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Homem e motocicleta desafiam o "mal das montanhas"

Viajar pela Cordilheira dos Andes "não é para os fracos", como disse um local a Cícero Lima - Cícero Lima/Arquivo pessoal
Viajar pela Cordilheira dos Andes "não é para os fracos", como disse um local a Cícero Lima Imagem: Cícero Lima/Arquivo pessoal

Cícero Lima

Colaboração para o UOL

31/12/2013 13h10

Quando os times brasileiros de futebol jogam em cidades do Peru, Bolívia ou Equador pela Libertadores, seus médicos, preparadores físicos e técnicos sempre têm preocupação com o "mal das montanhas". Dependendo do atleta, o rendimento pode ser comprometido pela falta de oxigênio e a dificuldade de respirar, fenômeno comum acima dos 2.400 metros de altitude.

Mas, enquanto os times são obrigados a disputar partidas em lugares como Cusco (Peru), 3.400 metros acima do nível do mar, muitos viajantes vão para lá por livre e espontânea vontade.

Com seus carros, motos, bicicletas ou a pé enfrentam as alturas para superar a Cordilheira dos Andes. Na maioria dos relatos, há em comum as dificuldades com a altitude e seus sintomas. Pode ser uma simples dor de cabeça ou, em casos extremos, um edema pulmonar capaz de levar à morte.

  • Arquivo pessoal

    Cícero Lima pilotando a Honda CG 150 que, às vezes sem fôlego, o levou ao alto da Cordilheira dos Andes no Peru

Não seria exagero? Por muito tempo, eu achava que o cansaço alegado pelos jogadores brasileiros -- principalmente após as derrotas -- era conversa para boi dormir, "papo de boleiro". Pensei nisso enquanto buscava freneticamente ar para os meus pulmões. Estava ao lado de uma placa que informava: 4.725 metros acima do nível do mar. Ao lado, a imponente Nevado Ausangate, quinta maior montanha do Peru, com seus picos congelados.

"Aqui não é lugar para os fracos", afirmou um jovem que mora junto a passagem chamada de Pirhuayani. Em seu pequeno e humilde casebre, ele vê no frio e na solidão do lugar seu grande atrativo. "Um lugar tranquilo e bonito, bom para criar os filhos e os animais", garante ele.

Tento atravessar rápido a estrada para fazer uma foto da montanha e sinto no corpo os efeitos da altitude. Tudo parecia um filme, enquanto a paisagem embaralhava na minha visão. Segundo os médicos, a respiração curta, as náuseas e o coração acelerado são sintomas normais nesta altitude. Tudo por conta da menor pressão atmosférica e o ar rarefeito. A temperatura próxima dos 6 graus (aos pés da Cordilheira estava 30 graus), também castiga e enfraquece o viajante.

Claro que não é possível generalizar. Tenho um amigo que já viajou inúmeras vezes pela cordilheira e nunca sentiu nada, mas a maioria dos relatos é desanimadora. Fui acompanhando por uma picape -- e o motorista disse que, no ano passado, desmaiou durante o trajeto. "Quando percebi, a picape havia capotado, mas por sorte batemos num barranco", contou. É outro sintoma da altitude: a sonolência, que simplesmente faz a pessoa "apagar".

MOTO SEM FÔLEGO
Não são apenas os humanos que sofrem nestas condições: o mesmo acontece com as motos. Fiz questão de subir a cordilheira com uma moto bastante conhecida, a Honda CG 150. Com isso teria parâmetros para falar aos leitores de UOL Carros sobre o desempenho da moto.

O modelo usa injeção eletrônica, que recebe informações da centralina quanto à pressão barométrica e disponibiliza a quantidade necessária de combustível para que o motor tenha o melhor desempenho possível. Ainda assim, a moto pedia constante redução de marchas, em alguns casos até chegar à primeira. Normalmente, usaria a segunda, ou até a terceira marcha.

Já acompanhei relatos de viajantes que enfrentavam a cordilheira com motos carburadas. Para eles, valia tudo para injetar mais oxigênio na câmara de combustão: tirar o filtro de ar, trocar o giclê do carburador e até fechar um pouco a torneira de combustível para equalizar a mistura ar/combustível.

Muitos deles, assim como eu, duvidavam que a subida até a parte da alta da montanha, na travessia em direção a Cusco, fosse tão demorada. Nossa equipe parou em Quincemil, a pouco mais de 100 quilômetros antes do nosso destino. Compramos algumas folhas de coca para mascar -- segundo os moradores é a receita infalível contra o mal da altitude. Ao perguntar quanto tempo demora até Pirhuayani, no alto da cordilheira, recebi a resposta:

"Três horas!"

Claro que não acreditei. Descemos a CG da caçamba da picape, vesti o equipamento para enfrentar o frio e iniciei a subida. Acima dos 2.500 metros eu já sentia os efeitos da altitude. Na última parada, em Marcapata, consultei e relógio e não acreditei. A informação estava correta: na montanha não importam os quilômetros; o que vale (sempre) é o tempo de viagem.

Embora o asfalto fosse perfeito, as curvas travadas, a perda de rendimento da moto e a beleza da paisagem acabam atrasando a viagem. É interessante ver como as pessoas optam por viver naquelas encostas de montanhas, praticamente isoladas do mundo. Apesar da altitude, as crianças locais correm e se divertem. Tento imaginar como era aquela região quando a estrada não era asfaltada. Observando as cruzes às margens da moderna rodovia é possível estimar quantas vidas se perderam naqueles precipícios.

Três horas depois, assim como informado lá na vila, estava no alto da Cordilheira dos Andes, que julgo ser um dos lugares mais interessantes do planeta. Quem chega lá consegue entender o incrível fascínio das montanhas, apesar das adversidades. Uma magia que atrai pessoas com todo tipo de transporte, já a altitude realmente causa grande desgaste nos homens e diminui a potência das máquinas. Aos jogadores de futebol, peço desculpas: o "mal da montanha" (ou, como dizem os médicos, hipobaropatia) não é conversa de boleiro, apenas.

  • Cícero Lima/Arquivo pessoal

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