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2020, o ano em que um Mercedes deverá andar sozinho

Claudio Luís de Souza

Do UOL, em Toronto (Canadá)

19/07/2013 18h00

"Nós já temos protótipos que podem se mover muito mais autonomamente do que é permitido hoje nas vias públicas. A aprovação de regras para a condução totalmente autônoma não acontecerá da noite para o dia, mas se mantém como nossa meta, e é por isso que estamos trabalhando nesse assunto junto aos legisladores. Senhoras e senhores, que não reste dúvida: com o novo Classe S, a Mercedes-Benz está lançando a era da direção autônoma".

Tais palavras foram ditas por Oliver Löcher, executivo da Mercedes, num discurso na noite do último dia 15 em Toronto, no Canadá. A cidade foi palco do lançamento internacional da nova geração do sedã Classe S, carro mais luxuoso e tecnológico da marca alemã, que chega ao Brasil até o final do ano (preços e outras informações estão no álbum de fotos). Löcher foi o coordenador de todo o desenvolvimento do modelo, iniciado por volta de 2006.

Quando fala audaciosa e abertamente sobre "direção autônoma" (tradução livre para autonomous driving, mais brasileira do que "condução autônoma"), o executivo não se refere a um carro que anda sem ninguém a bordo (como nos testes autorizados feitos pelo Google nos Estados Unidos). Löcher fala, na verdade, em diminuir ao mínimo a intervenção do motorista na operação do carro, do momento da ignição até o desligamento do motor quando estacionar (sozinho) no destino final. Tudo isso com risco quase zero de se envolver em acidentes. O carro autônomo não prescinde de um humano ao volante, mas faz quase tudo por ele.

O Classe S talvez seja o estado da arte do quanto de autonomous driving já pode ser vendido ao público em geral. "Desenvolvemos os requisitos técnicos para a direção autônoma, e os colocamos num carro de produção, por meio da combinação de uma nova câmera estereoscópica [3D] a diversos sensores, de radares a ultrassom", disse Löcher. "Chamamos isso de fusão de sensores, e o resultado é um carro com visão de 360 graus".

  • Mercedes Classe S: senhoras e senhores, um dia vocês não precisarão fazer nada

O "olhar" abrangente do Classe S fornece informações a um conjunto de sistemas denominado Intelligent Drive, que foi aprimorado na nova geração do modelo (alguns itens são opcionais, outros não funcionam em determinados países). Ele é capaz de tomar decisões no lugar do motorista com precisão matemática -- para não dizer sobre-humana. Marcas rivais, como Audi, BMW e Volvo, possuem sistemas semelhantes, alardeados sobretudo como de segurança ativa.

Acelerar, reduzir, manter-se na sua pista sem "furar" faixas mesmo a 200 km/h, contornar curvas suaves, frear ante pedestres distraídos, alertar sobre a presença de animais perto da estrada (importante na América do Norte e na Europa), escanear o asfalto e adaptar a suspensão à qualidade do piso: tudo isso o Classe S faz por conta própria -- e faz melhor do que faríamos eu, você, o Oliver Löcher ou qualquer outro motorista. Mas o carro não está "liberado" para conduzir a si próprio o tempo todo.

Exemplo: o sistema Distronic Plus, que mantém o Classe S no fluxo do trânsito e esterça o volante com base na leitura das faixas demarcadas na pista e na trajetória do carro à frente, dá uma "bronca" no motorista (com alertas no painel) e é desativado caso as mãos fiquem fora do volante -- gesto natural quando se percebe que não é preciso fazer nada para que o sedã prossiga viagem.

O Distronic Plus claramente funciona abaixo de sua capacidade; ele poderia, se devidamente programado, levar o Classe S pela estrada enquanto o motorista (ou "a pessoa sentada ao volante") bate papo com os demais ocupantes, ou assiste a um filme, ou digita e envia SMS, ou lê um livro etc. O subaproveitamento do sistema foi admitido a UOL Carros por funcionários da Mercedes que participaram do test-drive e das apresentações técnicas do sedã.

COMO FUNCIONAM OS SISTEMAS QUE DÃO VIDA PRÓPRIA AO CLASSE S

SINAL AINDA VERMELHO
As limitações para a direção totalmente autônoma são de ordem legal, como dito por Löcher, mas também práticas.

Toda legislação de trânsito, em qualquer país do mundo, é focada principalmente no motorista -- vale dizer, no que ele pode e não pode fazer com seu veículo. Infringir as normas pode resultar em punição -- e quem paga essa conta também é o motorista. Na era da condução autônoma, porém, será preciso legislar sobre a tecnologia. Não é o motorista que não pode fazer uma conversão à esquerda; é o carro que tem de saber que tal conversão é vetada. Se ele a fizer, a culpa não será do motorista. Quem pagará a conta, então? 

Já a maior limitação prática é estrutural: as ruas têm de "conversar" com os carros. Hoje, o Classe S fala sozinho; no futuro, a sinalização de trânsito -- para ficar no exemplo mais básico -- terá de ser pensada para interagir com os sistemas embarcados nos veículos, que terão de ser, todos e sem exceção, capazes de reconhecer um sinal vermelho e parar, ler uma placa de limite de velocidade e obedecer. Mesmo que a Mercedes já tenha essas cartas na manga, é preciso antes "combinar" com as autoridades.

E, claro, ainda nem mencionamos os custos de tudo isso.


ALEMANHA, 2020
Numa conversa informal, Oliver Löcher disse a UOL Carros que já está trabalhando na próxima geração do Classe S, prevista para 2020. Um véu de mistério (e de segredo industrial) cerca o assunto, mas apostaríamos que o carro a ser apresentado daqui sete anos será inteiramente capaz de dirigir a si mesmo. Por óbvio, o primeiro país a dar totais condições para o livre trânsito de um veículo autônomo deverá ser a Alemanha.

Trata-se de pioneirismo que não deixa de ser questão de honra para a Mercedes, cujo "sobrenome" lembra o criador (Karl Benz) do automóvel como o conhecemos desde sempre. E por enquanto.

Viagem a convite da Mercedes-Benz