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Lifan 620 é sedã médio 'genérico' com preço baixo e acabamento sofrível

<b>Lifan 620 traz visual que mistura vários modelos, mas não parece com nenhum</b> - Murilo Góes/UOL
<b>Lifan 620 traz visual que mistura vários modelos, mas não parece com nenhum</b> Imagem: Murilo Góes/UOL

Claudio de Souza

Do UOL, em São Paulo (SP)

16/05/2011 13h41Atualizada em 15/08/2012 13h57

Direção hidráulica, freios com ABS e EBD, airbag duplo na dianteira, ar-condicionado, CD player com MP3 e entrada USB, controle do sistema de som no volante, seis alto-falantes, antena embutida no vidro traseiro, rodas de liga leve aro 15, ajuste elétrico dos espelhos retrovisores externos, acionamento elétrico dos vidros, barras de proteção lateral, aviso de fechamento incorreto das portas, ajuste de altura no banco do motorista, volante com regulagem de altura, imobilizador eletrônico, revestimento dos bancos com couro ecológico, porta-copos dianteiros e traseiros, faróis de neblina, sensor de estacionamento, travamento central das portas, chave com telecomando, sensor de luminosidade, abertura interna do porta-malas e do reservatório de combustível, três anos de garantia etc. etc. etc. Tudo isso empacotado num sedã de 4,55 metros, 6 centímetros mais que um Honda Civic.

A lista de equipamentos acima foi copiada e colada aqui diretamente do material de divulgação do Lifan 620, sedã médio da marca chinesa montado no Uruguai pela Effa Motors e vendido no Brasil desde setembro de 2010. Como no caso de outros carros com assinatura oriental, o modelo aposta numa relação custo/conteúdo excepcional. Que carro deste tamanho e com tudo isso embarcado custa menos de R$ 40 mil? Mais precisamente, R$ 39.980, em versão única de acabamento.

Pouco visto nas ruas, o 620 não é prioridade para a Lifan. Para a marca, interessante mesmo é apostar no 320, imitação descarada do Mini Cooper e relativo sucesso de vendas no Brasil: são 717 unidades emplacadas este ano até o final de abril, de acordo com a Fenabrave (associação dos distribuidores de veículos). O 620 vendeu 269 carros no mesmo período. No segmento dos sedãs médios, está em 14º lugar. Se serve de consolo, vende mais que o Chery Cielo três-volumes.

Obviamente, a eventual vantagem comparativa do 620 surge quando ele é alinhado a sedãs menores e menos equipados. Pense, portanto, em modelos como Fiat Siena, Volkswagen Voyage, Chevrolet Corsa e Prisma, Ford Fiesta Rocam, Renault Logan e Peugeot 207 Passion -- especificamente nas versões com preço abaixo de R$ 40 mil.

Se a célula-tronco que possibilitou a clonagem do 320 é perfeitamente identificável, o mesmo não acontece com o 620. Sem a ajuda de um estúdio de design (como teve o Cielo, da Pininfarina), a Lifan criou um sedã genérico. A dianteira até pode ser relacionada ao BMW Série 3 (faróis) e a modelos da Volkswagen (grade em "U", antes da nova frente única). A silhueta lembra um sedã Ford, devido ao terceiro volume de grande porte. Enfim, em termos de estilo o modelo pode ser qualquer coisa e coisa nenhuma. Como bem observou o fotógrafo Murilo Góes, que o clicou para UOL Carros (veja suas fotos abaixo), o Lifan 620 "parece um monte de carros, mas não dá para dizer quais".

IMPRESSÕES AO DIRIGIR
Experimentamos o 620 por alguns dias, principalmente em situações de trânsito urbano, e a impressão geral foi a de um carro que precisa evoluir um pouco no comportamento dinâmico e muito, mas muito mesmo em acabamento e qualidade dos materiais.

O motor a gasolina, assinado pela própria Lifan, foi uma surpresa positiva em uso urbano: com apenas 1,6 litro de capacidade, potência compatível (106 cavalos) mas torque de 1.4 (cerca de 14 kgfm), o propulsor nos "enganou" durante dois dias: até checarmos o documento, achávamos que sua capacidade era de 1,8 litro. Não que seja um show de desempenho, mas é cumpridor, permitindo retomadas seguras (a depender do competente uso do câmbio manual de cinco marchas, bem escalonado) e trabalhando de modo relativamente suave em velocidades de cruzeiro acima de 100 km/h. Suas limitações, no entanto, são expressas na velocidade máxima de 176 km/h e no 0 a 100 km/h em longos 14,2 segundos, sempre de acordo com a Lifan. Por isso, o uso contínuo em estradas tende a ser maçante.

O acerto de suspensão do 620 é voltado ao conforto, com leitura neutra do terreno. Os ocupantes -- quatro, de preferência -- são bem tratados. No entanto, o sedã não é bom de curva, apresentando frequente subesterço (saída de frente) e pedindo atenção nas correções. Está longe de ser um escândalo de instabilidade como o Chery QQ -- mas fica a recomendação, válida aliás para boa parte dos carros chineses que já dirigimos: muita calma nessa hora.

A Lifan garante que o 620 é econômico, mas não foi o que aferimos. Como o carro não dispõe de computador de bordo, o valor é aproximado, mas é certo que o sedã não fez mais do que 7 km/litro. É pouco para um motor a gasolina, ainda que em ciclo urbano.

Dito tudo isso, é necessário notar que os menos de R$ 40 mil pedidos pelo 620 podem ser explicados pelo que se vê e sente na cabine: o acabamento é sofrível, com rebarbas incríveis, encaixes toscos, mau gosto na combinação de cores (há cores demais, na verdade) e nos enfeites, especialmente os absurdos apliques imitando madeira. O painel de instrumentos e o display do som abusam de um azul celeste que não tem nada a ver com o restante do habitáculo -- nem mesmo com a iluminação de teclas e comandos, que é branca.

Outros aspectos que colocaram em xeque a qualidade geral do 620: a portinhola do tanque de combustível dispõe de abertura interna por meio de uma pequena alavanca ao lado da que abre o porta-malas, mas na unidade que testamos (com pouco menos de 6.000 km rodados) ela estava emperrada, talvez devido à quebra do cabo interno do sistema. A opção seria forçar a peça, o que não fizemos. Por fim, ao engatar a ré e acionar o sensor de estacionamento, o rádio era interrompido e seu display mostrava o aviso de chamada telefônica -- sendo que não havia chamada nenhuma. A Lifan ficou de verificar esse defeito.

Sabemos que os carros chineses precisam, todos, melhorar, e o Lifan 620 não é exceção à regra -- muito ao contrário. A impressão de que um pouco mais de capricho, atenção e bom gosto resolveriam quase todos os problemas de um carro como esse não é menos incômoda que seu corolário: quando isso acontecer, o preço dele será outro. Muito mais alto.