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Chevrolet Agile Easytronic é canto do cisne de câmbio automatizado da GM

Sem poder receber o bom câmbio automático de seis marchas, Agile apela para o Easytronic mesmo - Murilo Góes/UOL
Sem poder receber o bom câmbio automático de seis marchas, Agile apela para o Easytronic mesmo Imagem: Murilo Góes/UOL

Eugênio Augusto Brito

Do UOL, em São Paulo (SP)

30/01/2013 07h50

Em 2009, a então combalida General Motors -- nos Estados Unidos, vitimada pela crise econômica a ponto de pedir concordata e ser salva do abismo pela ajuda da Casa Branca; e aqui no Brasil cambaleando pela falta de produtos novos -- apostou pesado. Resultado de um investimento US$ 2,5 bilhões, o hatch Agile foi o primeiro modelo da Chevrolet local a apresentar a renovada identidade visual da marca, com grade frontal ampla e dividida por barra transversal suportando a gravatinha dourada.

Com pacote de equipamentos (sobretudo eletrônicos) generoso para o segmento de então, o Agile chegou para disputar vagas na garagem com compactos altinhos (como o arquirrival Volkswagen Fox) e até com os compactos com algo a mais (ou premium, como Fiat Punto e Citroën C3). O visual era esquisito, a mecânica era ultrapassada (entre motor da família I e plataforma do primeiro Corsa, só os bons engates do câmbio manual se destacavam), mas ainda assim o modelo foi aplaudido por parte da imprensa nacional. E o público concordou (em parte) ao levá-lo ao posto de 6º carro mais vendido do país.

O tempo passou, a concorrência cresceu e amadureceu e a GM do Brasil seguiu empacada até acordar de vez: se não mudasse tudo, poderia padecer. O investimento bilionário do Agile se converteu em ralo de dinheiro: além do hatch, o projeto deu origem apenas à picape Montana, piorada em relação à geração anterior (que era baseada na segunda geração do Corsa); e um "futuro crossover" jamais saiu do papel. A solução definitiva foi gastar mais dinheiro e adotar a plataforma global de veículos compactos (GSV) para finalmente lançar veículos atrativos: Cobalt (local), Sonic hatch e sedã (importados), Spin (local) e por fim o Onix (também feito por aqui) recolocaram a marca no mapa das novidades.

ROBOZINHO

  • Murilo Góes/UOL

    Acima, a alavanca do Agile Easytronic, automatizado; abaixo, o seletor do Cobalt automático, com câmbio de seis marchas

  • Murilo Góes/UOL

    Vá até uma concessionária das grandes marcas e peça para ver modelos mais baratos que aliviem o trabalho de trocar marchas a todo instante. Certamente o vendedor vai dizer que possui, a depender da bandeira, um Gol, Voyage ou Fox, Palio e Siena e, agora, Agile "automáticos".

    Acontece que todos os citados são automatizados e há, sim, diferença.

    O câmbio automático tradicional usa conversor de torque e engrenagens planetárias para transferir a força do motor às rodas. No caso do automatizado, a transmissão é bem similar à manual, possuindo inclusive a embreagem; a diferença está no acionamento, que não é feito pelo pé do motorista, mas sim por um sistema robotizado comandado por um programa feito pela Magneti Marelli para Fiat, Volks e Chevrolet (a marca da GM utilizava software da Luk na primeira geração de seu câmbio Easytronic, lançada em 2007 na extinta Meriva).

    Automatizados e automáticos de boa qualidade cumprem a função de melhorar consumo e eficiência (transmissão de potência), mas encarecem o carro desejado em até 5%.

Como efeito colateral, os novos modelos, sobretudo o Onix, deixaram o Agile ainda mais obsoleto. O novo hatch compacto da Chevrolet já é sucesso de mercado e, com pouco tempo de vida, ocupa o quinto lugar na lista dos mais vendidos.

É justificado: o Onix dá uma cara interessante para a marca em sua nova fase, consegue ter acabamento digno para os materiais simples de sua cabine, oferece espaço interno interessante, ergonomia sensata e equipamentos que vão além da simples perfumaria, como a tela sensível ao toque (abriga som, ajustes do carro, telefonia e ainda pode receber upgrade para o GPS instalado no celular do condutor) e o futuro câmbio automático de seis marchas.

