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Peugeot 208, até R$ 1.700 mais caro, mostra contradições da marca

Eugênio Augusto Brito

Do UOL, em São Paulo (SP)

03/01/2014 07h00Atualizada em 03/01/2014 12h57

Definir a situação da Peugeot -- e, por extensão, de qualquer um de seus produtos -- é exercício sempre curioso, paradoxal. Uma das pioneiras da mobilidade (na Europa, a marca fabricava de bicicletas a automóveis ainda no século 19), faz água atualmente. No Brasil, a marca está constantemente abaixo das "dez mais", com menos de 1,5% de participação. Ruim? Pode ser que não, dependendo da leitura feita.

Se a leitura for feita tendo o hatch 208, principal modelo da marca para o Brasil, e suas vendas como base, o momento é bom. Lançado oficialmente em abril de 2013 com o peso de ser "o carro da virada", crucial à sobrevivência da marca no país, o 208 cumpriu as expectativas da montadora em sua primeira temporada ao emplacar 20.622 unidades no ano recém-encerrado, 2.506 só em dezembro.

De toda forma, o Peugeot 208 ainda depende do teste do ano cheio, com vendas registradas em 12 meses, algo que só veremos agora 2014. E já há um novo obstáculo: com o retorno (gradual) das alíquotas maiores do IPI, o preço do modelo já encareceu até R$ 1.700 (diferença que muda segundo a versão escolhida), em relação ao valor cobrado no último ano.

PREÇOS DO 208

  • R$ 39.990

    Active 1.5

    era R$ 39.990

  • R$ 46.990

    Allure 1.5

    era R$ 45.990

  • R$ 52.390

    Griffe 1.6 M/T

    era R$ 50.690

  • R$ 55.990

    Griffe 1.6 A/T

    era R$ 54.690

    Esta diferença (equivalente a 3,35% do valor original) é cobrada na versão Griffe 1.6 manual, uma das configurações do topo da gama do modelo; para ter a Griffe com câmbio automático, o comprador vai desembolsar mais R$ 1.300. Na intermediária Allure, considerada a mais atrativa para o consumidor por conta da boa relação entre conteúdo e preço, o aumento foi de R$ 1.000. Não houve mudança de preço para a versão de entrada, que usa o mesmo motor 1.5 da Allure, indicativo de que a marca deve estar segurando o repasse.

    A variação de preços foi encontrada no "monte seu carro" do site da Peugeot em simulação feita por UOL Carros em 2013 e repetida agora. Para tanto, consideramos o pedido fictício de um 208 Griffe automático similar ao testado pela reportagem, unidade que custaria atualmente R$ 57.090, já incluso o preço da pintura metálica (vermelho Ruby, R$ 1.100) e o aumento de R$ 1.300 em relação ao valor do último ano.

    Claro, o IPI maior está aí não apenas para o 208, mas para todos. Acontece que os rivais quase sempre se deram melhor em 2013, e este é outro ponto a ser analisado. Olhando pelo viés da concorrência, o desempenho do 208 é fraco, uma vez que só emplaca mais que o Chevrolet Sonic.

    Isolado, o líder Fiesta passa das 15 mil unidades/mês chegando a 136.131 no acumulado de 2013. Sim, os dados somam entregas do antigo Rocam e do atual New Fiesta, mas é bom indicar que na comparação entre janeiro passado (quando apenas o Rocam existia) e dezembro (com ambos no mercado) as vendas dobraram. A Fiat colocou 40.264 unidades do Punto nas garagens, enquanto a Citroën vendeu 33.525 unidades do C3 (feito sobre a mesma plataforma do 208). Quanto ao modelo da GM, apenas 7.459 "testemunhas" ficaram com um Sonic em doze meses, algo que o Fiesta Rocam fazia sozinho em um único mês há um ano.

    OS ENTRAVES
    Considerando projeto, tocada e equipamentos, o 208 teria tudo para vender mais. Então por que isso não ocorre? É possível que a Peugeot esteja no limite de sua produção, o que explicaria o planejamento inicial da marca para o hatch. Mas pode ser também que o carro tenha dificuldades para encarar os rivais por conta justamente dos paradoxais problemas internos da marca.

