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Smart cabrio mostra como um pequeno conversível sobrevive na cidade grande

Eugênio Augusto Brito

Do UOL, em São Paulo (SP)

14/10/2009 10h00

Murilo Góes/UOL

Quando anunciou a chegada oficial do supercompacto smart fortwo (assim mesmo, em minúsculas), no início de abril, o grupo Daimler -- dono também da marca Mercedes-Benz -- projetava um total de 500 unidades vendidas até o final de 2009. Seis meses depois e restando ainda mais de dois meses para o término do prazo, cerca de 700 smart já rodam por aí (segundo dados da Fenabrave), o que é ainda mais notável se considerarmos que há apenas duas revendas, ambas na cidade de São Paulo.

No lançamento, após um rápido test-drive, UOL Carros atestou a vocação do modelo "100% urbano", feito para um público de "descolados" dispostos a pagar cerca de R$ 60 mil em um automóvel que custa metade disso na Europa ou nos Estados Unidos, mas que sofreriam com "solavancos e pancadas" nas malcuidadas ruas nacionais.

Mas e se o smart fosse encarado como um veículo mais popular -- barato e acessível --, sendo colocado no uso diário? Foi o que UOL Carros fez com uma unidade do smart fortwo cabrio (versão conversível e, na teoria, ainda mais exclusiva do pequeno), por sete dias -- inclusive um sábado e um domingo. O resultado pode ser conferido a seguir.

1º DIA (QUINTA-FEIRA)
Meigo, sim. E caro

Ao primeiro contato com o smart, o impacto é visual. "Ao vivo", ele parece saído da caixa de brinquedo de seu filho ou sobrinho. Está tudo nas medidas: apenas 2,69 metros de comprimento, 1,55 m de largura, 1,54 m de altura e 800 quilos. E na configuração: caixas de rodas na extremidades da carroceria pintada em duas cores, duas portas enormes, frente "sorridente", para-brisa enorme e inclinado, traseira curta e quase vertical, rodas aro 15 com nove raios. O modelo testado tinha ainda outra peculiaridade: era decorado em homenagem à cidade de Paris (todo smart é montado na França), com a representação da torre Eiffel e do horizonte da "Cidade Luz" em meio a borboletas coloridas.
 

  • Murilo Góes/UOL
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    Fotos: Murilo Góes/UOL

Fica difícil acreditar que algo tão "meigo" em dimensões possa custar tanto: R$ 64.900 o cabrio desta reportagem, R$ 57.900 a versão coupé com teto translúcido rígido. Os preços incluem a promessa da Mercedes-Benz de segurar o IPI zerado por mais algum tempo, de preferência até o final do ano.

Mas o grande trunfo do fortwo, e desculpa para o preço alto no Brasil (além dos pesados impostos), está no pacote embarcado, produzido para chamar atenção tanto quanto o exterior: o entre-eixos de 1,86 m é dos mais generosos, os assentos têm formato anatômico e estamparia que foge do lugar-comum, o ar-condicionado é manual, mas parece vintage, a ignição fica no túnel central, à frente do freio de mão, atrás da alavanca de câmbio e ao lado dos comandos de abertura do teto, enquanto "antenas" no alto do painel abrigam conta-giros e relógio analógicos (este é voltado para o passageiro, já que o motorista tem relógio digital integrado ao computador de bordo).

A segurança é extremada e põe a serviço dos ocupantes quatro airbags, freios com sistemas antitravamento (ABS), de distribuição de frenagem (EBD), de frenagem emergencial (BAS), de estabilidade (ESP) e de tração (ASR), entre outras peculiaridades.

Certo, algumas detalhes são simplórios e parecem não seguir o alto padrão do restante: botões de acerto dos retrovisores externos e de abertura dos vidros elétricos parecem frágeis a ponto de quebrar, assim como os para-sóis (se bem que até numa Ferrari estes componentes destoam do restante). Aquilo que seria o porta-luvas se transforma numa enorme prateleira, já que (como no Volkswagen Fox) não há uma tampa. E redes nos painéis das portas e atrás do bancos fazem as vezes de porta-objetos (a maior delas é da medida exata para abrigar um guarda-chuva dos grandes).

Ainda assim, o motorista passará menos tempo reclamando do que acessando as diferentes funções do computador de bordo, colocado na base do enorme semi-círculo que abriga o velocímetro. Seis destas funções são simultâneas: hodômetros total e parcial, indicador de marcha, temperatura externa, o já citado relógio digital e gráfico do nível de combustível. Há ainda, ao apertar de um botão, a função que mostra com maior precisão a autonomia do veículo.