Já o Agile... Segue vivo, deve ter uma reestilização em breve (ainda que muitos, entre os quais UOL Carros se posiciona, acreditem que o carro já cumpriu sua jornada neste mundo) e ainda ganhou um novo equipamento (que nem é tão novo assim). Enquanto os olhares dos visitantes do estande da Chevrolet no último Salão do Automóvel de São Paulo, em outubro, se voltavam para os recém-nascidos Onix e Trailblazer, uma unidade do Agile LTZ perdida em alguma parte do espaço exibia a bela cor externa azul Infinity, faróis com máscara negra e um emblema diferente na traseira -- com a inscrição Easytronic.

Prometido já durante o lançamento, em 2009, o Agile automatizado estava esquecido e surgiu quando ninguém o esperava mais. Apresentado pela marca em 2007, o câmbio de cinco marchas e embreagem controlada por sistema elétrico-hidráulico foi um fracasso de mercado e parecia ter morrido junto com a Meriva, único modelo da GM a recebê-lo até então.

Desenvolvido pela própria montadora com software da Luk, o Easytronic era um amontoado de trancos, que mais irritavam do que ajudavam. Fiat e Volkswagen lançaram seus câmbios automatizados de baixo custo depois da GM, com programação da Magnetti Marelli, mas souberam evoluir: o Dualogic (da primeira) deu o salto de qualidade e atualmente equipa quase toda a gama da marca; e o I-Motion (da segunda) é o paradigma, com o funcionamento mais suave de todos.

A GM precisava ressuscitar seu câmbio automatizado? De verdade, não. A fabricante demostrou não precisar dele ao conseguir pulverizar um equipamento atual e sofisticado por toda sua gama: o câmbio automático de seis marchas foi usado inicialmente no Captiva e depois espalhou-se para Cruze, S10/Trailblazer, Cobalt, Sonic, Spin e, em breve, Onix. Com boa preparação, a caixa realmente colabora para o conforto do motorista e melhora o desempenho do conjunto, que roda mais suave e gasta menos combustível.

Ainda assim, a marca voltou a apostar no Easytronic, agora numa segunda geração e, como a concorrência, também equipada com software da Magnetti Marelli, para equipar o Agile. Embora soe como equívoco, há justificativa: primeiramente, o mercado segue cada vez mais exigente e pede cada vez mais soluções de conforto para suportar a maluquice do trânsito das metrópoles; ciente disso e interessada em dar sobrevida ao carro, a solução foi fazer reviver a caixa automatizada -- uma vez que o Agile, com sua plataforma ultrapassada, não tem condição de receber o câmbio automático.

COMO ELE É
Como o Agile Easytronic está à venda e pode ser uma opção para quem procura um modelo novo, não nos furtamos a avaliá-lo. A variante só existe para o pacote mais caro, o LTZ, em sua configuração mais completa, que custa R$ 45.420. Por este preço, o comprador recebe, além do câmbio automatizado de cinco marchas, direção hidráulica, ar-condicionado, controle de cruzeiro, rodas aro 15 de alumínio, vidros e travas elétricos, detalhes externos na cor da carroceria, rádio com leitor de CD, USB e Bluetooth, sensor para acendimento automático das luzes e, na segurança, faróis de neblina, freios com ABS (antitravamento) e EBD (distribuição eletrônica da frenagem) e airbag duplo, entre outros itens.

São R$ 3.100 (ou 7%) a mais em relação aos R$ 42.320 do Agile LTZ manual, que atualmente custa menos do que há três anos e meio (R$ 42.706). É um acréscimo dentro do usual para quem quer repassar o trabalho da troca constante de marchas para a máquina.

O visual, neste momento, é exatamente o mesmo do carro de 2009, com faróis asperamente recortados e desproporcionais em relação à enorme grade, o parachoque frontal com aspecto de inacabado (custava colocar uma capinha sobre a barra horizontal de reforço e o gancho de reboque?) e a carroceria massuda flutuando sobre as rodas pequenas.

