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Fazer baliza é maior desafio para tirar carteira de motorista no Brasil

Nervosismo e falta de preparo atrapalham na hora de executar uma das provas mais complexas do exame prático de direção: a baliza - Ana Macedo/Futura Press
Nervosismo e falta de preparo atrapalham na hora de executar uma das provas mais complexas do exame prático de direção: a baliza Imagem: Ana Macedo/Futura Press

Leonardo Felix

Colaboração para o UOL, em São Paulo (SP)

22/01/2015 21h02

Obter uma CNH (Carteira Nacional de Habilitação) é um processo difícil para muita gente. Embora o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) não possua dados nacionais, recentes balanços divulgados por Detrans estaduais mostram índices muito altos de reprovação, especialmente nos exames práticos.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, 65,66% dos candidatos reprovaram na prova prática para a categoria B (automóveis de passeio) em 2014. No Amazonas, foram mais de 70%. Já no Estado de São Paulo, o nível de reprovação geral (somadas todas as categorias) chega a 33%.

UOL Carros conversou com especialistas, representantes de Detrans, CFCs (Centro de Formação de Condutores) e pessoas que precisaram de várias tentativas para obter sua carteira de motorista, e constatou: a baliza, manobra para estacionar o carro junto ao meio-fio no espaço entre dois outros carros -- é a maior vilã para os candidatos.

Bruna Pierotti, estudante do PR que precisou de quatro exames para conseguir a CNH - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A estudante Bruna Pierotti, de Cornélio Procópio (PR), precisou de dez meses e quatro testes para conseguir a CNH. Ela gastou mais de R$ 600 só para remarcar os exames e fazer aulas extras na autoescola
Imagem: Arquivo pessoal
A professora Caroline Vercelhese, de Porto Alegre (RS), reprovou quatro vezes no exame prático, duas por causa da baliza; no caso do administrador Fábio de Paula Nogueira, de Taubaté (SP), foram duas de três tentativas fracassadas pelo mesmo motivo;  já os estudantes Bruna Pierotti, de Cornélio Procópio (PR), e Matheus Bezerra, de Pouso Alegre (MG), falharam uma vez cada na baliza. Ela precisou de quatro testes para ser aprovada; ele, de três.

NERVOSISMO
"Eu nunca errava a baliza [nas aulas], mas estava tão nervosa no dia do teste que não consegui sair com o carro", diz a UOL Carros a estudante Bruna Pierotti.

Para o psicólogo Fábio de Cristo, especialista em trânsito e autor do livro "Psicologia e trânsito: reflexões para pais, educadores e futuros condutores", o nervosismo é uma das principais causas de falhas na hora do exame, e acaba sendo externado nos exercícios mais complexos da prova. "A ansiedade afeta o desempenho e aumenta as chances de erro. Como a baliza requer habilidade para avaliar o espaço disponível, manobrar o veículo e coordenar a velocidade, tudo isso ao mesmo tempo, não se vai ter o resultado esperado se ela não for bem orientada e supervisionada", explica.

A somatória de pequenas falhas também pode levar ao revés. "Muitos esquecem de acionar a luz de seta, deixam o carro morrer porque não pisam na embreagem, ou ultrapassam o limite da pista na hora de sair", relata Gregory Hayashi, de São Paulo (SP), instrutor de autoescola há 15 anos.

O ambiente "hostil" também contribui. "Os alunos ficam nervosos ao ter de lidar com locais e pessoas desconhecidas", afirma Márcio Souza, proprietário do CFC (Centro de Formação de Condutores) Ídolos, de São Paulo.

"Já vi gente reprovando só porque, enquanto aguardava sua vez, viu outra pessoa errar a baliza, e acabou se desesperando", aponta Luiz Fonseca, diretor-geral do CFC Pinheiros, também na capital paulista.

SEM PADRÃO 
A falta de preparo, tanto de candidatos quanto dos CFCs, contribui para os altos índices de reprovação. "Troquei três vezes de autoescola porque peguei instrutores péssimos. Em uma delas o carro estava  muito malconservado", reclama a gaúcha Caroline Vercelhese. "Falta um padrão para os instrutores e examinadores".
Gregory Hayashi, instrutor de autoescola há 15 anos - Leonardo Felix/UOL - Leonardo Felix/UOL
Gregory Hayashi, instrutor de autoescola: "às vezes eu falo que o aluno precisa de aulas extras antes do exame; alguns aceitam, outros querem marcar mesmo assim"
Imagem: Leonardo Felix/UOL
Do outro lado da mesa, o diretor do CFC Pinheiros contra-ataca e garante que muitos candidatos não se empenham tanto quanto deveriam. "Há muita distração e falta de capricho. Tem gente que quer tirar a CNH sem se esforçar", acusa.

Em meio a tudo isso está a estrutura precária dos Departamentos de Trânsito estaduais, que frequentemente não têm efetivo para atender à demanda, nem local adequado para aplicar os testes práticos. "Na minha cidade, remarcar um exame demora mais de 40 dias. Eu ficava nervoso só de saber que, se falhasse, demoraria para ter outra chance", conta o pouso-alegrense Matheus Bezerra.

Daniel Annenberg, diretor-geral do Detran-SP, concorda que o Brasil precisa melhorar, em número e qualificação, a oferta de profissionais especializados, mas apontou que a tendência é tornar os exames ainda mais difíceis. "Os candidatos precisam entender que eles estão aprendendo a dirigir de fato, e não comprando uma carteira", defende. SOLUÇÕES
Para o psicólogo Fábio de Cristo, aprimorar a formação dos motoristas brasileiros passa por dois pontos cruciais: melhorar a infraestrutura onde as provas práticas são aplicadas e reforçar o aprendizado nos CFCs, focando a autoconfiança do aluno.

Outro ponto é atualizar os exames práticos de acordo com a nova realidade do trânsito brasileiro. Cada vez mais os carros são recheados com tecnologias como controle de estabilidade, câmbio automático e assistentes de partida em rampa e estacionamento -- isso sem mencionar sensor/câmera de ré, kit que pode ser comprado por cerca de R$ 200 em oficinas independentes.   

"Essa é uma discussão que ainda está em estágio muito inicial", admite Annenberg, do Detran-SP.

Enquanto nada disso vira realidade, especialistas dão dicas do que pode aumentar as chances de aprovação. "Treinar ao máximo as manobras mais difíceis, conhecer o local onde os exames são feitos e, se possível, observar e conversar com outras pessoas que tenham passado pelo teste, para tirar dúvidas e identificar falhas", afirma Fábio de Cristo. "Ficar sempre atento aos retrovisores e luzes do painel", acrescenta o instrutor Hayashi.
Carros de treinamento da autoescola Pinheiros - Leonardo Felix/UOL - Leonardo Felix/UOL
Os veículos usados em treinamento quase sempre são versões básicas de compactos populares; poucas autoescolas ensinam brasileiro a dirigir carro com câmbio automático e assistências
Imagem: Leonardo Felix/UOL
Procurado por UOL Carros, o diretor-geral interino do Detran do Rio Grande do Sul, Ildo Mario Szinvelski, garante que os índices de reprovação de sua circunscrição "são compatíveis com a média nacional", e que segue estritamente as normas de trânsito brasileiras para definir quem está apto a ter uma CNH. "Só o candidato que reúne reais condições de dirigir será aprovado", declara.

Já a assessoria do Detran de Minas Gerais não respondeu aos questionamentos sobre a demora para marcar e remarcar exames práticos no Estado até a publicação desta reportagem.