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Com smartphone onipresente, multa por uso de celular cai 20% em São Paulo

Segundo pesquisa da Sociedade Brasileita de Ortopedia e Traumatologia, 84% dos motoristras de São Paulo e do Rio mexem no celular enquanto dirigem - Arte UOL Carros/Getty Images
Segundo pesquisa da Sociedade Brasileita de Ortopedia e Traumatologia, 84% dos motoristras de São Paulo e do Rio mexem no celular enquanto dirigem Imagem: Arte UOL Carros/Getty Images

Leonardo Felix

Colaboração para o UOL, em São Paulo (SP)

28/11/2014 22h50Atualizada em 29/11/2014 00h09

A popularização do celular mudou os hábitos dos brasileiros, inclusive no trânsito. Pesquisa da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia apontou que 84% dos motoristas de São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ) admitem que mexem no celular enquanto dirigem, embora todos (100%, literalmente) afirmem saber que isso é uma distração que pode aumentar o risco de acidentes -- e uma infração prevista no Código de Trânsito (quatro pontos na CNH e multa de R$ 85,13).

Mais recentemente, os celulares inteligentes (smartphones), conectáveis à internet e dotados de Bluetooth (conexão por rádio), tomaram conta do mercado e podem ter dificultado a fiscalização.

Se antes o motorista grudava o telefone ao ouvido para conversar, gesto perfeitamente visível do lado de fora do carro -- e, portanto, flagrável pelos agentes --, agora pode manter o smartphone no colo ou em algum suporte posicionado longe do olhar das autoridades de trânsito. É o que basta para trocar mensagens de texto (SMS, WhatsApp) e dar uma conferida na linha do tempo do Facebook e/ou nas últimas tuitadas. Na mesma posição, o smartphone também pode ser usado como navegador, por meio de aplicativos na linha do Waze.

(A conexão Bluetooth, que poderia ser considerada um avanço de segurança por permitir falar ao telefone sem usar as mãos, não resolve nada se o smartphone virar tocador de música: é preciso olhar para ele -- entre outras situações -- na hora de procurar uma faixa específica.)

NEM ME VIU
Essa mudança parece ter se refletido nas estatísticas: de 2010 para cá, a média mensal de multas aplicadas por uso indevido do celular ao volante na capital paulista caiu 20%, de 39.400 casos por mês para 31.500.

Taxista usa celular para fotografar decoração de natal da avenida Paulista, em São Paulo (SP) - Fabio Braga/Folhapress - Fabio Braga/Folhapress
Sacar o celular para tirar foto de uma paisagem legal também não pode, mesmo no sinal vermelho
Imagem: Fabio Braga/Folhapress
De 2005 a 2010, fase em que o "boom" dos celulares convencionais se consolidou no Brasil, a CET (Companhia de Engenharia e Tráfego de São Paulo) registrou um salto de 245% nos índices de autuação, de 193.801 para 473.153 multas/ano.

Esses números vêm recuando a cada ano desde então: 461.159 em 2011; 411.138 em 2012; 372.726 em 2013; e 315.479 entre janeiro e outubro deste ano. Neste período, somente as duas maiores marcas de smartphones, Apple e Samsung, lançaram sete produtos novos em suas linhas de prestígio (iPhone e Galaxy S). 

Procurados por UOL Carros, os órgãos responsáveis pelo trânsito em São Paulo não cravam que a popularização do smartphone tem a ver com o declínio nas autuações, mas negam ter havido qualquer relaxamento na fiscalização. A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), por exemplo, disse que "continua a praticar autuações sempre que comprova a utilização do celular, independentemente de o motorista estar falando ou teclando". 

A Polícia Rodoviária Federal, que cuida das rodovias federais em todo o Brasil, afirmou que mantém "patrulhamento ostensivo e em pontos estratégicos" das vias. Um porta-voz da corporação observa que, por "ter área de atuação onde há pouca cobertura de celular, não faz tantos flagrantes desse tipo". Nos nove primeiros meses de 2014, a PRF aplicou 21.295 multas.

DESATENÇÃO
Especialistas ouvidos por UOL Carros dizem que não adianta colocar mais agentes na rua e/ou endurecer a punição. Um projeto que reclassifica o uso de celular ao volante como infração grave, descontando cinco pontos na CNH e com e multa de R$ 127,69, está parado no Congresso Nacional há mais de um ano. 

"Não sei até que ponto aumentar a multa ajuda a educar. Precisamos investir também num amplo trabalho de propagação da direção defensiva", defende Gerson Burin, especialista do Cesvi (Centro de Experimentação e Segurança Viária).

Para Ricardo Sakahira, membro da Comissão de Segurança da SAE (Sociedade dos Engenheiros da Mobilidade), montadoras e governo deveriam iniciar, o quanto antes, discussões para regulamentar o uso de todos os equipamentos de conectividade nos automóveis. "Centrais com tela de toque são tão vilãs quanto celulares, porque também obrigam o motorista a desviar a atenção do trânsito", pondera.

Acidente envolvendo Chevrolet Kadett e uma motocicleta na Avenida Washington Luís, Zona Sul de São Paulo (SP) - Renato S. Cerqueira/Futura Press - Renato S. Cerqueira/Futura Press
Estudo da USP (Universidade de São Paulo) apontou que 98% dos acidentes de trânsito são causados por erro humano; desse total, 72% ocorrem por distração do motorista
Imagem: Renato S. Cerqueira/Futura Press
Para Sakahira, as fabricantes precisam pensar o motorista como outros setores da indústria enxergam os deficientes visuais.

"O motorista não pode tirar o olho da estrada para nada. É preciso criar plataformas para que todas as ações sejam feitas com comandos de voz, por botões de fácil acesso etc. Mas isso só será viável se o governo estabelecer o que pode e o que não pode". A razão, segundo Sakahira, é econômica: "Nenhuma fábrica vai investir numa tecnologia que corre o risco de ser proibida meses depois."

LONGA DISTÂNCIA
O país não apenas está longe desse estágio de entendimento entre governo e empresas, como nem sequer possui estatísticas oficiais de acidentes e mortes gerados pela utilização do celular no trânsito. Marronzinhos, policiais, bombeiros e outros profissionais que habitualmente relatam essas ocorrências não são obrigados a citar o eventual uso do aparelho pelos envolvidos.

Pior: a utilização do smartphone enquanto se dirige coloca em risco também a vida de quem nem está conectado.

"Se um motorista está a 120 km/h numa rodovia e se distrai por 4 segundos com o celular, vai percorrer 133 metros nesse intervalo. É um deslocamento maior que o comprimento de um campo de futebol", alerta Burin.