Na cabine, há conflitos entre o bom, o respeitável e o estranho: os instrumentos têm ótima iluminação em azul e branco, mas o sentido dos ponteiros (a agulha do velocímetro, à esquerda, sobe em direção ao centro do painel, enquanto o conta-giros se afasta deste em sentido descendente) confunde o olhar; o ar tem display digital, mas a sequência apresentada não corresponde à ordem dos botões abaixo; os comandos de vidros estão bem posicionados, mas a maçaneta de abertura da porta, descoberta, pode prender a manga da camisa dos ocupantes durante o acionamento; o pedais ficam entortados em relação à posição do motorista; o volante com airbag traz a buzina onde outros carros contam com teclas multifunção e a bandeja do porta-luvas é vergonhosa (de tão torta, é possível observar a luz do compartimento se acionar sem precisar abrir a tampa).

COMO ANDA
Os acertos do Agile são sobretudo dinâmicos: o hatch se move bem por ruas maltratadas, passa por valetas sem dificuldades (quando muitos outros terão de reduzir e até mudar de trajetória) e sua direção se mostra precisa em curvas, mesmo quando contornadas com empolgação.

O motor Econoflex 1.4 não é glorioso, mas dá conta do recado ao movimentar o Agile com alguma valentia, mesmo com cabine e porta-malas cheios. Impossível, mesmo, é encontrar acertos no Easytronic, seja de qual geração for.

A começar do posicionamento ruim da alavanca, baixa demais para o uso ideal. De fato, ela está na mesma altura da alavanca do câmbio manual, mas isso não basta: fazer trocas no câmbio convencional é algo intuitivo e ninguém precisa ficar olhando para a alavanca; já no câmbio automático/automatizado sequencial, trocar marchas sempre requer um desvio da atenção, ao menos no início -- enquanto o condutor se acostuma, é preciso olhar para baixo para ver qual o sentido de subida das marchas (para cima no Easytronic) e onde estão e o que fazem os dois pequenos e distantes botões adicionais (um aumenta a aderência em terrenos escorregadios, outro comanda as mudanças em giros mais elevados, emulando um funcionamento esportivo).

Mas há motivo para se trocar as marchas manualmente num câmbio feito justamente para poupar o motorista dessa missão? Na estrada, não: neste caso, o Easytronic se mostra desenvolto e, apesar de exagerar na demora da passagem para segunda e terceira marchas (o motor reclama até quase não poder mais e a faixa de giros se aproxima do vermelho), garante uma viagem tranquila e em bom ritmo.

Tá vendo?

  • Murilo Góes/UOL

    À esquerda, o emblema Easytronic, discreto, pequeno mesmo, que é para não dar bandeira

Acontece que o câmbio é vendido como facilitador da vida na cidade. Só que, neste caso, pouco se resolve e quem enfrenta o anda-e-para tem de carregar uma garrafa com chá de camomila em algum dos porta-objetos. Naquele momento de velocidade baixa em que o motorista mal consegue passar da primeira para a segunda marcha e sequer cogita usar a terceira, o Easytronic se embanana -- e o resultado é uma série de soluços sem fim (sobe para segunda, volta à primeira, repete o procedimento). O trânsito andou e você precisa de um movimento rápido para mudar de faixa e passar à frente da fila de carros? Esqueça, arrancada ao sair da imobilidade não é o forte deste câmbio. No fim das contas, quem observa da calçada ou de outro carro vai achar que você simplesmente não sabe dirigir.

Pelo menos há ganho no consumo? UOL Carros rodou 815 quilômetros e gastou dois tanques de combustível, um de etanol, outro de gasolina. O consumo do primeiro, predominantemente em trajeto urbano, foi de 8 km/l segundo o computador de bordo do Agile. Com gasolina e 2/3 da rota percorridas na estrada, a média subiu para 9,9 km/l, exatamente a mesma obtida no primeiro contato com o carro, no lançamento de 2009 em Mendoza (Argentina), com gasolina pura mas usando câmbio manual.

Resumindo: sem melhorar o consumo, nem facilitar a vida do condutor, o câmbio Easytronic II vai sobreviver apenas durante o tempo em que a GM mantiver o Agile vivo no mercado. Depois disso, e com o câmbio automático de seis marchas difundido, ninguém vai sentir falta, nem mandar flores.