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Lojas ainda têm carro zero sem ABS e airbag; preço é menor, risco é maior

Leonardo Felix

Colaboração para o UOL, em São Paulo (SP)

29/04/2014 07h00Atualizada em 29/04/2014 09h56

Quatro meses após a consolidação da lei que obriga, desde 1º de janeiro deste ano, todos os automóveis vendidos no Brasil e fabricados a partir deste ano (aqui ou no exterior) a virem com freios com ABS e EBD (sistema eletrônico que impede o travamento dos freios) e airbags duplos frontais de série, ainda é possível encontrar carros zero-quilômetro sem os dois itens de segurança à venda nas concessionárias.

Fiat Grazie Mille  - Divulgação - Divulgação
Grazie Mille, sem airbags ou ABS: lançado a R$ 31.200, vendido agora a R$ 29.900
Imagem: Divulgação

Calma: ninguém está necessariamente burlando regras. A lei estabeleceu o fim da fabricação em 31 de dezembro de 2013, sem proibir a comercialização de unidades feitas até esta data e que, por um motivo ou outro, estão no pátio das montadoras ou no estoque das lojas.

Embora estatísticas sobre carros sem airbags e ABS sejam complicadas de se achar nos relatórios oficiais da Fenabrave (a associação que reúne os concessionários e compila seus emplcamentos), UOL Carros foi atrás de várias lojas espalhadas pelo Brasil e achou diversas unidades desse tipo à venda. A maior parte é do modelo Fiat Mille, muito graças à série de despedida Grazie Mille, que colocou 2 mil unidades extras do carrinho no mercado em dezembro último. Só em Santa Catarina, localizamos oito disponíveis em uma rede da pequena cidade de Içara, e mais cinco em outra, localizada em Rio do Sul.

No decorrer da busca, também foram encontradas duas Kombi Last Edition, outro exemplo de série especial que marcou o final de produção de um modelo popular que não se ajustaria à lei atual. Estas estão numa autorizada da Volkswagen em Ribeirão Preto (SP).

Fiat Grazie Mille - Divulgação - Divulgação
Série Grazie soltou 2 mil unidades extras do Mille antes do fim de sua produção; algumas delas ainda estão à venda em concessionárias espalhadas pelo país
Imagem: Divulgação

SEGURANÇA ENCARECE MODELOS DE ENTRADA
No caso dos Mille, os preços das versões 1.0 Fire Flex Economy ainda à venda estão na faixa de R$ 24.000 (duas portas) e R$ 26.000 (quatro portas). Já os da série Grazie encostam nos R$ 30.000. Todos os valores representam desconto médio de 5% em relação aos valores de tabela -- o Grazie Mille foi anunciado em dezembro a R$ 31.200.

A primeira explicação para essa depreciação é mercadológica. A adoção dos itens de segurança se sobrepôs às alíquotas maiores do IPI, o que deixou veículos de entrada como Palio Fire e Chevrolet Celta mais caros este ano, na comparação com 2013 e anos anteriores, segundo levantamento da agência AutoInforme, do jornalista e analista de marcado Joel Leite. Se o carro zero com ABS e airbag está mais caro (valor que é repassado ao comprador), a pressão sobre os preços do que sobrou da linha 2013 acaba sendo menor.

Além disso, há a procura do consumidor, que parece ainda preferir preço mais baixo e não tem ligado muito para a defasagem dos modelos.

"Na minha região, tanto faz para o pessoal se o carro tem ou não itens de segurança. Eles querem saber é do preço, querem o mais baratinho", relata Andrei Fontana, vendedor da loja Unitá, de Içara (SC). "O novo Palio Fire veio como substituto [do Mille], mas não tem a mesma aceitação. Eles preferem pagar R$ 2 mil a menos e levar um Mille quadradinho, sem airbag e ABS", completa. 

GRANDES CENTROS TAMBÉM TÊM
É um erro pensar que as metrópoles brasileiras estão imunes a esse pensamento. Foi difícil achar carro zero pré-2014 em lojas das regiões metropolitanas de Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP), mas apenas porque o estoque nos maiores mercados consumidores do país já se encerrou, dizem vendedores contatados. Após muita procura, achamos uma unidade do Grazie Mille na Ponto Fiat de Guarulhos (SP).

Ela faz parte de um lote com seis carros chegado à rede, que tem quatro filiais, há 60 dias. Todas estavam sendo negociadas sem dificuldades, mesmo sem estar na vitrine. "Como esse modelo não é mais produzido, não o deixamos em exposição, mas a procura por ele ainda é boa. O pessoal não se importa muito em já ter saído de linha", conta Ana Maria Barros, gerente de vendas da loja de Guarulhos.