2º DIA (SEXTA-FEIRA)
Davi entre milhares de Golias

Engraçadinho, tecnológico e caro o smart é. Mas isso o permite sobreviver ao trânsito caótico e nervoso de uma cidade como São Paulo, com seus quase 6,55 milhões de veículos (dados de setembro da companhia de tráfego da cidade, a CET)? Para responder, esta reportagem encarou a congestionada avenida Bandeirantes -- ligação entre a expressa Marginal Pinheiros e as rodovias Imigrantes e Anchieta, que dão acesso ao litoral do Estado.

  • Murilo Góes/UOL

    PEQUENO: smart fortwo parece ser de brinquedo quando jogado no meio da cidade grande

Os primeiros quilômetros entre motos, carros, picapes e, sobretudo, caminhões chegam a ser dolorosos. Andar com a capota abaixada é simplesmente impensável, devido à fumaça. E a cada parada do trânsito, vem a impressão de que a carreta atrás simplesmente vai ignorar o minúsculo carro à sua frente. A responsável por isso, na verdade, é a mesma configuração que permite a um motorista de 1,80 m se sentir bem-acomodado no cockpit do smart. Mesmo sem ajustes de altura do banco e da direção (que, sim, fazem falta em trajetos mais longos), o condutor é colocado em uma posição mais elevada; ao mesmo tempo, o carro começa exatamente à frente de suas pernas e termina logo após o encosto do banco.

Os ocupantes também sofrem com a suspensão -- extremamente dura, vai transmitir para a base dos assentos cada um dos buracos e irregularidades do asfalto. E, mais uma vez, o tamanho vira problema: passar sobre nossas enormes descabidas lombadas é como escalar uma montanha, já que o smart cabe inteiro sobre uma delas.

Também leva-se algum tempo para se acostumar com a tração traseira do modelo. Mais uma vez questão de costume, que passa tão logo se perceba que o smart não vai dar uma cambalhota para trás a cada acelerada.

Então o fortwo não serve para o nosso trânsito? Pelo contrário. Sua transmissão automatizada de cinco velocidades é um achado no anda-e-para da cidade grande. A receita para se dar bem, como em qualquer carro equipado com este tipo de câmbio, é mentalizar o uso do pedal inexistente da embreagem e aliviar o pé direito do acelerador a cada troca de marcha. Vale (e deve-se) até usar o conta-giros para cumprir a tarefa e curtir uma direção mais tranquila.
 

O smart, aliás, permite mais: com as manoplas de troca atrás do volante (paddle shifters) é possível conduzir as trocas de marcha com maior precisão e ganhar tempo em acelerações e retomadas. E o carrinho é bom de retomada, visto que seu motor 3-cilindros turbo de 999 cm³ e 84 cv (a 5.250 rpm) montado sobre o eixo traseiro tem relativamente pouca massa para empurrar com seus 12,2 kgfm de torque (a 3.250 giros). É esperar o semáforo abrir e ter a certeza de deixar todos os outros carros "normais" para trás.

3º E 4º DIAS (FIM-DE-SEMANA)
Popular como um Gurgel

É sábado ou domingo e faz sol? Você vai ver mais de um smart rodando por aí. O final de semana parece ter sido feito para "desfilar" com o modelo. E melhor ainda se for com a capota abaixada.

O mecanismo é prático: basta apertar um botão no console central ou no controle-remoto da chave. A capota de lona do smart cabrio pode ser deixada em qualquer posição entre aberto e fechado. E quando totalmente abaixado, basta usar as duas mãos para deslocar as duas traves que o sustentam para ter um carro totalmente sem teto. Ah, sim, as duas peças podem ser guardadas em um compartimento próprio, embutido na tampa traseira.

A partir daí, é treinar a empatia, estampar o sorriso no rosto e afiar as respostas. Já ouviu falar na expressão "carro de imagem", atribuída a modelos como recém-chegado Fiat 500, ou aos cult Mini Cooper, Volkswagen New Beetle e Chrysler PT Cruiser? Com o smart é assim: todo mundo vai querer puxar assunto e tirar fotografias (como é possível notar no ensaio que acompanha este texto). "Que gracinha! É caro?", "Onde é feito?", "Você pediu com as borboletas?"

A certa altura, a reportagem parou ao lado de um comboio de torcedores do Corinthians e um deles disparou: "Que legal, bicho! Eu conheço este carro, é da Fiat, não?". Em outro momento, no turístico Páteo do Colégio, região central da cidade, alguém indagou se o modelo não seria "a volta da Gurgel ao mercado". Por alguns instantes, foi bom imaginar o quão popular o smart seria sendo fabricado no Brasil: talvez ficasse proporcionalmente tão barato quanto na Europa e EUA (cerca de US$ 11 mil dólares ou 10 mil euros), onde cerca de 500 mil unidades já foram vendidas, teria motor flex e poderia ser pago em 42 prestações...
 

