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Toyota Hilux cede ao motor flex para peitar S10 e perde sua força

Hilux flex é arma da Toyota para trilhar árduo caminho que a separa da S10 bicombustível - Murilo Góes/UOL
Hilux flex é arma da Toyota para trilhar árduo caminho que a separa da S10 bicombustível Imagem: Murilo Góes/UOL

Eugênio Augusto Brito

Do UOL, em São Paulo (SP)

22/03/2012 11h00

A bordo da nova Toyota Hilux Cabine Dupla 4x4 SRV Flex, UOL Carros estacionou em frente à bomba de combustível pela primeira vez em nosso teste, após uma perna inicial de 330 quilômetros. Como a picape veio abastecida com gasolina, nosso planejamento pedia que desta vez fosse colocado etanol no tanque de 80 litros. O frentista, porém, não se importou em ouvir nosso pedido. Com olhos vidrados no emblema "Flex" da carroceria, preferiu disparar a pergunta antes: "E aí, patrão, ela tá compensando com (motor) flex?" Essa é a questão cabal.

Quando a atual geração da Hilux foi lançada em novembro (releia aqui), a Toyota deixou claro que a grande atração da linha 2012 seria mostrada mais tarde, no primeiro trimestre deste ano -- ou seja, agora. A novidade é justamente a picape com motor bicombustível de 2,7 litros, derivado do antigo bloco a gasolina aposentado em 2009. Capaz de gerar 163 cavalos com etanol (ou 158 cv com gasolina) e 25 kgfm de torque (a 3.800 giros e com qualquer coisa no tanque), é dele a missão de empurrar o utilitário da marca japonesa para cima da Chevrolet S10 de vez. Para mais detalhes, a ficha técnica da Hilux pode ser vista aqui.

Como já havia sido anunciado, a Toyota tem pretensão de elevar as vendas da Hilux em 25% este ano (em relação a 2011), entregando um total de 40 mil picapes. Destas, ao menos 5.000 deverão ser equipadas com o propulsor bicombustível. Os preços começam em R$ 88.730 (com tração 4x2) e vão a R$ 103.420 na configuração testada (4x4). A cabine é sempre dupla, neste caso.

Os números do primeiro trimestre de 2012, porém, mostram que a briga não será fácil -- o que, convenhamos, já era esperado. A Hilux chegou  a emplacar mais que a S10 no momento da transição entre velha e nova geração do modelo da Chevrolet (veja aqui como ficou). Mas isso parece estar mudando. Os números oficiais de emplacamento da Fenabrave (a entidade dos distribuidores nacionais) mostram que nos dois primeiros meses do ano (janeiro e fevereiro são os únicos com dados totalizados até agora) a Toyota entregou 5.312 Hilux contra 3.563 unidades licenciadas pela Chevrolet S10.

Os dados incompletos de março (temos apenas a primeira quinzena fechada), porém, apontam uma alta de 24% nas entregas de S10 (1.146 unidades no período), reforçada pela chegada da nova geração, enquanto a Toyota despencou 20% (914 unidades em 15 dias). Claro, todas as outras picapes -- Mitsubishi L200 (de linha nova), Ford Ranger (que vai mudar de geração em breve), Volkswagen Amarok (agora com mais versões e até câmbio automático) e a lanterninha Nissan Frontier (mesmo estando mais forte na linha 2013) -- aparecem na rabeira deste confronto.

Visualmente, a Hilux 2012 não agradou a UOL Carros. Enquanto o modelo anterior tinha personalidade forte e cativante -- com sua barra única assinando a grande abertura frontal --, a picape atual encaretou. Os traços gerais foram suavizados, ganhado ares de um sedã anabolizado. Pior, a grade frontal ganhou três lâminas com uma certa elevação ao centro, que acabam lembrando (ou, no popular, "imitando") as linhas definidas pela coreana Hyundai em seus modelos. Nada pior para a personalidade da marca japonesa e seus seguidores. Enquanto isso, a S10 ficou mais parruda, acolhendo bem a enorme frente com a nova identidade da Chevrolet. Claro, cada comprador tem seu gosto, mas nós preferimos os traços marcantes da nova S10 ao conservadorismo nada inspirado da Hilux 2012.

SOBE E DESCE

  • Eugênio Augusto Brito/UOL

    A rival Chevrolet S10 (acima) cresceu para encarar a Hilux em nichos mais refinados do segmento de picapes médias. Curiosamente, esta última desceu um degrau na escala da força para tentar ganhar terreno na base do mercado. Quem leva a disputa?

A dirigibilidade é conhecida. A Hilux segue a receita padrão para se dar bem na terra batida, apostando na suspensão por feixe de molas na traseira. Feita para aguentar o tranco ao pegar no batente, o conjunto acaba cansando o motorista em momentos de passeio pelo asfalto da cidade: de caçamba vazia e mais leve que o SUV SW4, a Hilux cansa motorista e eventuais passageiros com seu sacolejo incessante. Aliás, tem de ter muita vocação para caubói para aguentar o sobe-desce, vira-e-torce da carroceria nesta situação. Claro, há todo o conforto proporcionado pelo acabamento correto, pelo revestimento de couro, pelo ar digital, pelos controles elétricos e pela câmera de ré (boa, mas que seria mais eficiente ainda se tivesse a companhia do sensor de ré). Mas o lugar dela é mesmo no terreno maltratado, carregada de muita carga, ainda que os pneus de 16 polegadas de uso misto que a acompanham peçam socorro caso a trilha fique pesada -- essa ressalva é necessária, uma vez que, com eles, pode ser que nem a tração 4x4 com reduzida (que é acionada à moda antiga -- e, sejamos sinceros, defasada --  por meio de alavanca) dê conta do recado em momentos de perigo. Isso tudo e muito mais já foi contado na ocasião do lançamento da picape, e pode ser revisto aqui.

O fundamental, porém, é tentar responder à pergunta do frentista de forma objetiva. Vale ceder à pressão do mercado, descer um degrau (talvez dois) na escada da força e escolher o motor flex para mover a picapona de 5,26 metros e 1.745 quilos? No trânsito pesado, ou tentando encaixá-la na diminuta vaga do shopping center, talvez não faça diferença. Mas puxando carga e abrindo caminho na estrada, haverá diferença, sim, mas para pior. Por vezes, fica a incômoda impressão de que o fôlego da gigante é curto. A picape demora para embalar, mesmo com o trabalho correto do câmbio automático de quatro marchas. Todos à frente vão abrir caminho, acostumados com o porte da picape (embora a cara, vista pelo retrovisor, já não assuste tanto), mas você não terá a mesma facilidade em passar por eles. Sem a força do motor a diesel, uma única palavra que nos vêm a mente: frustração.

Depois de dividir estas impressões com o frentista, ele acenou a cabeça, num gesto de compreensão. Com o tanque devidamente abastecido com etanol e R$ 140 reais a menos no bolso, partimos para uma nova perna. Ao fim de tudo, o computador de bordo (que fica no topo da porção central do painel, não junto com os demais marcadores atrás do volante) variou suas indicações de 6,3 a 4,4 km/l. Na nossa cabeça, porém, ficou a impressão de que a jornada com uma Hilux dos velhos tempos teria sido mais empolgante. Agora, resta ver o que o público e os emplacamentos dirão.