Grazie Mille em frente ao novo Estádio Nacional Mané Garrincha, em Brasília (DF) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Fiat Grazie Mille de Roberto Gomes posa em frente à recém-inaugurada Arena Mané Garrincha, em Brasília (DF)
Imagem: Arquivo pessoal
Um dos compradores foi Roberto Gomes, gerente de tecnologia da informação em Brasília (DF). Fã do Mille, ele achou a unidade 1.257 da série Grazie em uma concessionária da capital federal, no início de março, e não teve dúvidas: comprou por R$ 29.900, mesmo ciente de que o modelo não é mais produzido, nem dispõe dos itens de segurança regulamentares.

"Tive um Mille de 2003 a 2012 e nunca me deu problema. Além disso, gostei do desconto que foi dado, porque antes estavam pedindo R$ 31.500 aqui", justifica Gomes. "Para mim, não ter ABS é até melhor, porque a manutenção dos freios fica mais barata" (sic).

Volkswagen Gol Geração IV - Divulgação - Divulgação
Gol Geração 4 a R$ 23.500 em São Paulo (SP): desconto de menos de 7%
Imagem: Divulgação

QUER COMPRAR? PEÇA DESCONTO
Nem a existência de unidades zero sem ABS e airbags nas revendas, nem a demanda ainda alta são fenômenos que surpreendem o analista de marcado Joel Leite, que também é colunista de UOL Carros. "Estamos falando de uma sobra de estoque, o que é normal. Quanto à demanda, o consumidor em geral não vai ligar para essas questões de segurança. Se o cara precisa comprar um carro e não está pensando nisso como um investimento, vai preferir o que custa R$ 2 ou 3 mil a menos", opina.

Todavia, o especialista alerta que é preciso tomar alguns cuidados antes de fechar negócio. O principal deles: pedir desconto. "Como são sobras de estoque, o comprador tem que ficar atento ao estado do carro, e precisa saber que esses modelos desvalorizam em média 15% mais do que um carro já com os itens de segurança obrigatórios", analisa. "Portanto, só vale a pena se o negócio for fechado com pelo menos uns 10% de desconto".

Não é essa a realidade verificada por UOL Carros. Além dos preços já mencionados do Mille, conversamos com duas concessionárias de São Paulo e Casimiro de Abreu (RJ), que recentemente venderam um Gol Geração 4 por R$ 23.500 (contra R$ 25.200 da tabela) e uma Kombi Standard por R$ 42.000 (ante R$ 45.900). Nos dois casos, os abatimentos ficaram, respectivamente, em 6,75% e 8,66%.

Dentro da média "ideal", porém, estão as duas unidades da Kombi Last Edition encontradas na Volkswagen Itacuã de Ribeirão Preto: enquanto o valor estabelecido pela marca alemã no lançamento foi de astronômicos R$ 85.000, a concessionária está pedindo agora R$ 70.900. É um desconto de 16,5% justificado pela excentricidade da série especial de um veículo comercial: "A Kombi é um veículo mais procurado por  frotistas, então não existe muita demanda no varejo", nos disse a vendedora Jacquelina de Castro. "Desde que essa série foi lançada, eu só vendi duas ou três [unidades]", justifica.

LOJA TEM DE AVISAR DA FALTA DE SEGURANÇA
A coordenadora da Proteste (Associação de Defesa do Consumidor) Maria Inês Dolci adverte que é dever das lojas deixar claro aos clientes quando a oferta se tratar de um veículo fora de linha e/ou defasado do ponto de vista da segurança. "Não existe nenhuma obrigatoriedade ou orientação por parte do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), mas, no nosso entendimento, isso é direito de informação por parte do consumidor", ressalta.

Não foi o caso de Roberto Gomes, que levou o Grazie Mille de Brasília. Por já ter trabalhado na Fiat e conhecer o modelo a fundo, o gerente de TI tinha ideia das condições do carro, mas diz que em nenhum momento foi alertado pelo vendedor. "Ele só me falava que era uma série especial, de despedida, mas não lembro de tê-lo ouvido mencionar sobre a falta de airbags e ABS nenhuma vez", afirma.

Comprar carro sem airbags e ABS nesse momento é opção do consumidor e unidades nestas condições ainda devem ser encontradas por um tempo em lojas e revendas. Mas é bom ficar de olho, cobrar transparência das marcas e pedir desconto sempre.