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Carro "verde" faz fãs no Brasil: quem dirige quer distância do carro comum

Leonardo Felix

Colaboração para o UOL, em São Paulo (SP)

13/02/2015 14h12

Cada vez mais comuns no exterior, os automóveis híbridos e elétricos ainda são raridade no trânsito brasileiro. Por aqui, poucos clientes tiveram contato com essas novas tecnologias de propulsão, mas quem experimentou não quer saber de voltar aos carros tradicionais -- com motores a combustão movidos a gasolina, diesel, flex (gasolina e etanol ou ainda combinado com gás natural veicular).

Foi o que UOL Carros constatou ao conversar com taxistas e proprietários particulares que andam com veículos "verdes" em São Paulo (SP) e Porto Alegre (RS).

Um deles é o motorista José Antonio Nunes, há dois anos responsável por rodar com um dos dez táxis Nissan Leaf -- 100% elétrico -- existentes na capital paulista. As unidades estão nas ruas em regime de comodato e fazem parte de um projeto da marca japonesa com a prefeitura local e a Adetax (Associação das Frotas de Táxi de São Paulo). Ou seja, não pertencem aos condutores, rodam em consignação por um período definido em contrato.

Com experiência de 36 anos no ramo, Nunes afirma que seu elétrico tem vantagem "indiscutível" frente aos carros comuns. "O desempenho é ótimo, e a empresa gasta R$ 8 por dia em recarga para rodar 100 quilômetros. Com gasolina, gastaríamos quase R$ 30 para fazer a mesma quilometragem", compara.




No caso do Leaf, o motor é alimentado por 42 módulos com baterias de íon-lítio e rende 108,7 cv de potência e 28 kgfm de torque, entregues de forma imediata. O tempo de recarga varia de acordo com a tensão da rede -- há opção rápida, em 30 minutos para 80% da carga (330V), ou ciclos de até 4 a 8 horas (110V ou 220V). A autonomia estimada é de 160 quilômetros para cada ciclo -- mas isso pode variar.

Ricardo Auriemma, presidente da Adetax e que ajudou a colocar os Leaf na rua, em 2012, calcula que, em um ano, um elétrico demanda 66% menos gastos em recargas do que um automóvel comum em relação ao combustível, seja gasolina ou etanol. Fora a economia com a parte mecânica. "Não precisamos trocar óleo, nem fazer manutenção de peças como radiador e correia, inexistentes nesse tipo de veículo", destaca.

FALTA INCENTIVO
O principal problema para popularizar os automóveis movidos a energia alternativa continua a ser o preço. Como quase não há auxílio ou subsídio governamental, um modelo como o Leaf não custaria menos de R$ 200 mil no Brasil -- o que explica o fato de ele ainda não ser comercializado. 

José Antonio Nunes coloca seu Nissan Leaf para carregar na sede de sua frota - Leonardo Felix/UOL - Leonardo Felix/UOL
Taxista no turno da noite, José Antonio Nunes deixa Nissan Leaf carregando em tomada na sede da empresa de táxi durante o dia; processo de sete a oito horas
Imagem: Leonardo Felix/UOL
Na cidade de São Paulo, a Prefeitura devolve -- desde 2014 -- sua parcela referente ao IPVA de carros verdes, ou seja, 50% do valor pago. O benefício é válido durante os primeiros cinco anos de tributação. Há ainda isenção do rodízio municipal, permitindo que elétricos, híbridos e modelos a hidrogênio rodem a qualquer dia, independente do final de placa. Há um porém: a Lei 15.997 sancionada pelo prefeito Fernando Haddad abrange os veículos com preço máximo R$ 150 mil.

Além da isenção municipal em São Paulo, há um projeto do Planalto anunciado em setembro de 2014 e que prevê que a taxação de importação de híbridos caia de 35% para valores entre 0 e 7% até 31 de dezembro de 2015. Mas não houve regulamentação ainda, e nem as montadoras sabem dizer quais modelos seriam beneficiados. A princípio, por exemplo, o Prius seria beneficiado, mas o Ford Fusion, não.

Não há qualquer projeto por parte do Governo Estadual de São Paulo -- nem a reciprocidade com a Prefeitura para isentar o restante do IPVA -- fato que se repete nos demais Estados. "Mesmo com todas as vantagens nos gastos, fica inviável", reclama o presidente da Adetax. 

ECONOMIA SEDUZ
Para híbridos, como é o caso do Toyota Prius, há outro fator: o preço inicial é menos extravagante que o de elétricos. Ainda assim, é um passo inicial pesado. O hatchback médio japonês sai por R$ 114.350. Por outro lado, o impacto na mudança do hábito do cliente é menor: além de também beber gasolina, tem manutenção similar à de um carro movido a combustão. 

Toyota Prius de Eduardo Pellanda, de Porto Alegre (RS) - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Professor gaúcho Eduardo Pellanda até achou um Prius 0km em promoção, mas preço do híbrido continua acima da média dos populares
Imagem: Acervo pessoal
No caso específico do Prius, a combinação de um propulsor convencional de 1,8 litro, a gasolina, se mescla a outro, elétrico e alimentado por baterias de níquel. A potência total gerada é de 138 cv. Dínamos nas rodas e um sistema de freios regenerativos são usados para recarregar o motor elétrico. Como o modelo só usa eletricidade quando roda abaixo de 50 km/h, chega a fazer 30 km/l em situações ideais, gerando autonomia de mais de 1.000 quilômetros.

