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Queda do mercado de sedãs deixa Detroit em situação complicada

Fila de carros em concessionária da General Motors na Califórnia (EUA): cliente não quer sedã - Mike Blake/Reuters
Fila de carros em concessionária da General Motors na Califórnia (EUA): cliente não quer sedã
Imagem: Mike Blake/Reuters

Keith Naughton , David Welch , and Gabrielle Coppola

De Detroit (EUA)

15/01/2019 07h00

Abandono dos carros de passeio comuns indica que "próxima recessão de carros" já começou de fato

Estes devriam ser tempos de crescimento para Detroit. O desemprego está no menor nível em 50 anos, a gasolina é barata e as vendas de automóveis nos EUA estiveram próximas de nível recorde no último ano. No entanto, as grandes fabricantes americanas estão fechando fábricas, cortando turnos e demitindo milhares de trabalhadores. A indústria está se comportando como se estivesse em recessão.

E está, pelo menos em um segmento do mercado.

Detroit está à beira de uma recessão de carros marcada pelo colapso da demanda por sedãs tradicionais, que representavam metade das vendas há apenas seis anos. Os compradores fizeram um êxodo em massa de carros familiares clássicos em busca de veículos utilitários esportivos, os SUVs.

Honda Accord e Ford Fusion registraram um recorde de baixa de 30% das vendas nos EUA em 2018, e as coisas só vão piorar.

As vendas do estilo de carroceria que dominou a indústria desde que o Ford Model T foi lançado cairão 21,5% no mercado americano até 2025, de acordo com pesquisadores da LMC Automotive, relegando sedãs a produtos secundários. Isso deixa as montadoras com excesso de capacidade para este tipo de modelo, com fábricas que podem produzir cerca de 3 milhões de veículos a mais do que os compradores querem.

E o excesso de capacidade é precisamente o que estimulou as perdas da última vez que uma recessão arruinou a indústria.

"Você poderia classificar [o momento] como uma recessão para carros", disse Jeff Schuster, vice-presidente sênior de previsão da LMC Automotive.

Salão vai se reinventar

É uma situação que promete estragar o Salão Internacional do Automóvel de Detroit nesta semana, o último a ser realizado no frio de janeiro. Em uma tentativa de restabelecer a relevância, o encontro anual de automóveis está se mudando para junho do ano que vem e será reimaginado como uma chance para os espectadores dirigirem novos modelos em climas quentes.

Os concessionários de automóveis que organizam o show esperam que o novo formato atraia desistentes notáveis ​​-- um grupo que agora inclui as alemãs Mercedes-Benz, BMW e Audi -- para retornar a um evento que já comandou toda a atenção do mundo automotivo.

Um otimista pode buscar consolo na previsão de lucro melhor que o esperado divulgada na sexta-feira pela General Motors. Mas uma análise mais profunda dos números revela que a maior contribuição para a previsão otimista da empresa foram os planos de corte de custos -- incluindo o fechamento de cinco fábricas na América do Norte --, ajudando a impulsionar o lucro este ano em até US$ 2,5 bilhões.

O excesso de capacidade que assola as montadoras dos Estados Unidos é o equivalente a 10 fábricas extras, que representariam pelo menos 20.000 postos de trabalho diretamente, e milhares a mais, conforme repercutem nos fornecedores e prestadores serviços de apoio à indústria massiva. "A GM tomou algumas medidas, mas ainda tem algumas unidades muito sub-utilizadas", disse Schuster. "Então, esses números não são definitivos ainda."

Uma estratégia para lidar com o mercado de carros em colapso no passado foi colocar sedãs indesejados em frotas de aluguel e outras soluções comerciais. Isso só atrasou a crise de capacidade de hoje. Essas vendas de frotas de lucro mais baixo inflaram o mercado, mantendo as entregas de veículos nos EUA acima de 17 milhões nos últimos quatro anos, mesmo quando as vendas a clientes de varejo individuais atingiram o pico há três anos.

"A recessão do carro e a recessão no varejo já chegaram no sentido de que as vendas no varejo atingiram o pico em 2015 e caíram desde então", disse Mark Wakefield, chefe da prática automotiva na consultoria AlixPartners. "[Os comércios de] Carros estão sendo esmagados."

