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Motoclubes mostram lado solidário, futebolístico e até bem-humorado

Cícero Lima

Colaboração para o UOL

16/08/2013 19h25

Ao ver um motociclista trajando colete de couro e ostentando um brasão nas costas, saiba que ele pertence a um motoclube. Esteja avisado também que, para muitos, o grupo é uma verdadeira religião, onde os "mandamentos" são levados a ferro e fogo.

Para quem não convive com essas associações pode até soar estranho o comportamento destas "tribos", mas, na verdade, esta é uma forma de socialização bastante comum no Brasil e no mundo.

Infelizmente, o termo "motoclube" ganhou repercussão negativa em 1969, com a morte de Curly Meredith Jr. O fato ocorreu durante um show dos Rolling Stones, em Altamont, na Califórnia. A segurança do evento estava a cargo dos integrantes do moto clube Hell's Angels, quando Meredith foi esfaqueado depois de envolver-se em uma briga. Após o julgamento, o integrante do motoclube foi declarado inocente, já que agiu em legítima defesa -- Meredith portava um revólver quando subiu ao palco.

Passadas mais de quatro décadas, o episódio perdeu a importância, assim como os motoclubes mudaram de perfil. Deixaram de ser a reunião de motociclistas rebeldes e, em sua maioria, tornaram-se sinônimo de socialização, bandeiras políticas, orientação sexual e até religiosa.

Nos Estados Unidos os motoclubes também foram sinônimo de resistência à segregação racial. Nos anos 1950, os integrantes do East Bay Dragons Motorcycle Club enfrentavam os olhares hostis dos policiais que não suportavam ver um negro pilotando uma Harley-Davidson. Era uma época de extremo ódio racial enquanto líderes como Martin Luther King Jr e Malcolm Little (Malcolm X) lutavam pelo fim da discriminação. Até hoje o grupo se reúne em Oakland, Califórnia (EUA).

Em 1977, por exemplo, foi criado o GBMCB -- Gay Bikers Motorcycle Club -- que, não possuía política discriminatória, segundo seu estatuto, e aceitava qualquer motociclista que se sentisse à vontade com homens e mulheres homossexuais e apaixonados por motos.

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O primeiro motoclube fundado no Brasil foi o Moto Club de Campos, na cidade de Campos dos Goytacazes (RJ), em 1926. Atualmente, estas "confrarias sobre rodas" já superam três mil agremiações, onde imperam a democracia e o bom-humor em relação aos nomes e atividades.

Até no futebol o motoclube faz história. Um exemplo é o Moto Club de São Luís (MA). Até 1937 ele se chamava Ciclo Moto de São Luís, e tinha a finalidade de promover esportes de duas rodas (ciclismo e motociclismo). Em 1939 foi criado o departamento de futebol do Moto Club, que chegou a ser campeão maranhense em 1944. Hoje, o "Papão do Norte" -- com 24 títulos estaduais -- disputa a primeira divisão de campeonato local.

Na escolha dos nomes vem à tona a criatividade do motociclista brasileiro. O numeral 100 é um dos preferidos -- quase sempre em referência à preposição "sem". "100 Preconceito", "100 Terra" e "100 Pressa MC" são alguns exemplos. A brincadeira, porém, pode estar ligada a algum assunto mais sério, caso do "C100 Preconceito", grupo destinado a proprietários de motocicletas de baixa cilindrada.

SEM PRECONCEITO
Em muitos encontros pelo Brasil, motos abaixo de 250 cc, por exemplo, não podem frequentar o mesmo ambiente que motos de alta cilindrada. Outro motoclube que surgiu por esse motivo é o "Pequenas Notáveis MC", que traz o slogan: "Porque a emoção não tem cilindrada".

Em muitos casos os motoclubes surgem por afinidade a determinado estilo de moto. O Insane Riders é um clube destinado aos amantes de motos superesportivas, que começou pelo amor dos integrantes à Honda CBR 450 SR. Atualmente com 160 membros -- contando esposas e namoradas --, eles usam motos de diversas marcas e modelos, mas sempre esportivas. "Apesar do gosto pela velocidade, nunca aconteceu acidente fatal", afirma Fabiano de Moraes Toledo, um dos fundadores do clube, que recentemente fez doação de cobertores e serviu sopa (na noite mais fria do ano) em São Paulo (SP).

A paixão de seus integrantes é tanta que eles alugaram um helicóptero para filmar a comemoração do aniversário do motoclube. Há até um vídeo.


Mais do que unir as pessoas para andar de moto, os motoclubes podem ainda demostrar a fé dos integrantes. O grupo "Águias de Cristo", que nasceu em Nova Friburgo (RJ), é um exemplo entre muitos outros com temática religiosa. Há ainda o "Bodes do Asfalto", de Feira de Santana (BA), representando a maçonaria.

ROCK E MULHERES
Outro fenômeno que invadiu o mundo das estradas é a presença dos motoclubes femininos. "As Devassas", de Contagem (MG), têm como filosofia a amizade e a paixão pelo rock'n'roll. O nome é inspirado em uma banda de rock formada por mulheres, entre elas a guitarrista Adriana "Ozzi".

A paixão pela viagem também contribui para a formação de motoclubes. Um deles é o "BR 116", no qual integrantes realizam longas viagens pelo Brasil e pelo mundo ostentando o brasão com o nome da rodovia mais famosa do país, a... BR-116, que atravessa o país de norte a sul.

BOM HUMOR
Há também nomes hilários e curiosos: Uscaravelhos MC, de Santana de Parnaíba (SP); Foragidos do Faraó, Várzea Paulista (SP); Motocróbio de Votorantim (SP) e, entre os mais engraçados e com boa dose de malícia, Embu Se7e, formado por apenas sete motociclistas da cidade de Embu (SP).

Entre um nome engraçado e um colete de couro, sempre haverá pessoas que tem na motocicleta um fator de socialização e instrumento de prazer. São homens e mulheres prontos a ajudar um irmão de estrada, visitar asilos, participar de campanhas de doação de sangue ou distribuir brinquedos em orfanatos. Mais do que a união, grande parte dos motoclubes tem como premissa a solidariedade e, claro, a diversão sobre duas rodas.

Cícero Lima é especialista em motocicletas