Topo

Volkswagen up! surpreende na estrada; decisão de compra exige calculadora

Claudio Luís de Souza

Do UOL, em Gramado (RS)

06/02/2014 19h45

A apresentação do Volkswagen up! à imprensa, feita em etapas desde o final de janeiro, alternou clima de aula na Politécnica com o de balada pós-formatura. Num primeiro momento, engenheiros da marca explicaram minuciosamente cada detalhe técnico do carrinho, em workshop com três horas de duração. Na noite de terça-feira (4), foi a vez da festa: o up! foi mostrado como se fora astro pop, num palco em que uma moça loira cantava "Girls Just Wanna Have Fun", de Cyndi Lauper.

A imbricação de tecnologia com hedonismo (este, como perfil atitudinal genérico do consumidor) não é novidade na indústria automotiva e seus departamentos de marketing. Ela tem chance de ser particularmente verossímil num carro como o up!, cuja proposta é ser acessível aos estratos menos abonados da clientela, ao mesmo tempo em que oferece o estado da arte do segmento em aspectos como dirigibilidade, habitabilidade, segurança e eficiência energética.

  • Murilo Góes/UOL

    O céu por testemunha: silhueta harmoniosa e perfil "altinho" são marcas do up!

Na manhã de quarta-feira (5) UOL Carros teve amplo acesso ao up!, inclusive num longo test-drive por vias urbanas e rodoviárias do Rio Grande do Sul, entre Gramado e Porto Alegre. Era o momento de colocar à prova um dos modelos mais importantes da década (talvez do século), crucial para as pretensões da Volkswagen no Brasil.

Dirigimos um move up!, versão intermediária que a Volks julga ter o melhor potencial de vendas. Assim como a básica take up!, ela também oferece carroceria de duas ou quatro portas; as demais versões são sempre de quatro.

O preço de tabela: R$ 28.300 (2P) e R$ 30.300 (4P). A gama completa vai de R$ 26.900 a R$ 39.390.

A unidade que testamos tinha como opcionais o ar-condicionado (R$ 2.750); as rodas de liga-leve aro 14" (R$ 480), o "kit de acesso completo" composto por chave canivete, retrovisores e vidros dianteiros elétricos (R$ 1.100); a direção com assistência elétrica e ajuste de altura (R$ 1.240); o sistema de som com quatro alto-falantes e dois tweeters (R$ 760); o sensor de estacionamento traseiro (R$ 330); e o navegador e multimídia Maps & More (R$ 1.200). A cor era o "prata lunar", metálica (R$ 1.030). Valor total: R$ 39.190.

Muito caro para um carrinho de 3,60 metros e motor 1.0 com câmbio manual?

Certamente.

Só que, na pele de um comprador de um move up!, UOL Carros descartaria o Maps & More (substituível por um smartphone com aplicativo de trânsito/navegação; e Bluetooth tem no rádio) e o sensor de ré (o carro é pequeno e a visibilidade é boa). As rodas de liga são relativamente baratas, mas também são dispensáveis. Com isso, o valor do "nosso" move up! cairia para R$ 37.180; optando por uma cor lisa (branco, preto, vermelho), reduziríamos o cheque a R$ 36.150. (Veja simulações feitas pelo site Carpress.)

  • Murilo Góes/UOL

    Visto de traseira, o up! parece um carro de brinquedo; mas sua missão é de gente grande

Ainda é caro, mas é aí que entra tanto esforço da Volkswagen em explicar as diversas novidades tecnológicas do up! (motor em alumínio, estrutura reforçada), as quais -- indo direto ao ponto -- resultaram em cinco estrelas na proteção a adultos numa batida semifrontal (Latin NCAP); no menor custo de reparação pós-acidente (CAR Group, do Cesvi); e num consumo de combustível nota A (Inmetro).

A aposta da Volks é que o potencial cliente perceberá tais méritos como "itens de série" do up!, justificadamente compondo parte de seu preço. São argumentos de venda racionais, maduros, cujas vantagens nem sempre são óbvias (menor prêmio de seguro, menor depreciação).

Mas, quando se trata de carro, o lado emocional não pode ser menosprezado. É fundamental que o up! seja "convincente" quando dirigido.    

IMPRESSÕES
O up! visto e "vestido" passa a sensação de ser quase um carro de imagem -- uma espécie de Cinquecento sem passado. Ele é "bonzinho" (o fato de praticamente não ter grade frontal anula qualquer agressividade), exibe equilíbrio entre linhas retilíneas e curvas e, visto por trás, parece de brinquedo. Mas, diferentemente do Fiat 500, o up! não é um cupê com banco traseiro quase simbólico. Ele mede apenas 3,6 metros (entre-eixos de 2,42 metros), mas leva quatro adultos com impressionante conforto horizontal/vertical.