De volta à realidade, nem tudo é pesadelo. Mudar de faixa fica fácil a bordo do smart: basta dar a seta e ver o motorista do ônibus ao lado gentilmente diminuir a velocidade e abrir passagem. Motociclistas não cortam caminho à sua frente, pelo contrário, se contentam em segui-lo. E se precisar de informação sobre o caminho, o policial será extremamente gentil.

5º DIA: SEGUNDA-FEIRA
Vamos às compras

A tarefa é trivial, mas nada é muito normal com o smart. E nada de errado com o fato de tentar achar um lugar no estacionamento do supermercado. Como as vagas geralmente abrigam até picapes e SUVs grandes, o espaço é suficiente para até dois fortwo. O problema está na hora de acomodar as compras.

O carro é pequeno, é como um cupê e é conversível. No caso específico, são 220 litros acomodados sobre o compartimento do motor traseiro. Traduzindo: o porta-malas é reduzido e o sorvete pode derreter.

Fica o consolo de poder rebater o banco do passageiro, elevando a capacidade de carga para 340 litros. A não ser que você tenha levado companhia.

6º DIA: TERÇA-FEIRA
Esterça que cabe

Achar um lugar para estacionar nos arredores da avenida Paulista, principal centro financeiro do país, num dia útil é algo difícil? Não, é algo muito difícil.

Mas o que é possível fazer com um carro que, repetindo, tem 2,69 m de ponta a ponta? Muita coisa. Principalmente quando se tem de Hill Holder Control (assistente de saída em aclive, que mantém o carro parado, mesmo que você solte o pé do freio), diâmetro de giro de 8,75 m e direção eletroassistida. Tudo isso permite ao smart parar na mais apertada das vagas, mesmo que ela fique numa ladeira (veja as fotos ao lado). Como sempre há espaço para reclamar e pedir por mais, seria interessante ter um sensor de estacionamento, uma vez que a visibilidade permitida pela pequena vigia e pelas enormes colunas traseiras não é das melhores.

Vale lembrar que a Daimler chegou a anunciar que pediria autorização junto ao Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) para que motoristas do smart pudessem parar o carro a 90º junto ao meio-fio, como é feito na Europa. Talvez pela baixa "densidade demográfica" de fortwo no país, o fato é que o pedido parece não ter vingado.

  • Murilo Góes/UOL

    CARRO DE IMAGEM: smart cabrio custa R$ 64.900 e é sempre o foco das atenções

7º DIA: QUARTA-FEIRA
A despedida

A caminho da Mercedes-Benz, no ABC paulista, um pouco de estrada mostrou o que a reportagem já previa: o smart foi feito para asfalto liso e velocidades maiores. Nada de ruídos, nada de incômodos chacoalhões, nem de engasgos.
 

Pequeno bravo

  • Divulgação

    Os para-lamas são ressaltados, rodas maiores aro 16 e 17 e um ronco mais grave é emitido pelo motor, que é mais potente e gera 99 cv. Por dentro, detalhes em alumínio dão o tom. Este é o Brabus, versão esportiva do pequeno smart, cotada para chegar ao país até o final do ano, com preço perto dos R$ 90 mil.

Estávamos no fim do teste, e após 261 km rodados a maior parte das questões havia sido respondida, inclusive sobre o consumo. Com tanque para 32 litros de gasolina e cinco litros de reserva, o smart tinha um consumo previsto pela marca como sendo de 15 km/l na cidade e 24 km/l na estrada, com emissão de 116 g de CO2/km. Nossas contas, porém, mostram que o carrinho foi bem mais beberrão: 8,7 km/l, em regime totalmente urbano.

Mas como ele se sairia em uma viagem mais longa? A resposta veio, quase que por transmissão de pensamento, já no estacionamento da fábrica, onde uma funcionária nos abordou: "Esse smart é mesmo uma gracinha, não? Esses para-lamas ressaltados, os faróis bipartidos, a grade pequena, a traseira mais ampla... Minha mãe tem 80 anos, mora na Alemanha, tem um Brabus [versão mais parruda e potente do smart -- veja o quadro] e o adora. Mas, olhe bem, é um carro só para a cidade, para andar no máximo uns 100 quilômetros por dia. Não serve para viajar, a cabine acaba ficando muito apertada quando você dirige por muito tempo". É isso, então, sem mais perguntas.