    Rivais do 208 Griffe A/T

    • R$ 58.690

      Sonic 1.6 LTZ Ecotec6

      era R$ 56.690

    • R$ 43.420*

      Punto Essence 1.6 Dualogic

      era R$ 43.420

    • R$ 56.840

      New Fiesta Titanium Powershift

      era R$ 55.990

    • R$ 53.890*

      C3 1.6 Auto Exclusive

      era R$ 51.240

    * Versão básica; no mesmo patamar de 208 e outros, vai a R$ 56.664

      Sim, o Ford New Fiesta é o grande pesadelo do 208 com sua configuração mais completa, que ultrapassa o Peugeot com itens como controles de tração e estabilidade, até sete airbags no topo da gama e câmbio automatizado de seis marchas -- no arrojo visual, ambos se equiparam. Mas é algo íntimo ao 208, sua arcaica caixa automática de quatro marchas, quem garante o martírio, ao carro, à sua tocada e também ao bolso do dono, já que fatalmente derruba o desempenho e aumenta o consumo -- deveria ser questão de honra para a Peugeot substituí-la no decorrer de 2014. Até o Sonic, ruim de loja, tem câmbio superior -- no caso, o automático de seis marchas, o melhor da categoria para UOL Carros.

      O motor 1.6 EC5 -- 122 cavalos e 16,4 kgfm com etanol -- se mostra mais do que suficiente para movimentar o carro com tranquilidade e silêncio na cidade, valentia e destreza na estrada, ao passo em que a dinâmica agradou, com ótimo trabalho de carroceria e suspensão. Completo de série, traz além dos obrigatórios airbag e ABS duplo, sensores de luz, chuva e de ré, controle de cruzeiro, teto panorâmico, LEDs diurnos, rodas aro 16 (pneus 195/55), sistema multimídia com Bluetooth, GPS e tela sensível ao toque, que se mostra complicado no início, mas com curva de aprendizado rápida, e mais ar-condicionado automático digital com duas zonas (único no segmento).

      Só o câmbio, sempre indeciso na escolha da marcha adequada, destoa e acaba sendo o possível responsável pelo consumo ruim, na casa dos 6 km/l.

      + Veja a ficha técnica e lista de equipamentos do Peugeot 208 Griffe

      O CERTO E O ERRADO

      • Murilo Goes/UOL

        Peugeot reimaginou cabine com volante mais leve e menor, para dar pegada mais ágil. Para isso, no entanto, comprador deve ajustá-lo mais próximo do colo (acima); se isso não ocorrer, visão do painel é bloqueada (abaixo). Explicação deve(ria) vir do vendedor.

      • Murilo Goes/UOL

       

      Mas o grande problema do 208 é a rede Peugeot. Ano após ano, consolidou-se a ideia de que o pós-venda da marca é moroso e descuidado no atendimento ao cliente, algo sempre negado pelos executivos da marca, que insistem em dizer que essa imagem veio do começo das operações nos anos 1990 e 2000. Ou seja, um passado ruim, teoricamente superado. Acontece que a "lenda urbana" parece ser mais real do que admite a marca, pelo menos ao considerarmos alguns relatos próximos.

      Três amigos consideraram, ao longo de 2013, escolher um 208 no momento da troca do carro, mas afirmam a UOL Carros ter desistido por: A. Não conseguir enxergar o painel, tendo a visão sempre "atrapalhada" pelo volante do 208; B. Não encontrar uma posição de direção adequada por conta do banco do 208; C. Acreditar que o carro é o menor do segmento, algo que o 208 realmente aparenta ser, mas que não corresponde à realidade -- com 3,96 metros de comprimento, empata com o New Fiesta e é mais curto apenas que Sonic (4,03 m) e Punto (4,06 m); ao passo em que é o mais espaçoso, com 2,54 m de entre-eixos, à frente de Punto (2,52 m), Sonic (2,51 m) e New Fiesta (2,48 m).

      Os três casos mostram problemas que teriam sido resolvidos com um bom atendimento do vendedor, algo bem anterior ao pós-venda. Tivessem sido bem recebidos, os três potenciais compradores poderiam ter descoberto -- se não escolhessem uma unidade automática -- porque o 208 é, de fato, o salvador da Peugeot. Ainda dá tempo de mudar o cenário, abandonar o paradoxo é ficar apenas com o bom paradigma.