"Cheguei a fazer uma viagem de ida e volta [de São Paulo] até Atibaia reabastecendo só com R$ 30", conta o também taxista João Paulo Posa, motorista de um dos 116 Prius táxis que rodam em São Paulo. Após ouvir de colegas que poderia economizar até R$ 50 por dia, só em combustível, Posa não teve dúvidas: há três meses, largou um Renault Logan para trabalhar com o híbrido japonês.

Tal dinâmica também seduz proprietários particulares, como o professor universitário gaúcho Eduardo Pellanda, que em março do ano passado aproveitou uma promoção de concessionária e comprou um Prius 2013.  "Gosto de experimentar conceitos novos e quis investir um pouco mais para ser ecologicamente correto", relata. "O bom é que venho conseguindo compensar esse investimento economizando bastante com gasolina", celebra.

José Antonio Nunes precisa passar um cartão especial para ter direito à recarga rápida de seu Nissan Leaf - Leonardo Felix/UOL - Leonardo Felix/UOL
Só um cartão especial fornecido pela Nissan autoriza a recarga rápida do Leaf: taxistas gastam R$ 8 para rodar 100 km
Imagem: Leonardo Felix/UOL
ADAPTAÇÕES
Dirigir um automóvel preparado para reutilizar sua própria energia requer uma dinâmica diferente de condução. Não à toa, todos os entrevistados por UOL Carros admitem que precisaram de alguns dias e até semanas para aprender a usar totalmente sistemas como os freios regenerativos. "Vi vários vídeos na internet de técnicas para aproveitar mais o embalo do motor elétrico", relata Pellanda.

Outra preocupação, esta válida só para os elétricos, é com a autonomia. O taxista José Antonio Nunes, por exemplo, evita ao máximo ligar o ar-condicionado (que a reduz em até 20%) e já dispensou viagens com destinos mais distantes, tipo Campinas, porque seu Leaf não anda muito mais que 100 quilômetros sem precisar de nova recarga.

"Até Santos já deu para ir, porque eu aproveitei a descida de serra para regenerar a energia e porque tenho amigos que me deixaram recarregar o carro na casa deles antes de voltar", rememora. 

Tela multimídia do Toyota Prius dá acesso a informações detalhadas sobre consumo e autonomia - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Tela central do Prius dá acesso a informações detalhadas de consumo e autonomia
Imagem: Acervo pessoal
Nessa ida ao litoral, Nunes precisou apelar a uma recarga lenta, que pode ser feita em qualquer tomada, mediante uso de um adaptador. O problema é o tempo que ela dura -- até oito horas. "Aproveitei esse intervalo para descansar e passear", conta.

Há ainda a opção de recargas rápidas, que podem ser feitas em cinco concessionárias da Nissan. Nossa reportagem foi até uma delas com Nunes, na avenida Alcântara Machado, e lá encontrou outro Leaf, de Jeferson Carlos Gelio. "Você tem que se programar sempre, senão fica na mão. Conheço gente que ficou sem bateria no meio da rua e, quando isso acontece, não tem jeito: só sai dali com guincho", enfatiza o também taxista.

Como os módulos das baterias são posicionados sob a carroceria -- repare como os assentos desses carros ficam sempre mais altos que a média --, a altura do assoalho em relação ao solo é sensivelmente mais baixa. Por isso, é bom não abusar em vias ou terrenos muito irregulares. 
Toyota Prius táxi de João Paulo Posa - Leonardo Felix/UOL - Leonardo Felix/UOL
João Paulo Posa trocou um Renault Logan novinho para trabalhar com um híbrido
Imagem: Leonardo Felix/UOL
SILÊNCIO
A ausência de ronco de motor nos automóveis híbridos e elétricos também chamou a atenção dos motoristas. "Foi estranho ligar o carro pela primeira vez e não ouvir barulho nenhum", relembra o professor universitário Eduardo Pellanda.

Se o silêncio espanta os proprietários, o que dizer dos passageiros que estão tomando um táxi desse tipo pela primeira vez? "Muitos se impressionam com a falta de ruído, e aí começam a fazer várias perguntas. Já peguei passageiros que queriam só dar uma volta para ver como é", narra Nunes. Quando se trata do Prius, a principal dúvida é "como a bateria fica sempre cheia sem precisar recarregar", de acordo com João Paulo Posa.

Cada tira da "árvore" no painel digital do Nissan Leaf é preenchida em uma frenagem regenerativa. Completado o desenho, uma nova carga de energia é enviada ao motor elétrico - Leonardo Felix/UOL - Leonardo Felix/UOL
Cada frenagem regenerativa preenche uma tira da "árvore" que aparece no painel digital do Nissan Leaf (à esquerda na imagem); quando o desenho se completa, uma nova carga de energia é enviada ao motor elétrico
Imagem: Leonardo Felix/UOL
VIDA VERDE
No fim da conversa com UOL Carros, todos os entrevistados chegaram ao mesmo veredicto: ter um híbrido/elétrico vale bem mais a pena do que um automóvel tradicional, mesmo com as limitações que só anos de desenvolvimento dessas tecnologias poderão dirimir. 

"Se fosse mais barato, o pessoal compraria mais. Tirando isso, não vejo nenhuma desvantagem", crava João Paulo Posa, taxista do Prius. "Só troco de carro se for por outro híbrido, ou elétrico", garante Eduardo Pellanda, proprietário particular do híbrido da Toyota. "Se tivesse que voltar para um carro normal, estranharia muito", completa José Antonio Nunes.

Nunes, aliás, já estabeleceu uma meta: após 36 anos de praça, vai se aposentar assim que terminar o projeto com o Nissan Leaf -- o contrato de comodato vence em meados deste ano. Só um fato o faria rever sua decisão: "Se renovarem o prazo, dá para ficar mais um pouco, mas só se for para continuar com esse carro", finaliza.