O fato de ser o novo carro de entrada da Volks não significou descuido na cabine. O ambiente é austero, mas jamais é pobre.

O plástico predomina, mas de boa qualidade, agradável aos olhos e aos dedos e com montagem cuidadosa. O painel do move up! tem três mostradores (conta-giros, velocímetro e marcador de gasolina), e seu computador de bordo (Infotrip, de série na versão) é mais completo que o de modelos maiores e mais caros. Contra o consenso, os controles do ar-condicionado ficam acima do sistema de som.

Sabíamos que a sessão de fotos e o test-drive aconteceriam sob um calor extenuante. O medo era que o ar não "gelasse" a cabine para garantir um mínimo de conforto durante o trabalho.

  • Murilo Góes/UOL

    Mesmo na versão intermediária, esse som e o ar (que é muito bom) são opcionais

No entanto, o equipamento deu conta do recado até com sobras. Bastou deixar o fluxo de ar na posição 2 (de três possíveis) para refrescar as três pessoas a bordo (a temperatura externa chegava a 41 graus). E essa foi a primeira expectativa pessimista que o up! reverteu.

Outra: não haveria muito o que esperar do motorzinho de 1 litro, três cilindros e 12 válvulas, por mais moderno que seja. Afinal, 1.0 é 1.0, sinal de carro pouco ambicioso.

É verdade que, a 100 km/h em quinta marcha, o propulsor trabalha a 3.000 rpm; a 120 km/h, a 4.000 rpm. Mas só sabemos disso olhando o conta-giros, porque o nível de ruído a bordo é baixo. Também é verdade que, para subir ladeira, o up! quase sempre vai pedir uma redução à segunda marcha -- só que um sedã médio automático 1.6 ou 1.8 provavelmente subiria a mesma ladeira também em segunda, mas escondendo-a atrás do "D".

  • Reprodução

    Jornalista Anelisa Lopes fala sobre a dura missão de ser o novo popular da Volkswagen

De resto, por ser curto e altinho (1,5 metro), e por ter nascido como proposta de carro urbano (ou seja, para ser guiado em velocidades baixas e traçados travados), o up! não teria nem obrigação de oferecer uma dirigibilidade que fosse além do funcional. E daí vem outra surpresa: trata-se de um carrinho muito gostoso de guiar, com direção de respostas rápidas, bom grip até em curvas quase irresponsáveis (há leve sobresterço) e arrancadas e retomadas seguras (desde que a marcha seja a certa). As suspensões são menos duras que a tradição da Volks. Traduzindo: é mais agradável guiar um up! que um Gol. 

Uma ressalva à ergonomia é que os bancos em peça única parecem ter sido feitos para quem tem, no mínimo, 1,80 metro de altura. Para quem tem menos, a tendência é que viagens mais longas cansem o pescoço, devido à falta de ponto de apoio à cabeça. Além disso, e muito mais grave, fica complicado ajustar o cinto de segurança na melhor posição (não há regulagem de altura na coluna).

Ao final de nosso test-drive, o computador de bordo marcava consumo médio de 13 km/l de gasolina, num itinerário 80% rodoviário e 20% urbano, debaixo de temperatura alta, com o ar ligado o tempo todo, três pessoas a bordo, e ainda alguma bagagem acondicionada no (excelente) porta-malas de 285 litros. É uma boa marca, condizente com os 14,3 km/l aferidos pelo Inmetro, os quais garantiram ao up! a nota A no programa de etiquetagem de 2014.

FAÇA AS CONTAS
Voltando à discussão fundamental: vale a pena pagar R$ 36.150 por esse carro?

Você decide. Certo é que não é fácil achar o equilíbrio entre modernidade de projeto e "comprabilidade", ainda que num modelo pequeno e voltado a um público jovem; e especialmente num país em que formação de preço de carro é segredo (ou tabu).

Pergunte-se: quanto custam os carros semelhantes? Você pagaria R$ 35 mil por um Kia Picanto? Ou pouco menos de R$ 33 mil por um Fiat Uno ou um Chevrolet Celta, ambos 1.0 e com o mesmo nível de equipamentos do move up! que testamos?

Quanto custará o novo Ford Ka?

Melhor ainda: você pagaria R$ 36.340 (isso mesmo, R$ 36.340, obtidos no configurador online da Volks nesta quinta, 6) por um Gol tipo "ar-direção-vidros-e-trava", motor 1.0 antigo (menos potente, mais beberrão) e 34 anos de história nas costas?  


Viagem a convite da Volkswagen