então nossa empresa precisa respeitar isso. Basta ver nossa linha de CEOs, na qual o presidente global é brasileiro [Carlos Ghosn, chefão da Aliança Renault-Nissan], o vice-presidente sênior Hari Nada é japonês, mas tem origem brasileira", complementa Veloso.

Ainda não é possível medir um retorno comercial da ação afirmativa da Nissan, mas a marca é uma das poucas marcas generalistas a avançar em participação (ainda que timidamente) no mercado nacional este ano: de 2,17/2,18% em 2013 e 2014 para 2,47% este ano. "É difícil medir resultados, porque não é questão puramente comercial. Se você não tiver valores na cultura da empresa, soa falso ter apenas a publicidade", explica Veloso. "Quando isso está na cultura da empresa, você ajuda a trazer pessoas com boa mentalidade, que pensam que não pode haver discriminação de raça, de credo, de gênero, nem de jovens ou idosos".

Longa estrada

São boas ações da marca, mas o panorama do mercado é ruim: embora não haja números étnicos específicos da indústria automotiva, a participação de negros no mercado de trabalho (e, portanto, consumidor) cresceu em 2015. Dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) divulgados esta semana nos Estados de São Paulo e da Bahia (estado com maior predominância de negros e pardos no país) confirmam isso. 

No total, são cerca de 15 milhões de negros no país (mais de 7,5% da população) e mais de 43 milhões de pardos (descendentes de negros em mistura com outras raças, com 43%), segundo o IBGE, resultando no maior grupo étnico do Brasil. Na Bahia, a soma de ambos pode passar dos 80% de acordo com os indicadores. 

Ainda assim, negros não são enxergados (como reflexo, não são mostrados) como público consumidor pela indústria automotiva nacional. Longe de qualquer viés social, usando apenas a lógica capitalista, ignorar qualquer fatia de potencial público consumidor pode levar a perdas gigantes e até a suicídio comercial, tanto em tempos de maré alta, quanto de crise de vendas como a atual -- o país espera retração na casa de 20% a 27% até o final do ano, para pelo menos 2,8 milhões de unidades, ante 3,5 milhões de 2014. 

Nesta leitura e voltando ao tema que abre esta reportagem, ainda que não sejam exemplo em termos de convivência social, os EUA realmente dão aula: segundo o censo americano de 2014, os negros por lá são minoria, representam 13% da população, com quase 46 milhões de habitantes. Mas movimentam mais de US$ 900 bilhões anuais na economia daquele país e nenhuma empresa séria pode fechar os olhos a tal número. O mesmo vale para Europa, Japão e qualquer mercado, com qualquer etnia. É uma estrada bem pavimentada e usá-la é algo lógico: diversificar a imagem das marcas com expoentes de qualquer origem racial é o melhor e mais rentável caminho.

Editor de UOL Carros, Eugênio Augusto Brito é negro.