Protesto contra GM em Detroit janeiro 2019 - Rebecca Cook/Reuters - Rebecca Cook/Reuters
Trabalhadores da fábrica da General Motors de Oshawa protestam do lado canadense da fronteira com Detroit
Imagem: Rebecca Cook/Reuters

SUV é "culpado"

Muitos ex-compradores de carros de passageiros se aglomeraram em SUVs que oferecem mais espaço e, atualmente, economia competitiva de combustível. O Chevrolet Malibu, um sedã familiar, tem um consumo combinado de combustível de 11 km/l de gasolina. O crossover Equinox tem desempenho ligeiramente melhor.

Há sinais de que os motoristas estão até mesmo trocando os sedãs por picapes grandes. "Os compradores de picapes estão negociando com crossovers SUVs e sedans", disse Sandor Piszar, diretor de marketing da Chevrolet, que está aumentando a produção da nova Silverado. As vendas totais de picapes nos EUA cresceram 2% no ano passado, para 2,4 milhões de veículos, em um mercado que era estável.

Fora de Detroit, os executivos da indústria ainda defendem sedãs. Entre os EUA, Canadá, México e Porto Rico, a Toyota vende 375 mil unidades do Corolla ao ano. O sedã Camry também move grandes números, embora esteja encolhendo. "Nós não vamos sair desse negócio", disse Jim Lentz, diretor executivo da Toyota Motor North America, em entrevista no mês passado. "Ainda vemos uma oportunidade aí."

Ironicamente, as montadoras têm a última recessão para culpar por sua situação atual. Uma década atrás, quando os altos preços da gasolina e a queda da economia deixaram pouca demanda por SUVs, a indústria sofreu com demissões, fechamentos de fábricas e, finalmente, concordatas e resgates da GM e da Chrysler pelo governo. Detroit transformou suas fábricas de fazer SUVs grandalhões para começar a entregar sedãs sensatos e econômicos.

"Você teve dois movimentos rápidos e ascendentes nos preços da gasolina nos anos 2000 que foram como dois golpes em um", disse Wakefield, "Você não conseguia vender SUVs". Sua empresa ajudou a guiar a GM em sua concordata em 2009. "Parecia que os preços do gás subiriam e não baixariam mais", lembrou ele.

Mas agora o mercado voltou atrás, graças aos baixos preços das gasolina, e grande parte de Detroit está mais uma vez construindo muitos dos produtos errados.

Jeep Gladiator  - Mike Blake/Reuters - Mike Blake/Reuters
Grande lançamento da FCA em 2018 nos EUA é a picape Gladiator, não um sedã
Imagem: Mike Blake/Reuters

Lição de casa

A Fiat-Chrysler, que antecipou a espiral de morte dos sedãs ao abater sua linha de carros em 2016, tem evitado a dor da reestruturação que a GM e a Ford estão enfrentando agora. Em vez de fechar fábricas ou cortar turnos, está convertendo uma fábrica de motores em Detroit para dar espaço a um Jeep Grand Cherokee de sete lugares e amarrar suas fortunas com um ataque de SUVs.

O Jeep Gladiator, uma versão picape do Wrangler, será lançado no segundo trimestre de 2019. Uma fábrica reformada em Warren, Michigan, produzirá os revividos Jeep Wagoneer e Grand Wagoneer, outros dois SUVs.

Ao contrário da última vez que teve problemas, Detroit pode ter problemas em encontrar aliados em Washington ou nos sindicatos para ajudá-la a superar essa difícil transição. O presidente Donald Trump foi ao ataque, levando a CEO da GM, Mary Barra, à decisão de fechar quatro fábricas nos EUA. Até mesmo aliados como a representante de Michigan no Congresso, Debbie Dingell, uma ex-executiva da GM, disseram no mês passado que a GM se tornou "a companhia mais odiada de Washington".

O sindicato UAW processou a GM durante o fechamento de suas fábricas e está se preparando para uma grande disputa na mesa de negociação este ano, uma vez que negocia novos contratos com montadoras americanas que começaram a se comportar como se os bons tempos já estivessem no passado.

"É um ambiente muito bizarro agora porque as condições econômicas gerais ainda são bastante favoráveis", disse Schuster. "Mas parece que estamos voltando a esse período sombrio de uma década atrás.